Slow beauty propõe relação menos tóxica com a beleza

Tendência prega a utilização de produtos com composição natural e/ou orgânica

Laura Pavessi
Redação Beta
6 min readOct 24, 2018

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Movimento traz à pauta da beleza o tema da sustentabilidade (Silviarita on Pixabay)

Parabenos, petrolatos, sulfatos, silicones, BHA, BHT, formaldeídos, plásticos, PEGs… A lista é longa. Estas são algumas das substâncias frequentemente encontradas em produtos de higiene e beleza à venda em farmácias e mercados. Liberados no Brasil, parte destes componentes são proibidos em países da Europa e nos Estados Unidos. O motivo é a toxicidade e os riscos que representam para a saúde humana. Alguns contêm ativos cancerígenos, desreguladores hormonais e alto potencial alergênico. Mas a conscientização a respeito do tema tem ganhado ressonância na rede, chamando a atenção para estilos de vida mais ligados à natureza e à responsabilidade social.

Médica dermatologista, Patrícia Silveira tem se tornado uma das autoridades no assunto aqui no Brasil. Através do perfil do Instagram @dermagreen, ela dá dicas e mostra as novidades do mercado nacional em relação à cosmetologia natural, e vê com preocupação a utilização extrema de químicos nas composições dos produtos.

“Costumo dizer que a industrialização não foi muito positiva em se tratando de cosméticos e hábitos de beleza. Se por um lado temos a tecnologia de ativos como a vitamina C em nanosferas, por outro, infelizmente temos uma super exposição química, tanto pela água ‘potável’ e, principalmente, pelos alimentos, quanto pelo uso de produtos de limpeza e de cosméticos todos os dias”, opina Patrícia.

Em entrevista por e-mail a médica avalia que a nova onda de interesse no slow beauty se deve a um envolvimento maior do consumidor com os produtos que utiliza e sua formulação, além da política das marcas. “Já tem mais de uma década que a dermocosmética usa ingredientes de origem natural. Muitas empresas populares não só no Brasil, usam extratos amazônicos em linhas de tratamentos de pele. Porém, agora o consumidor quer informações mais detalhadas do processo de produção, se testa em animais, se usa perfume sintético e conservantes ruins.”

Para muitos adeptos deste movimento, a mudança nas rotinas de cuidados com a pele e consumo de maquiagens é parte da busca por uma vida sustentável. É o caso de Joana Costa, 23, estudante de Design. Moradora de Porto Alegre, ela conta que antes de se interessar pelo slow beauty já havia aderido ao slow fashion (que busca uma relação de consumo de moda mais consciente) e ao veganismo. “Foi tudo uma consequência da outra. Primeiro, resolvi que me importava o sofrimento dos animais e a degradação do meio ambiente pela pecuária. Depois entendi que o consumismo era igualmente ou mais nocivo ao planeta. E então passei a procurar utilizar cosméticos que não testassem em animais, e disso foi um pulo até aprender que a indústria da beleza se utiliza de matérias-primas extremamente perigosas nos produtos que vende como tratamentos”, revela. De cinco meses para cá, ela passou a consumir produtos de beleza de marcas jovens, alinhadas com os seus princípios sustentáveis e que propõem uma relação transparente e próxima do seu público através das redes sociais. “Também troquei o desodorante pelo leite de magnésia, o tônico facial pelo hidrolato e faço minhas próprias máscaras faciais em casa. O melhor de tudo isso é ter segurança daquilo que você está colocando no seu corpo, sabendo que aquele seu momento de cuidado, de autoestima que o skincare proporciona, não vai te prejudicar no futuro e nem estará contribuindo para destruir a natureza. Pelo contrário, você se coloca em contato com ela”.

Substâncias que devem ser evitadas

A dermatologista Patrícia alerta que na formulação dos produtos convencionais existem substâncias que são mais prejudiciais para o meio ambiente, como os silicones, óleo mineral, Petrolatum e outros derivados do petróleo; e outras substâncias que são acumulados ao longo de anos no nosso corpo e agem interferindo em nosso sistema endócrino e/ou neurológico de várias maneiras, nem todas ainda bem conhecidas. “Os mais conhecidos e estudados são os disruptores endócrinos, que geralmente são os conservantes (Parabenos, BHT, Ftalatos e o Phenoxyethanol) que estão envolvidos em autismo, puberdade precoce, infertilidade e câncer. Os estudos avaliam os efeitos destas substâncias isoladamente, mas ainda não sabem da possível interação entre elas”, explica. As consequências para o meio ambiente também já foram evidenciadas por pesquisas. “Alguns estudos em biologia marinha já chamavam a atenção há anos sobre alguns filtros solares químicos e a interferência deles na reprodução de corais, fitoplanctons e algas marinhas. Hoje sabemos que muitos dos ativos existentes nos cosméticos e nos filtros solares, assim como os microplásticos das pastas de dentes e esfoliantes e também os perfumes prejudicam o ecossistema de várias maneiras”.

