Supremo Tribunal Federal derruba prisão após decisão em segunda instância. Entenda os desdobramentos

STF votou tema em vigor desde 2016 e tomou decisão com placar mínimo. Decisão poderá beneficiar Lula e outros 5 mil presos

Victória Lima
Redação Beta
5 min readNov 8, 2019

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Foram quatro sessões plenárias de votação, que acontecem desde 17 de outubro. (Foto: Rosinei Coutinho / STF)

Na noite desta quinta-feira, 7, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento sobre execução de pena após segunda instância, decidindo por derrubar a decisão. Com o placar empatado em cinco votos, ficou para o presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli, desempatar a votação a favor do fim da medida. O tema foi discutido durante cinco sessões da corte e causou reação imediata após a decisão.

Votaram com o relator, e contra o fim da prisão em segunda instância, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin, que deu o primeiro voto. O novo entendimento do Supremo Tribunal Federal foi definido com o apoio dos ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli — que deu o voto de minerva.

Lenda urbana

No momento, 4.895 réus estão detidos após o julgamento em segunda instância e podem ser beneficiados com a decisão — entre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 2018 em uma cela especial da carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.

No entanto, o jurista Lênio Streck afirma que presos perigosos não serão soltos da noite para o dia. Cada réu precisa entrar com sua ação, que será analisada de forma individual. “Foi criada uma lenda urbana de que, a partir de agora, todos estarão livres. Isso não é verdade”, diz.

A possibilidade de execução de pena após a segunda instância foi decidida pelo Supremo em 2016. Todavia, o tema já era discutido desde 2009. “De lá para cá, houve uma reinterpretação do assunto e se passou a condenar a segunda instância — o que torna a Justiça mais célere, mas vai contra o preceito constitucional”, analisa o cientista político Bruno Rocha.

Ele faz referência a dois artigos da Constituição Federal que basearam a reversão do entendimento da Corte Superior sobre o tema: os artigos 5º (sobre presunção de inocência) e 8º (Convenção Americana de Direitos Humanos).

A soltura de Lula

Desde o início da votação, a expectativa maior sobre a decisão era voltada para a possibilidade de Lula ser solto. O político foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso triplex do Guarujá, em um caso julgado pelo então juiz Sérgio Moro. Desde abril de 2018, Lula cumpre pena em Curitiba.

A defesa do ex-presidente divulgou nota (confira o texto na íntegra no final da reportagem) assegurando que entrará com pedido para que ele possa responder em liberdade até o último recurso. O texto dos advogados Cristiano Zanin e Valeska Martins afirma que Lula foi vítima de perseguição política.

Segundo informações do jornal O Estado de S.Paulo, desde quarta-feira(6), dirigentes do PT acompanham o julgamento do Supremo. A expectativa é que a liberdade possa ser concedida ainda hoje (8).

O que pode acontecer

Ainda que a defesa do ex-presidente entre com recurso solicitando a liberdade do réu, o Ministério Público Federal pode contestar o pedido. Se o órgão entender que Lula oferece algum risco à investigação, ao processo ou a testemunhas, pode entrar com pedido de medida cautelar ou prisão preventiva de Lula.

Na avaliação de Lenio Streck, Lula não é considerado um perigo e tem condições de esperar em liberdade o esgotamento de seus recursos.

Se concedida sua liberdade, o ex-presidente terá poderá participar de atos políticos e viajar pelo Brasil. No entanto, por conta de suas condenações judiciais, perde o direito de concorrer a cargos públicos pela Lei da Ficha Limpa.

A repercussão da decisão

Divulgado o resultado da votação no STF, a reação nas redes sociais foi imediata. O termo “Lula” ficou em 1º lugar nos assuntos mais comentados do Twitter e a hashtag #STFVergonhaNacional chegou ao 4º lugar no ranking, trazendo a tona a polarização política que vive o Brasil.

“A sociedade civil brasileira está muito fragmentada, seja pelas redes da extrema-direita, em especial as redes bolsonaristas, seja por todo esse clamor de condenação imediata da Lava Jato, e também pelas redes sociais que jogam para a esquerda”, avalia Bruno Lima Rocha. Ele ainda chama atenção para um possível aumento da polarização após o julgamento do STF.

Segundo o cientista político, a situação também pode ser agravada a partir da soltura do ex-presidente Lula. “Uma vez que a lisura do seu julgamento seja questionada, que é o mais importante, o país automaticamente entrará num nível de tensão muito maior”, crava.

Lava Jato

A operação responsável pela condenação do ex-presidente Lula vem sendo contestada desde junho deste ano. O motivo é a divulgação de mensagens entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato e membros do Judiciário, feita pelo The Intercept Brasil. Os textos revelados levantam suspeita para o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, que teria beneficiado a acusação de Lula durante o processo de julgamento do ex-presidente em 2018.

Os episódios que seguirão após a decisão do STF devem agravar ainda mais o descrédito da Lava Jato. Rocha explica que as condenações aceleradas da operação poderão retroceder para primeira instância ou não terão mais validade. “Efetivamente, essa decisão recoloca o país de ponta cabeça”, alerta.

*NOTA DA DEFESA DO EX-PRESIDENTE LULA

O julgamento das ADCs concluído hoje (07/11/19) pelo STF reforça que o ex-presidente Lula está preso há 579 dias injustamente e de forma incompatível com a lei (CPP, art. 283) e com a Constituição da República (CF/88, art. 5º, LVII), como sempre dissemos.

Após conversa com Lula nesta sexta-feira levaremos ao juízo da execução um pedido para que haja sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF, além de reiterarmos o pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades.

Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima de “lawfare”, que, no caso do ex-presidente, consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política.

Cristiano Zanin Martins/Valeska T. Martins

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