Slow Food: alimentação que transforma

Movimento visa resgatar as relações com a terra e fomentar práticas naturais

Aline Santos
Redação Beta
8 min readSep 11, 2018

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Alimentos de produtores em Teutônia (Foto: Arquivo pessoal)

O hábito alimentar ocorre paralelamente à história do ser humano. Os banquetes eram considerados como celebrações de grandes vitórias e ocasiões especiais, em que os clãs se reuniam em torno da mesa. Com a industrialização dos alimentos, a naturalidade foi perdendo espaço para corantes e conservantes, além da grande quantidade de agrotóxicos aplicada nas lavouras. Nesse cenário surge, em 1986, na Itália, o movimento Slow Food, fundado pelo jornalista italiano Carlo Petrini, que em 1989 transforma o movimento em uma ONG sem fins lucrativos. O movimento visa restabelecer o olhar sobre a cadeia produtiva, valorizando os produtores, a qualidade do alimento natural, o ambiente e a sustentabilidade.

Slow Food Brasil

Vários países apresentam ações do movimento. Um deles é o Brasil, que conta com o site Slow Food Brasil. A plataforma é composta por conteúdos informativos sobre a temática e por um mapeamento do território nacional em que o movimento está presente. Um dos tópicos do site, intitulado “Convívios”, aponta os locais que oferecem ao público a experiência Slow Food, tanto pela venda de produtos naturais, orgânicos e frutas da época, como por momentos em torno da mesa com cafés da manhã, almoços e jantares. Segundo informações do site oficial, atualmente existem 65 “convívios” no Brasil, sendo oito deles no Rio Grande do Sul, localizados na na Serra Gaúcha e na capital (confira no final da matéria a lista dos convívios no RS e contatos).

“A dimensão terapêutica do plantar”

Michele Valent com uma de suas produções gastronômicas (Foto: Arquivo pessoal)

Para a médica psiquiatra e professora de gastronomia em Teutônia, Michele Valent, 40, a cultura alimentar abrange uma esfera afetiva, que resgata as raízes familiares e une as pessoas. Ela afirma que plantar e colher é tão importante quanto viajar e estudar. “Comer é uma celebração, um gesto de entendimento humano, que se deve encarar com sacralidade e amor. O alimento é uma dádiva da terra e das pessoas que trabalham duramente para produzi-lo. Nossa mesa e nossa horta devem alimentar o máximo de pessoas possível, porque a humanidade se constrói com mesas fartas e não com cercas altas”, relata. Michele considera as práticas dos antepassados como patrimônios culturais de valor imensurável.

Alimentos frescos são um dos focos do Slow Food (Foto: Arquivo pessoal)

A psiquiatra explica que sua aproximação com o Slow Food começou em 2010, durante sua formação em gastronomia. Nesse período, ela se tornou associada ao movimento. Michele destaca que, a partir desse novo conceito, os indivíduos se relacionam com a alimentação de forma mais autônoma e responsável. Ela cita o “locavorismo”, costume que valoriza a produção local de alimentos em um raio de 100 km, como uma prática importante no movimento e também o cultivo de alimentos em casa, experienciando sua essência e naturalidade. “Para o Slow Food, a comida precisa ser boa, limpa e justa. Deve ter a qualidade sensorial mais alta, ser produzida de forma que não polua o ambiente e que remunere com justiça as comunidades de produtores”, afirma. A psiquiatra também enfatiza que o alimento deve ser livre de espetacularização, não servir como objeto de culto a um chefe de cozinha e não promover elitismo. “Todos têm direito de comer bem”, salienta.