Por todos esses problemas, o slow beauty tem se colocado como um dos temas mais emergentes no universo da beleza, aparecendo como pauta recorrente em grandes revistas e nos blogs mais importantes sobre o assunto. Mas o movimento vai além da formulação dos produtos. “A opção pelo slow beauty inclui o menor consumo de cosméticos, o uso de refis e produtos em embalagens mais simples, biodegradáveis ou reutilizáveis, e produtos multiuso, onde o mesmo pode ser usado em várias áreas do corpo. Isso acaba causando menos impacto nas finanças e no meio ambiente, evita o desperdício e repensa formas de uso convencionais”, complementa a médica.

E quem tem problemas de pele, pode aderir à cosmetologia natural? “Na dermatologia estética, praticamente não há limitações ou desvantagens em se usar ingredientes naturais. Em algumas doenças de pele, medicamentos específicos como corticóides e imunomoduladores podem ainda não ter substitutos 100% naturais. Mas de um modo geral, acne, pediculose, seborreia e pele seca, já podem ser abordados com produtos naturais manipulados ou não”, diz Patricia.

O slow beauty em economia local

Ao mesmo tempo em que grandes empresas vão se adaptando e criando linhas de produtos com propostas naturais novas marcas nascem a partir de um compromisso com a transparência e com a preservação do meio ambiente. É o caso da Wild Alquimias, de Porto Alegre. Carolina Porcher conta que o empreendimento começou a funcionar em 2016, mas vinha sendo idealizado há mais tempo. “Comecei fazendo cosméticos apenas para o meu uso, mas aí mostrei para alguns amigos que gostaram bastante e resolvi transformar num negócio”, recorda. “Eu sempre tive vontade de empreender, mas queria fazer algo com propósito, que realmente fizesse meus olhos brilharem. E beleza sempre foi uma área que me atrai e conheço bem o mercado. Trabalho com planejamento estratégico para marcas, e por alguns anos estudei esse mercado e consumidores.”

A relação de Carolina com a cosmetologia natural vem de longa data, como revela ao explicar que brincava de fazer máscaras com os ingredientes da cozinha quando era criança. “Sempre tive a pele complicada — alergia, rosácea, dermatite seborreica — e isso fez com que eu tivesse mais interesse em tratar a pele do que esconder com maquiagem. Se a pele não está boa, a maquiagem também não vai ficar legal. Por ter uma pele tão complicada, acabava testando muitos produtos e com o tempo aprendi a ler fórmulas, identificar o que não me fazia bem e o que minha pele amava. Até que um dia cheguei nos cosméticos naturais, que funcionam muito bem pra mim”, pontua.

Para formular produtos, o caminho não é tão fácil. “Aprendi a fazer cosméticos replicando receitas, que às vezes funcionavam e outras vezes não. Mas o mais legal mesmo é poder criar, só que pra isso precisa começar testando receitas existentes e estudando muito os ingredientes, para então depois poder se aventurar na criação de fórmulas”, diz Carolina. “Para os bálsamos labiais eu pensei que precisava fazer algo que fosse extremamente hidratante, recuperasse os lábios mais prejudicados e não deixasse um aspecto brilhoso. Foram vários testes até encontrar os ingredientes certos e chegar na proporção ideal. Para o óleo facial, queria que ele fosse incrível pra pele seca e sensível, mas também funcionasse bem em pele mista ou oleosa, e conciliar isso é um grande desafio. Também queria que ele funcionasse tanto para hidratar e nutrir a pele quanto para remover a maquiagem. Também foi necessária muita pesquisa e testes até chegar no desejado.”

Além destes produtos, ela acaba de lançar uma gama de óleos corporais para comemorar seus 2 anos de existência da marca. “Estou sempre criando e testando novas fórmulas, mas como além da Wild tenho um emprego em agência de publicidade, tenho pouco tempo para dedicar a isso, o que torna meus processos bem lentos. Só que por outro lado, quando lanço um produto tenho a total segurança de que atingi o meu objetivo. Passos lentos, mas firmes.”

Para experimentar: além da Wild apresentada acima, a dermatologista Patricia Silveira recomenda outros nomes para descobrir o slow beauty. “No Brasil temos marcas consagradas de cosméticos naturais como a Arte dos Aromas, Almanati, Bioart, Cativa Natureza, LiveAloe e mais recentes a Souvie e a Baims.”

Só cuidado com o greenwashing, ou seja, empresas que posam como sustentáveis quando na realidade continuam poluindo o meio ambiente.

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