Supermercados também sofrem com as mudanças na inflação
Variações nos índices forçam os comerciantes a encontrar formas de atrair os clientes além do preço do produto
“Não é novidade para ninguém, tudo tem aumentado quase que diariamente”. Essa frase poderia ter sido dita por qualquer um dos mais de 212 milhões de brasileiros que, invariavelmente, necessitam ir às compras. Mas quem disse foi Erique Hartmann, sócio-administrador de uma das filiais do Super Vieira, localizado na Rua Carmem Miranda, 1102, bairro Centenário, em Sapiranga.
Assim como todos os cidadãos que sofrem com a alta dos preços dos alimentos e outros produtos alimentícios por conta da inflação, Erique conta que também não é diferente com os supermercados. “Temos que ficar de olhos bem abertos, pois às vezes compramos um produto, e 15 dias depois quando vai repô-lo para as prateleiras, o preço que você está vendendo já se torna preço de custo”, diz.
Com tantas variações, o consumidor final acaba tendo que fazer algumas escolhas em suas compras, e muitas vezes, pesquisar onde cada segmento está mais barato. “No meu caso, sempre pesquiso os preços nos mercados que frequento. Anoto quanto paguei em cada produto até para ter um controle. Nos últimos dois anos, principalmente, tem sido cada vez mais difícil pagar tudo apenas com o salário de aposentada” — conta Maria Izaura, de 72 anos. A aposentada ainda explica como que ela decide o que e onde comprar: “O rancho eu acabo fazendo em mercados maiores, em grande quantidade. Mas coisas do dia a dia, ou que estragam facilmente, compro nos comércios mais perto de casa, mesmo que sejam mais caros do que nos mercados do Centro”, complementa. Maria Izaura mora no bairro Amaral Ribeiro, em Sapiranga, e afirma que muitas vezes não vale a pena ir até o centro da cidade para fazer compras de poucos produtos, mesmo que eles estejam mais baratos. “Só o valor da passagem do ônibus, ou ainda do Uber, já faz com que a vantagem de preço desses mercados maiores se perca”, relata Maria.
Esta tática também é referida por Erique para fazer suas compras para o Super Vieira. “Uma forma de promover um preço melhor é tratando direto com a indústria, evitando os atravessadores”, comenta. Os atravessadores a que o administrador se refere são — além dos distribuidores — os mercados de rede que vendem no varejo e no atacado. “Eles compram na indústria em grande quantidade e revende em menor escala, aos poucos. Isso oportuniza que eles tenham acesso a preços menores. Então a gente tenta, dentro do possível, comprar diretamente da fonte para ter um poder de barganha maior”, acrescenta o administrador.
Produtos mais impactados
Para Roberto Schmidt, proprietário de uma pequena venda na Vila Esperança, em Sapiranga, o consumidor está acostumado com constantes mudanças nos preços. Ele lembra que, todos os anos, independente da inflação, as frutas, verduras e legumes sempre sofrem com alterações durante o ano. O motivo é simples: a escassez do produto na região. Para reabastecer o Super Vieira, Erique frequenta três vezes por semana a Ceasa/RS (Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul), vinculada à Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR). O administrador conta que “às vezes, de uma semana pra outra, de uma visita pra outra, o preço muda”. Ele entende que, por estarmos num clima subtropical, muitos legumes e frutas sofrem influência “da época”. Produtos como tomate e brócolis necessitam de um clima menos quente. No caso do tomate, por exemplo, Erique reflete que “agora ele está num período muito caro, porque vem do Espírito Santo, de São Paulo, vem de fora. Por conta do transporte, ele encarece”.
Dos itens que integram a Cesta Básica, a farinha de trigo e a carne são os produtos que — segundo Erique Hartmann — sofrem mais impacto da inflação. De acordo com a tabela disponibilizada pelo Sistema IBGE de Recuperação Automática — SIDRA, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, a farinha de trigo atingiu um aumento de 11,7% de preço nos indicativos acumulados do ano. Já a carne vermelha atingiu, no acumulado do ano de 2021, 8,52% de aumento. Os dados, contabilizados até o mês de setembro, revelam ainda que o frango inteiro sofre com o reajuste de 16,36% no ano.
Há mais de 12 anos trabalhando em supermercado, Erique explica, também, o quanto é difícil avaliar o reajuste de um item somente por ele próprio. “A carne, por exemplo, sofre interferências de preço por conta do aumento de outros produtos. O combustível sobe, aumentando o valor dos transportes e o custo de produção da soja. Por sua vez, a soja, o trigo e o milho — que compõem algumas rações dadas aos animais — ficam mais caras, aumentando o custo de quem produz a carne, e assim, por diante. Uma coisa puxa a outra”, afirma Erique.
A influência dos três itens citados — soja, trigo e milho — pode ser notada em outros diversos produtos derivados, como as massas, pães, biscoitos. A aposentada Maria Izaura recorda que em muitas oportunidades deixou de comprar alguma guloseima por conta do preço muito alto. “Eu sempre tive o costume de tomar chimarrão comendo alguma bolachinha, mas não dá mais! Encareceram demais”, reclama.