Michele (à esquerda) em uma das aulas do projeto Gastroterapia (Foto: Arquivo pessoal)

Michele também é idealizadora do projeto Gastroterapia, uma iniciativa engajada com a cultura Slow Food, que há oito anos supre a demanda de um público que busca por aulas de culinária. Entretanto, o projeto engloba muito mais, no sentido de oferecer aulas temáticas, conceitos de segurança alimentar, compostagem de resíduos e parcerias com setores da sociedade. “Em todas as intervenções, destacamos a dimensão terapêutica do plantar, do cozinhar e do comer em conjunto, recorrendo a conceitos da horticultura terapêutica e da psiquiatria positiva, bem como aos ideais filosóficos do epicurismo (sistema filosófico que aborda a busca pela satisfação moderada)”. A psiquiatra percebeu que o projeto gerou uma série de ramificações positivas. A partir da iniciativa, os alunos começaram a investir em hortas domésticas; a estabelecer trocas de conhecimento; a realizar compras coletivas e demais atividades que rendem bons frutos.

Resgate à ancestralidade

Betina é idealizadora do projeto Cucina in Prosa (Foto: Arquivo pessoal)

A médica psiquiatra Betina Mariante, 42, acredita que o Slow Food resgata a ancestralidade e fomenta a coletividade nos setores locais. “Há a valorização do contato entre as pessoas e o estímulo através da interação positiva entre os participantes de uma coletividade, como esse aspecto dos produtores, dos fornecedores, de toda a cadeia envolvida em um circuito positivo. Tudo isso não é novo. É o resgate de valores ancestrais, que tinham na natureza, nos ritmos da natureza, sua principal bússola”, explica.

O colorido e a variedade de ingredientes trazem vida à mesa (Foto: Arquivo pessoal)

O primeiro contato de Betina com o Slow Food ocorreu na Itália, em 2004, durante um estágio médico. Contudo, somente a partir de 2017 a psiquiatra se aprofundou no tema e deu início ao projeto de gastronomia e educação sensorial, o Cucina in Prosa. O projeto leva adiante a aplicação de um conceito similar, a Lentezza, que expande a lógica Slow Food para além da alimentação, mas para a vida, proporcionando experiências em que o indivíduo se torna mais atento às vivência. A Lentezza não significa ser lento, mas estar mais ligado aos momentos cotidianos e ao cenário.

Uma verdadeira aula de sabor (Foto: Arquivo pessoal)

Nas dinâmicas do Cucina in Prosa são debatidos textos gastronômicos, conceitos de Slow Food e Lentezza, e os participantes ainda degustam quitutes da mesa escrevendo logo após sobre as suas sensações. “O Cucina in Prosa é um projeto de educação para a percepção sensorial dos integrantes. Acontece que a ferramenta é a escrita. É através dela que se dá essa educação. Escrevendo sobre gastronomia há quase sete anos, no blog, e tendo publicado o meu livro-caderno ‘Pequeno Alfarrábio de Acepipes e Doçuras’, meu contato com a escrita do tema me fez compreender como a prática de escrever sobre o fazer culinário e sobre o saborear aumenta nossa capacidade de perceber nossos sentidos de forma aguçada”, ressalta Betina. Os resultados são de descontração e encorajamento na escrita dos alunos.

Nas aulas os alunos ganham cadernetas personalizadas por uma artista plástica (Foto: Arquivo pessoal)

Com intuito de vivenciar mais a fundo o movimento Slow Food, Betina tem a intenção de ingressar como membro do convívio Primeira Colônia Italiana, em Garibaldi, para aprimorar conhecimentos sobre as práticas.

Alimentação e ativismo

A jornalista Ana Carolina é ativista do movimento Slow Food, na Serra Gaúcha (Foto: Arquivo pessoal)

A jornalista e integrante do convívio Primeira Colônia Italiana de Garibaldi, Ana Carolina Azevedo, 32, percebe o Slow Food como um pilar de ativismo e conscientização, capaz de transformar a realidade através de suas práticas. “É um efeito dominó: o que está dentro do prato interfere nas condições do meio ambiente, na biodiversidade, nas tradições e na economia. Para o movimento, as relações entre uma refeição e o planeta são indissociáveis. Inverter a lógica fast food implica em retomar o prazer da alimentação, mas com consciência e responsabilidade. No contexto do Slow Food, todo consumidor é um coprodutor dos seus alimentos e tem o poder de estabelecer laços com os fornecedores, encurtando a distância entre o alimento e o prato”, manifesta a jornalista.

