Streaming de games: a indústria transformada pelas mulheres

Conheça mulheres que estão lutando por um cenário cada vez mais inclusivo no mundo gamer

Matheus Ramos
Redação Beta
7 min readSep 13, 2021

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Jogos eletrônicos nunca receberam tanta atenção como nos últimos tempos. O streaming de games — termo usado para a transmissão de jogos online — vem alcançando números gigantescos, potencializando ainda mais a indústria de jogos e de entretenimento nas plataformas YouTube, Twitch e CubeTV.

Apesar dos dados divulgados pela Pesquisa Gamer apontarem que 51,5% do público gamer no Brasil é composto por mulheres, o universo dos jogos ainda é masculino e carregado de machismo e discriminação.

Conheça a trajetória de três streamers que estão transformando a indústria. Duas delas são porto-alegrenses. Confira.

A presença feminina na narração de campeonatos

Pâmela Gonçalves, streamer do grupo Manaus FC (Foto: Arquivo Pessoal/Pâmela Gonçalves)

Natural de Manaus, Pâmela Gonçalves, de 22 anos, teve o primeiro contato com jogos eletrônicos ainda na infância. “Foi aos 9 anos, logo quando comecei a frequentar lan houses com meus amigos. Jogava muito Counter Strike”, relembra. A virada de chave para conhecer novos jogos aconteceu algum tempo depois, com o notebook que ganhou de presente de seu pai. “Por indicação de um amigo, primeiro instalei Point Blank. Foi nesse momento que a minha paixão por games começou”, diz.

Counter Strike e Point Blank — ambos jogos de tiro em primeira pessoa — foram responsáveis por apresentar o mundo dos games à Pâmela, mas foi com League of Legends (LoL) que ela abriu os horizontes: “Foi a primeira vez que joguei o gênero MOBA [jogos de estratégia em tempo real], então foi um desafio me acostumar com as mecânicas diferentes. Com esse jogo conheci pessoas que vieram a se tornar amigos próximos”, sublinha. Em 2019, se tornou integrante de um grupo de jogadores chamado Black Snakes (BS).

Com o passar dos anos, Pâmela se dedicou a jogar somente por diversão pessoal e com os amigos. Paralelamente, acompanhava alguns streamers em transmissões, como Nyvi Estephan e Gabriel Bohm, e isso logo despertou seu interesse: “Fiquei atraída pelo grande entretenimento presente nas gameplays e interação ativa com o público. Já fiquei me imaginando fazer isso, e coloquei como objetivo”, conta. Apesar da vontade, ainda se sentia insegura para começar a carreira na área.

O incentivo que tanto precisava para vencer a insegurança não demorou para acontecer: O grupo formado por meninas que jogavam League of Legends convidou Pâmela para realizar transmissões das gameplays, e ela decidiu abraçar a oportunidade. Porém, logo apareceu um novo obstáculo: “Meu computador não tinha o nível de processamento necessário, então minhas lives travavam muito. E isso impossibilitava demais o trabalho, já que é preciso ter uma transmissão estável para esse tipo de atividade”, explica. Sem condições financeiras para comprar um PC gamer — computador formatado com sistemas estruturados exclusivamente para a execução de jogos — , Pâmela levou um ano até juntar dinheiro para fazer a aquisição. “Foi com um computador melhor que dei um passo adiante nas transmissões. Tive que ‘meter’ a cara, mas só consegui fazer isso pelo empurrão dado pelo grupo de meninas”, destaca a importância do apoio recebido.

A carreira como streamer começou em janeiro de 2021, e apenas um mês depois já estava narrando e transmitindo um campeonato de League of Legends em seu canal na Twitch, que embora não fosse considerado profissional de forma oficial, acabou gerando uma repercussão tão grande que fez com que a segunda edição já contasse com patrocinadores. Essa programação durou aproximadamente 8 horas, fazendo com que Pâmela precisasse realizar um esforço considerável para proporcionar um conteúdo de qualidade para o público. “Na época foi um desafio entrar para narração, porque estava mais focada em jogar. Foi uma experiência muito gratificante, ainda mais pela reação do público. Recebi muitos elogios, e isso foi uma forma de incentivo para continuar fazendo o meu trabalho”, expressa. “A melhor parte não é só estar narrando ou mostrando gameplays, mas também é proporcionar um ambiente divertido e de interação com os espectadores”, conta. Após a recepção positiva, Pâmela narrou diversos eventos e, também, criou campeonatos exclusivos para o seu canal.

Desde abril de 2021 é integrante do time profissional de League of Legends do Manaus FC — originalmente um time de futebol, que também tem um núcleo dedicado para o segmento de e-sports. Nesse grupo, Pâmela organiza e narra campeonatos de Wild Rift, também conhecido como LoL mobile por ser tratar da versão adaptada para celulares. “O jogo tradicional é para computadores, mas surgiram muitos novos jogadores depois que ganhou uma versão para dispositivo móvel. O público tem respondido muito bem a essas novas competições”, afirma. As partidas ocorrem toda quarta-feira, na Twitch.