“Para quem cresceu nos anos 80 e 90, a variação de preços dos produtos não é novidade”, conta o comerciante Roberto Schmidt, ao referir-se à Hiperinflação. Presente na vida dos brasileiros nas décadas de 80 e 90, a Hiperinflação foi sanada apenas em 1994 com a introdução do Plano Real. Ela é considerada uma hiperinflação quando atinge níveis superiores à 50% de inflação ao mês.
Para o comércio e o consumidor final, entende-se que não. Segundo Maria Izaura, mesmo produtos que obtiveram inflação negativa mantiveram uma determinada faixa de preços. Como é o caso do arroz, que, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, obteve uma queda de 10,98% no acumulado do ano. Maria Izaura comenta que, mesmo assim, ainda pesquisa muito para encontrar o melhor custo-benefício: “Dependendo da marca e do mercado, o valor do pacote de 5kg varia de R$18,00 até R$30,00”, diz.
“Sinceramente não me recordo de algum grupo que tenha baixado de preço. Até porque é cultural do brasileiro, uma vez que o preço subiu, dificilmente ele baixa. Gosto de considerar sempre o tomate como exemplo. A média anual de uma caixa de tomate é de 50, determinadas épocas do ano se tornam um pouco mais caro ou mais barato. Vamos supor aqui que a média em época de fartura do produto, a caixa custe, para o comerciante, 50 reais. E na escassez, a caixa vai a 100. Depois, quando volta a época de fartura, ele não volta para aqueles 50 reais do ano anterior, ele já volta ‘mais caro’, custando aí uns 60 reais. Nossa moeda acaba desvalorizando nesse meio tempo e o produto acompanha a inflação”. — comenta Erique Hartmann, sócio-administrador do Super Vieira.
Mesmo que se pense que a pandemia ocasionada pela Sars-Cov-2 — causador da Covid-19 — possa ter influenciado negativamente no comércio alimentício, Erique comenta que não. Ao contrário, foi um período de crescimento e maior rentabilidade. Segundo ele, isso ocorreu por conta do fechamento de bares, restaurantes e pub’s, medidas tomadas pelo Governo Estadual e Municipal para evitar a propagação do vírus. “As pessoas passaram a cozinhar mais em casa, a experimentar coisas novas, e como os mercados não fecharam, obtivemos um bom retorno financeiro”, explica. Ele relembra, no entanto, que logo no começo das medidas de distanciamento, muitas indústrias fecharam as portas ou interromperam as atividades, promovendo uma escassez de alguns produtos. “A dificuldade maior foi na adaptação, por causa dos costumes. Usar máscara, mudando algumas coisas no ambiente para promover o distanciamento. Houve também um aumento nos custos por conta da necessidade de reabastecer sempre os totens com álcool em gel e adquirindo novas máscaras para os funcionários”, diz o administrador.
Muito além do preço
Em recente pesquisa realizada pela Accenture sobre as mudanças de perfil dos consumidores, foi identificada uma característica que está cada vez mais presente nos consumidores: muito além do preço, eles observam outros diversos fatores antes de efetuar um negócio.
O estudo é realizado em 22 países e está na 16ª edição, ouvindo mais de 25 mil pessoas. Ele divide os entrevistados em três grupos: consumidores tradicionais, reimaginados e em evolução. Os tradicionais são aqueles que ainda consideram o preço como principal fator, e, do total, representam 17%. Já os em evolução, são os que estão começando a modificar o pensamento de compra para ser um reimaginado. Este grupo representa 33%. Já o reimaginado é aquele consumidor que avalia, além do preço, fatores como reputação, confiança, origem dos produtos, segurança e saúde. Este grupo é o dominante, com 50% do público.
O estudo aponta que o Brasil é o país com maior número de consumidores reimaginados, ao lado da Índia, atingindo um percentual de 71%. 21% dos consumidores restantes fazem parte do grupo em evolução.
Considerando a nova mentalidade do consumidor brasileiro, Erique Hartmann, administrador do Super Vieira, passou a implementar uma nova forma de atingir seu público: criar o personagem Fritz do Vieira e produzir conteúdo de cunho humorístico para as redes sociais. “Percebemos que muita gente gosta dos vídeos que fazemos com um pouco de comédia. A rede social não atinge só nosso bairro, chega na cidade inteira, trazendo gente de outros bairros”, comenta.
Presente também no TikTok, Erique conta que os vídeos são idealizados por ele, na maioria das vezes, mas que a edição e produção é de uma equipe contratada por ele. “Acredito que quem não está na rede social acaba ficando esquecido. A intenção do trabalho nas mídias é promover a marca, para ser lembrado enquanto mercado. Falamos pouco no preço dos produtos, ou fazendo esse tipo de propaganda convencional”, explica.
Sem o investimento maior em propaganda, é possível praticar preços melhores para o consumidor final, uma vez que o preço não é repassado para o produto. Além dos vídeos e propagandas, o Super Vieira costuma promover diversas promoções e sorteios para incentivar o consumo do público, aumentando o alcance e a visibilidade da marca.