Representantes dos convívios Pérola das Colônias e Primeira Colônia Italiana (Foto: Arquivo pessoal)

Ana destaca que o Slow Food trouxe mudanças significativas para sua vida no ato da alimentação e em outros aspectos. Hoje, ela diz que prefere ‘comida de verdade’, seja em casa com a família ou na escolha de restaurantes locais. “Nossas escolhas à mesa têm um impacto que vai muito além dela. Existe todo um impacto social, cultural e econômico. Enquanto o consumidor está ocupado escolhendo onde jantar no fim de semana, numa outra ponta da cadeia existe o desperdício e a degradação ambiental, ações contrárias aos movimentos de resgate da comida real e das produções locais”, afirma a jornalista. Ela se compromete em não se esquivar de sua responsabilidade enquanto disseminadora de conteúdos, pois abraçou a causa e inseriu o Slow Food como parte de sua agenda diária.

Ana Carolina aprecia comida natural e nutritiva (Foto: Arquivo pessoal)

Um projeto desenvolvido em 2013 por Ana e que segue até hoje é o blog Culinarismo, em que apresenta roteiros gastronômicos da Serra Gaúcha e propaga o movimento Slow Food. Ela já fez visitas à Itália em busca de boas histórias e conhecimento acerca das iniciativas de lá. Ana aponta que o conteúdo do blog foi se reformulando com o tempo por conta de seu envolvimento com o Slow Food. Nesse sentido, a ideia do conteúdo é proporcionar reflexões aos leitores com uma perspectiva jornalística e narrativa sensorial.

Conforme a jornalista, o convívio Primeira Colônia fomenta atividades relacionadas à filosofia do movimento trabalhando com mesas redondas, hortas escolares, educação para o gosto e a troca de experiências entre produtores, cozinheiros e consumidores. Ainda no mês de setembro, Ana e outros três integrantes do convívio participarão de um evento mundial de Slow Food que acontecerá em Turin, na Itália.

Membros da equipe do Primeira Colônia (Foto: Arquivo pessoal)

Confira abaixo os convívios do Rio Grande do Sul com endereços e telefones de contato:

Binacional Santana do Livramento Rivera — Santana do Livramento (RS)
Líder:
Maria Luisa de Leonardis dos Santos e Liliane Furtado da Silva
(55) 3241 4831 | (55) 99923 6402
binacional@slowfoodbrasil.com
graffitae@gmail.com | likafurtado@yahoo.com.br
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Colônia Villanova — Porto Alegre (RS)
Líder:
Maria Luisa Tagliaro
(51) 3261 8470
coloniavillanova@slowfoodbrasil.com
marialuisa@coloniavillanova.com.br

Pérola das Colônias — Caxias do Sul (RS)
Líder:
Vanessa Demori
(54) 9103 8865
peroladascolonias@slowfoodbrasil.com
vanessa@merceretto.com.br
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Porto Alegre — Sul-Porto Alegre (RS)
Líder:
João Pedro Fraga Bassan
(51) 9242 4808
sul.portoalegre@slowfoodbrasil.com
joaopedrof.b@outlook.com
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Primeira Colônia da Imigração Italiana — Bento Gonçalves, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira, Carlos Barbosa (RS)
Líder:
Ivane Maria Remus Fàvero
(54) 3462 8235
primeiracolonia@slowfoodbrasil.com
ivanefa@gmail.com
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Produtos da Terra — Porto Alegre (RS)
Líder:
Júlia Coelho
produtosdaterra@slowfoodbrasil.com
juliadrabbit@yahoo.com.br
(51) 98423 2653

Serra Gaúcha — Canela (RS)
Líder:
Daniel Castelli
(54) 9919 3694
serragaucha@slowfoodbrasil.com
daniel.castelli77@gmail.com
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Terra Vino — Bento Gonçalves (RS)
Líder:
Edgar Luis Giordani
(54) 9922 4531
terravino@slowfoodbrasil.com
edgiordani@hotmail.com
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Aline Santos
Redação Beta

Jornalista, escritora, criativa, mediadora de experiências gastronômicas e afins.