Além de jogar profissionalmente, Pâmela também é professora de matemática para alunos do fundamental e ensino médio. “Gosto muito de ensinar e compartilhar conhecimento, e é interessante ter atividades paralelas ao universo gamer”, relata. Para se dividir entre as profissões, a rotina da manauara é corrida: “Às vezes saio da escola que dou aula às 19h, e às 20h30 já tenho que começar uma live. É cansativo, mas não reclamo”, ressalta. Ela também conta que os alunos se empolgam quando descobrem que ela é gamer.

O compartilhamento de conhecimento no streaming

Pam Snow, streamer de Porto Alegre (Foto: Arquivo Pessoal/Pâmella Sanchez)

A porto-alegrense Pâmella Studzinski Sanchez, conhecida pelo nickname Pam Snow, de 31 anos, conta que os games sempre se fizeram presentes em sua vida. “Desde muito pequena jogava videogame com meus primos. Ganhei um Super Nintendo do meu pai quando tinha 4 anos, aí tudo começou”, recorda.

Na época não recebeu apoio de sua mãe, que dizia que “jogar era coisa de menino”. A falta de incentivo materno e os preços elevados dos consoles fizeram com que ela não tivesse sido mais presenteada durante a infância e adolescência com coisas relacionadas a jogos eletrônicos. Já adulta, ao iniciar a graduação em química e obter um estágio no laboratório da universidade, conseguiu investir em jogos e equipamentos por conta própria. “Nunca mais parei com isso, agora estou sempre comprando coisas para melhorar”, diz.

A ideia de se tornar streamer se manifestou naturalmente: “Uma amiga fazia stream de The Last of Us, eu adorava acompanhar e até fui visitar ela para jogarmos juntas em live. Ela começou a me incentivar, e acabou acontecendo”, explica. Pam começou a fazer suas próprias transmissões somente por hobby, sem pensar em se tornar profissional. “Percebi uma vontade de me profissionalizar, então fui criando conteúdos mais centralizados”, afirma.

Pam menciona que inicialmente poucas pessoas consumiam de fato o seu conteúdo, mas, que com persistência e constância, foi gradualmente conquistando seguidores. “Eles comentam, compartilham bastante e, sempre que sai alguma novidade da Twitch, costumam querer saber minha opinião antes. Sou muito grata pela comunidade que tenho hoje” frisa, deixando ainda mais evidente o quanto se sente privilegiada pela conexão que estabelece com o público.

De acordo com a streamer, atualmente é consideravelmente difícil produzir conteúdo apenas na Twitch: “Além das lives, é necessário criar uma comunidade em outras redes. Por fora, produzo manuais e tutoriais para outras pessoas que têm interesse em atuar na mesma área”, relata.

Ao falar sobre as razões que a levaram a também produzir conteúdos educacionais, a gaúcha afirma que sempre gostou de ensinar — uma característica que também é refletida pelo fato de ser graduada em licenciatura de química.

Em uma retrospectiva da sua trajetória no mundo dos games, Pam revela que Bioshock Infinite foi mais marcante. “Foi o meu primeiro jogo em primeira pessoa e, atualmente, esse é o meu gênero favorito”. Apesar disso, a franquia de games mais jogada pela streamer durante as transmissões é Resident Evil, saga de terror que começou em 1996 e possui uma popularidade gigantesca até hoje.

O desenvolvimento através do streaming

Joana Tshy, streamer de São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal/Joana Thais)

Nascida em Porto Alegre e atualmente morando em São Paulo, Joana Thais Trindade, de 25 anos, é mais conhecida no universo gamer como JoJo Tshy.

Ao relembrar da infância, ela conta que demonstrou o primeiro interesse nos games nessa época: “Meu irmão jogava muito, então me divertia assistindo ele. Meu pai tinha um fliperama, acho que isso me fez ficar familiarizada com esse meio desde cedo”, comenta.

Assim como Pâmela Gonçalves, League of Legends também foi o jogo que marcou a vida de Joana e fez com que ela entrasse para o mundo do e-sports. “Além de jogar todo o dia, também me tornei torcedora de equipes profissionais”, afirma. Ela também relembra que fez muitos amigos durante as partidas, e que isso também a fez se aproximar ainda mais do segmento.

Apesar disso, iniciou a sua carreira como streamer com Free Fire — jogo de ação-aventura em terceira pessoa — e foi a partir disso que fez com que ela crescesse nas plataformas. “Construí minha carreira por esses dois jogos, e foi a partir deles que o público começou a me conhecer”, ressalta. “As pessoas sempre falam coisas relacionadas a minha simpatia, autenticidade e como eu trato todos com muito carinho”, destaca.

Insegura, Joana não acreditava que tinha a “vocação” para a profissão. “Eu era muito tímida e nunca me considerei uma jogadora profissional”, revela. Com o passar dos anos, conseguiu superar seus medos internos e, atualmente, salienta que serve de inspiração para outras pessoas que passam pelo mesmo.

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