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Falar sobre sexualidade: como, quem e quando?

Posicionamentos do governo federal aquecem a discussão e incentivam a Beta Redação a buscar respostas sobre o tema

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Redação Beta
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5 min readJun 27, 2019

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“Quem ensina sexo para a criança é o papai e a mamãe”, declarou durante as eleições o presidente Jair Bolsonaro. Seu discurso revela parte do pensamento médio quando o assunto é educar os jovens sobre sexualidade. Também demonstra como estamos longe de solucionar os problemas causados pela desinformação. Enquanto o atual presidente se diz abertamente contra a educação sexual como item curricular nas escolas do país, doenças como a sífilis estão em estado de epidemia e o HPV atinge metade dos jovens do país, segundo dados do Ministério da Saúde.

No Rio Grande do Sul, pesquisa publicada no Boletim Epidemiológico da Sífilis 2018 aponta aumento de 20% de pessoas infectadas pela sífilis no estado. As cidades de Canoas, São Leopoldo e Sapucaia do Sul estão entre os 100 municípios brasileiros que concentram 60% dos casos de sífilis no país e são prioridade do Ministério da Saúde em ações para conter o avanço da doença. Além disso, o RS tem seis municípios entre as 10 cidades com mais de 100 mil habitantes com maior número de casos de Aids no Brasil.

(Arte: Murilo Dannenberg/Beta Redação)

Mas a sexóloga Tatiane Dias Scotta entende que o problema não está na falta de informação. Ela lembra que o Brasil é o segundo país com mais celulares conectados à internet no mundo. “Então, como ainda falta conhecimento?”, questiona. Os casos de incidência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) crescem a cada ano, mas realmente, a falta de prevenção não corresponde à falta de informação: 87,3% dos jovens relatam ter recebido informações sobre doenças sexualmente transmissíveis na escola, conforme dados do IBGE. Eles sabem que precisam usar preservativo, mas chega uma hora em que acham que estão protegidos.

Campanhas que incentivam o uso do preservativo estão na televisão e nas escolas, e informações sobre as ISTs podem ser acessadas facilmente na web, mas parece haver uma falha na comunicação que chega até os jovens. Especialistas apontam que não há um debate aprofundado sobre sexualidade e saúde sexual e, assim, os adolescentes seguem sem levar a sério a necessidade da prática do sexo seguro.

Enquanto a sociedade continua tratando o assunto como um tabu, muitas famílias têm dificuldade para orientar os adolescentes. Tatiane, especialista no tema, entende que a conversa entre pais e filhos ocasiona conflitos na hora de abordar a educação sexual.

“Tem muito a ver com as questões pessoais das famílias. Como esses adultos lidaram com a própria sexualidade. Tem também a questão de os filhos perguntarem como foi a iniciação sexual dos pais, o que leva muitos a evitar a conversa”, comenta Tatiane.

Dessa forma, muitos jovens se sentem mais à vontade para tratar o assunto no ambiente escolar e entre amigos, já que, em casa, eles sentem vergonha ou não têm intimidade para falar sobre sexo. Na previsão das grades curriculares, no entanto, a educação sexual ainda é abordada de forma dispersa. O tema carece de regularização no Brasil e, assim, cada instituição fica livre para decidir como incluir a orientação sobre sexualidade no plano de ensino.

“Na Holanda, a educação sexual é compulsória em todo país, e as taxas de ISTs são baixas. Na Bélgica, Nova Zelândia e Inglaterra a educação sexual também faz parte da grade curricular fixa. O Brasil é muito parecido com os Estados Unidos, pois a abordagem nas escolas é transversal, ou seja, não existe uma cadeira exclusiva sobre isso, sendo assim, o assunto é falado juntamente com outras matérias”, explica Tatiane.

No país não existe sequer uma padronização sobre a formação dos professores para abordar o assunto. Existe apenas um aconselhamento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de abordar a sexualidade e a prevenção a partir da oitava série. Em geral, o ensino de educação sexual acontece em atividades extracurriculares, como campanhas de prevenção e palestras. Para Tatiane, a discussão vem crescendo nas escolas, mas depende da iniciativa dos professores para acontecer.

A sexóloga Tatiane Dias Scotta comenta sobre a falta de informação, entre os jovens, acerca do tema sexualidade, que acaba não sendo debatido de maneira apropriada nem nas escolas, e nem pelos pais.

Falar de sexo em sala de aula é uma prática que ainda levanta polêmicas. A incompreensão sobre a importância da educação sexual é um dos fatores que faz a disciplina ser considerada um tabu. Para a psicóloga clínica Thais Blankenheim, é preciso compreender, primeiro, a diferença entre sexo e sexualidade.

“Quando a gente fala de educação sexual e sexualidade, a gente não está falando de ato sexual em si. Isso gera, na verdade, muitos conflitos a partir de pessoas que são contra a educação sexual, porque pensam que a gente vai ensinar o ato sexual ou incitar as relações sexuais. E isso não é verdade”, esclarece.

A psicóloga ainda explica que a sexualidade é uma dimensão fundamental da vida do ser humano. Dela fazem parte fatores psicológicos, sociais, culturais e afetivos — por exemplo, a atração por pessoas do mesmo sexo. Tatiane complementa que a educação sexual é parte fundamental para as pessoas viverem relacionamentos saudáveis e felizes.

Outra questão polêmica por trás do debate é sobre o momento certo para abordar a questão. Apesar da sugestão da BNCC de introduzir o assunto no ambiente escolar quando os alunos teriam em média 12 anos, Thais defende que o debate em torno da sexualidade deveria estar sempre presente.

“Existe uma ideia, construída no senso comum, de que as crianças seriam seres desprovidos de sexualidade. Essa ideia parte do princípio de que a sexualidade é aguçada apenas na puberdade. Mas não é verdade, ela está presente em todas as etapas da vida”, explica Thais.

Como conta a especialista, algumas teorias da psicologia indicam a construção da sexualidade do indivíduo desde seu nascimento. “As crianças observam próprio corpo, o corpo das outras pessoas, e vão fazendo perguntas. Isso não é precoce nem feio. Faz parte do desenvolvimento”, ressalta.

A sexualidade é parte da vida de todos nós, e o assunto merece reflexão. Acompanhe a série de matérias que a Beta Redação preparou para aprofundar a discussão:

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A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias.