Sistema político reflete desigualdade racial do Brasil, revela estudo do Insper

Dados econômicos da pesquisa apontam falta de investimento do fundo eleitoral em candidaturas negras a cargos eletivos

Thanise Melo
Redação Beta
7 min readJun 9, 2022

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Michael França é coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, onde promovem iniciativas e estudos para auxiliar no debate racial brasileiro. (Bruno Santos/ Folhapress)

Ao assistir a propaganda eleitoral na televisão de sua casa ou ao sair na rua e se deparar com materiais de divulgação de candidaturas a cargos eletivos, é possível constatar: há poucos negros e negras participando das eleições no Brasil. Seja em nível municipal, estadual ou federal, pessoas pretas ainda fazem parte de uma minoria política em um país onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negros e pardos somam mais da metade da população nacional, cerca de 56% do total.

Um marco nos Direitos Civis, a Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã” por avançar na construção de leis, dar acessos básicos e abrir espaço para a participação popular, foi formulada por um colegiado composto por 559 membros, entre homens e mulheres. Estiveram presentes nesse momento histórico apenas quatro participantes da chamada Bancada Negra: Paulo Paim (PT-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Edmilson Valentim (PCdoB/RJ) e Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos (PDT/RJ).

Para o pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Instituto de Ensino Pesquisa (Insper) e condutor do estudo “Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras”, Michael França, o tema não é uma novidade, mas foi uma forma de contribuir na discussão racial com números.

“Apesar de muitas pessoas estarem fazendo um debate realmente bom, nós, da economia, temos um instrumental estatístico que é impressionante”, comenta. Além dele, contribuíram neste trabalho os economistas Sergio Firpo, Alysson Portella e Rafael Tavares.

A pesquisa trabalhou com os dados das eleições de 2014 e 2018 e apontou que a taxa de sucesso de candidatos que se autodeclaram pretos e pardos foi de 3,98%, enquanto para os candidatos brancos foi de 8,72%.

Outro apontamento feito foi de que as pessoas brancas têm o dobro de chances de serem eleitas em disputas eleitorais para as Assembleias Legislativas estaduais e para a Câmara Federal.

Michael explica que, se mudarmos o olhar do desequilíbrio racial para os candidatos que são eleitos, a desigualdade fica muito alta e a taxa de reeleição segue elevada. Para ele, existem barreiras que estão fazendo com que essa população não esteja sendo eleita e um desses empecilhos pode estar na oferta de candidaturas que não chegam ao conhecimento em massa da população por falta de investimentos.

A pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper vai seguir ampliando os debates sobre a temática. Nesse momento, o relatório não observou a preferência da população na hora de escolher seus candidatos, mas, sim, como o sistema político vem operando no país.

“Quando a gente olha para o sistema político brasileiro vê que a maior parte dos recursos são para homens brancos de alta renda. Basicamente, o sistema político está refletindo a desigualdade que opera no Brasil”, afirma o coordenador da pesquisa.

2022: ano de eleições e de novos desafios

Em um município de colonização predominantemente germânica e com pouco mais do que 30 mil habitantes, a primeira mulher eleita como prefeita de Dois Irmãos foi Tânia Silva, do MDB, em 2012. Tânia não ocupou apenas o maior cargo executivo da cidade, como um lugar histórico sendo a única prefeita negra eleita na região Sul e uma das dez mulheres pretas à frente das prefeituras espalhadas pelo país.

Tânia Terezinha da Silva, ex-prefeita de Dois Irmãos e atual pré-candidata a deputada estadual pelo MDB. (Foto: Flávia Rodrigues / Assessoria de Imprensa)

Agora como pré-candidata à deputada estadual pelo partido, Tânia vê que a política está relacionada à forma como as pessoas vão utilizar estes espaços enquanto agentes políticos. E complementa: “a diversidade de gênero, raça, status social no processo de decisão proporciona uma maior representatividade nas políticas públicas, respeitando as individualidades”.

"É importante que mais pessoas despertem para participar dos processos decisórios, a fim de que possam enriquecer ainda mais os debates e a construção política como um todo”, afirma.

Alice Carvalho foi a candidata mais votada na disputa à Câmara de Vereadores de Santa Maria em 2020, mas a sigla não atingiu o quociente eleitoral. Ela recebeu 3.371 votos — 685 a mais do que o segundo vereador mais votado da cidade, Alexandre Vargas (Republicanos), que se reelegeu.

Alice Carvalho é pré-candidata à deputada estadual pelo PSOL. Em 2018, foi sua primeira campanha para o legislativo gaúcho. (Foto: Hugo Scotte / Divulgação)

Para a PSOLista, os movimentos que têm sido feitos são importantes. Ela conta que as candidaturas negras vêm ganhando força desde a eleição de 2018 e que isso vem se refletindo na forma como a os negros percebem sua importância na política.

“Com toda a certeza, a nossa maior conquista foi ver mulheres negras chegarem em nossa campanha e falar que se sentiam representadas e que acreditavam que agora podem fazer política independentemente do lugar que estão”.

Aos 26 anos, Alice é pré-candidata à deputada estadual pela segunda vez, e vê, nesse momento, uma oportunidade de ser a primeira mulher negra a ocupar uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

“Isso tem um impacto muito grande nas nossas vidas, afinal, quanto mais mulheres negras na política, mais políticas para mulheres negras. Gosto de falar sobre a representatividade, mas essa candidatura precisa ter conteúdo, alinhado aos movimentos antirracistas e feministas que a gente constrói”, reflete.

O principal foco do estudo apresentado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper está nas desigualdades raciais, mas a inclusão do gênero nas discussões em cima do tema foi importante para compreender a dimensão da representação política. Embora mulheres negras e brancas sofram discriminações, são as mulheres negras que seguem em desvantagem durante o processo eleitoral.

“Assustou bastante o gap dos recursos investidos nas candidaturas das mulheres negras. É muito grande se comparar com o do homem branco. Mas, com o do homem negro e a mulher branca, a quantidade de recursos se aproxima. Para as mulheres negras, a quantidade de recursos é muito inferior”, diz o coordenador do estudo, Michael França.

Uma jornada invisibilizada

Com uma inclinação para a política, o pré-candidato a deputado estadual pelo Cidadania Jota vem construindo uma representação desde muito cedo. Da liderança de turma ao grêmio estudantil, passando por orador de turma e a líder de gincana em Porto Alegre, seguiu caminhos onde enxergou a possibilidade de representar pessoas.

Jota sempre acreditou que seria uma pessoa na política levando a questão racial como pauta, fato que contribuiu para sua aproximação aos partidos de esquerda. Mas, em 2017, ao entrar em debates sobre políticas públicas, descobriu um novo caminho.

“Sempre tive um viés social, porém mais prático. Começaram a me chamar de liberal e eu fui estudar liberalismo para saber que eu não era um cara liberal, mas acabei simpatizando”, conta.

Pré-candidato pelo Cidadania, Jota deverá concorrer em sua primeira disputa eleitoral em 2022. (Foto: Arquivo pessoal / Divulgação)

Para as eleições deste ano, Jota recebeu o convite de outros partidos, mas, segundo ele, todos procuravam um possível candidato com discursos mais racializados. Ele conta: “não tive interesse em ser um cara negro de direita, porque eu sei que isso me colocaria numa zona de confronto com negros à esquerda e eu nunca quis rivalizar com negros sendo uma figura pública. Quando surgiu a oportunidade de um diretório estadual com uma candidatura ligada à questão ambiental, eu aceitei o desafio e me tornei pré-candidato.”

Por mais decisivo que o período de uma campanha política seja, para a pré-candidata Alice é uma oportunidade de conversar com as pessoas, de fortalecer seus projetos e de se fortalecer ao lado de outras mulheres negras.

Ela, entretanto, ressalta a importância e a necessidade de ocupar espaços para defender, dar visibilidade e mais segurança para mulheres pretas seguirem sua trajetória. “No Rio Grande do Sul, temos uma história muito ligada à negritude, mas que é pouco debatida e discutida. As pessoas não sabem muito sobre o tema e se colocar na disputa eleitoral também é um pouco sobre isso, né?”, questiona.

Tânia Silva acredita que, neste ano, o desafio seja grande para todos os pré-candidatos, principalmente em virtude do cenário político atual do país que vem deixando as disputas cada vez mais acirradas. Segundo ela, “apesar da política ser um lugar de muitos desafios e oportunidades, é preciso coragem, dedicação e muito trabalho. Nesta nova caminhada busco mais uma oportunidade para legislar e representar as pessoas e os municípios”, afirma.

Para o coordenador do estudo do Inspe, Michael França, a questão racial não estava em seu radar de pesquisas, apenas as temáticas de trabalho e educação. Ao longo do estudo, entendeu o quanto a questão política está inserida e impacta diretamente a vida de cada pessoa.

“Não sei qual vai ser o impacto [do relatório] na vida das pessoas, mas na minha vida teve um grande impacto”, conta.

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