Somente 17% dos adolescentes aptos a votar tiraram o título de eleitor

Baixa adesão da faixa etária entre 16 e 17 anos à oportunidade de participar das eleições preocupa especialistas

Mariana Necchi
Redação Beta
5 min readApr 7, 2022

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Até fevereiro, engajamento foi o mais baixo desde a redemocratização do Brasil. (Foto: TSE/Divulgação)

Em 2 de março de 1988, as galerias do Congresso ecoavam em alto e bom som: “Chegou a nossa vez, voto aos 16!”. Na Assembleia Constituinte, centenas de jovens presentes celebravam a conquista do direito de participar ativamente das eleições após as duas décadas de ditadura militar no Brasil.

Com movimentações articuladas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e União da Juventude Socialista (UJS), a emenda de autoria do então deputado constituinte Hermes Zaneti (PMDB-RS) obteve 355 votos a favor, 98 contrários e 38 abstenções. Em outubro daquele ano, a partir da publicação da Constituição Federal, o voto facultativo para adolescentes entre 16 e 17 anos foi estabelecido no Art. 14 — juntamente com a obrigatoriedade para maiores de 18 anos e a escolha facultativa para analfabetos e maiores de 70 anos.

Após três décadas da conquista, o engajamento dessa faixa etária até fevereiro de 2022 era o mais baixo já registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): havia 834 mil jovens com o documento. Na última eleição geral, em 2018, até o mesmo mês, mais de 1,4 milhão estavam aptos a votar.

Durante o mês de março, o TSE promoveu, entre os dias 14 e 18, a Semana do Jovem Eleitor e organizou uma movimentação no Twitter que atingiu 88 milhões de menções na rede social — que incluiu a mobilização de artistas como Anitta, Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Zeca Pagodinho, Juliette e, até mesmo, o ator estadunidense Mark Ruffalo. A divulgação teve efeito positivo, e o TSE registrou 216.188 novos títulos eleitorais do público entre 16 e 17 anos, um crescimento de 28%.

Com isso, atualmente, são 1.051.184 jovens aptos a participar das eleições em outubro. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a totalidade da população brasileira dessa faixa etária está estimada em 6.131.971 — e o número de adolescentes com título de eleitor, até agora, representa apenas 17% do total de habilitados para obter o documento. Em março de 2018, esse percentual era de 27%.

Desconfiança das instituições e falta de representatividade

“Os jovens de hoje não acreditam na democracia, porque ela não entrega o que promete. É por isso que as gerações mais jovens não conseguem acreditar que é justamente a democracia que vai garantir uma nação com justiça social.” Essa é a avaliação feita por Hermes Zaneti, ex-deputado federal constituinte de 1988, mestre em Ciências Políticas, advogado e professor, sobre a baixa adesão ao título eleitoral antes dos 18 anos.

“Depois de assumir os cargos, os políticos não parecem ter um compromisso com a população que os elegeu. Os interesses são focados nas corporações, nos grandes conglomerados econômicos que agem somente para o sistema financeiro do nosso país. Isso causa um afastamento e desinteresse nas pessoas em geral, mas principalmente nos mais jovens”, afirma Hermes Zaneti.

Para Hermes Zaneti, jovens precisam se mobilizar e pressionar as instituições tradicionais para abrir espaços de representatividade e diálogo. (Imagem: Reprodução/Google Meet)

Com uma longa trajetória política, Zaneti se destaca pelo título de autor da proposta que garantiu o direito ao voto para a faixa etária entre 16 e 17 anos no período de redemocratização do Brasil. Ele conta que o projeto surgiu através de debates e discussões para combater os regimes ditatoriais que avançavam pela América do Sul: “Na época, comecei a defender a ideia de que poderíamos, e sempre devemos, estabelecer uma conexão forte a partir do diálogo com a juventude. Não exatamente partidária, mas política”, explica. “A constituição naquele período permitia que uma criança de 12 anos trabalhasse. Então por que um jovem de 16 anos não poderia votar?”, questiona.

“Ao meu ver, a juventude atual está abdicando da sua condição revolucionária. São eles que devem assumir o papel de protagonistas para mudar a cara do nosso país, e é nisso que eu sempre apostei e sempre vou apostar”, ressalta Zaneti.

Sirlei Gedoz, professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), avalia que o cenário é formado por contrastes. “Por um lado, temos movimentos e associações que envolvem todas as áreas de ações coletivas. Por outro, quando temos um longo período democrático, como é o nosso atual, a tendência é de diminuição da participação eleitoral”, declara.

Outro ponto destacado por Sirlei é a falta de identificação partidária com os jovens e os movimentos sociais atuais. “Há um fracionamento de lutas, o que é algo muito necessário e importante e, ao mesmo tempo, acaba proporcionando rupturas”, manifesta.

Para ela, os partidos políticos não canalizaram as pautas progressistas de uma forma consolidada: “Hoje estão aí as lutas das mulheres, lutas de gênero, lutas de movimentos negros. Essa energia e potencialidade não estão permeando diretamente os partidos, então não se torna uma viabilidade de representatividade”.

Adolescentes criticam divulgação e burocracia

Aos 15 anos, Láurea Venturella ainda não fez o título de eleitor. “Achei que fosse só para quem tivesse 16 anos completos”, explica. Adolescentes que completam 16 anos até a data da eleição (2 de outubro) têm o direito de formalizar o título eleitoral — a regra teve seu início em 1994, com a estudante Renata Cristina Gomes, então com 15 anos, que solicitou que o TSE revisse o entendimento sobre as delimitações. “Acredito que seja um problema de divulgação, porque muitos dos meus amigos da minha idade também não sabiam”, pontua Láurea, estudante do 1º ano do ensino médio que completa 16 anos em julho.

“Ainda não tive tempo para fazer o título”, diz Andriely Pereira, de 17 anos. Para a estudante do 3º ano, a burocracia para a documentação é extensa e afasta os jovens. “Tem que tirar muitas fotos, comprovar cada uma delas... Bate uma preguiça”, admite. Entretanto, Andriely reconhece a importância da participação nas eleições: “É o nosso futuro que está em jogo, então temos que ter responsabilidade para escolher os candidatos”, frisa.

Adolescentes dividem opiniões sobre o título de eleitor. (Foto: TSE/Divulgação)

Como solicitar o título de eleitor

A emissão do título eleitoral pode ser feita de duas formas: on-line e presencialmente. Quem quiser fazer pessoalmente precisa de agendamento prévio no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS). Depois, além do passaporte de vacinação contra a Covid-19 para entrar no prédio, basta levar carteira de identidade e comprovante de endereço.

Para emitir de forma on-line, o acesso é pelo sistema TítuloNet. Selecione a opção “não tenho” na guia “título de eleitor” e preencha todos os campos indicados com dados pessoais. Além dessas informações, é preciso anexar quatro fotografias ao requerimento para comprovação da identidade e residência. O pedido de emissão do documento pode ser acompanhado na guia “acompanhar requerimento”.

O prazo para a emissão do título de eleitor vai até o dia 4 de maio.

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