Taylor Swift e as práticas da cultura de fã dos ‘swifties’ brasileiros
Cantora-compositora estadunidense causou alvoroço ao anunciar passagem da “The Eras Tour” no Brasil
Presente nos principais noticiários do país e um dos tópicos mais comentados nas redes sociais, não há quem não tenha ouvido falar em Taylor Swift nos últimos dias. Desde que a cantora-compositora estadunidense anunciou sua primeira passagem oficial pelo Brasil para novembro deste ano, o fandom brasileiro da artista chama a atenção para os fenômenos das práticas de cultura de fã e as convergências midiáticas entre a figura do ídolo e os impactos sociais causados por essa relação simbiótica.
Com seis shows anunciados para os dias 17, 18 e 19 de novembro, no Estádio Nilton Santos (Engenhão), no Rio de Janeiro, e nos dias 24, 25 e 26 do mesmo mês, no Allianz Parque, em São Paulo, a busca pelos ingressos já é considerada uma das mais disputadas da história recente — tanto que teve a expressiva marca de esgotar todos os setores da pré-venda on-line em apenas 35 minutos.
Além das filas quilométricas e acampamentos ao redor das bilheterias para as compras físicas, casos de incoerências na dinâmica das vendas levantaram suspeitas de ação de cambistas. No último dia 16, os deputados federais Simone Marquetto (MBD-SP) e Pedro Aihara (Patriota-MG) propuseram projetos de lei que proíbem a prática de vender ingressos a preço superior ao estipulado pelos organizadores.
Para entender melhor os aspectos culturais que estão atrelados à vinda da The Eras Tour para o território nacional e a carreira artística de Taylor Swift, a Beta Redação conversou com integrantes do fandom (expressão que vem de fan kingdom e designa o universo dos fãs de determinado artista ou produto cultural) e pesquisadores especialistas na temática de fãs e cultura pop.
Who’s Taylor Swift anyway? Ew.
Taylor Swift, aos 33 anos de idade, conta com dez álbuns de estúdio — Taylor Swift (2006), Fearless (2008), Speak Now (2010), Red (2012), 1989 (2014), reputation (2017), Lover (2019), folklore (2020), evermore (2020) e, o mais recentemente, Midnights (2022); além das regravações do Fearless (Taylor’s Version) (2021), Red (Taylor’s Version) (2021) e Speak Now (Taylor’s Version) previsto para o dia 7 de julho de 2023 — e, atualmente, está em atividade com a The Eras Tour, sua sexta turnê mundial, que já registra 102 datas que passam por todos os continentes.
Entretanto, a ídolo pop de uma geração inteira não se fundamenta apenas em canções, aclamação crítica e de público: é preciso considerar toda a trajetória de Swift para entender por que, além de ser a única artista feminina a conquistar por três vezes o cobiçado Grammy de Melhor Álbum do Ano, ela é uma cantora-compositora capaz de, com uma única turnê, faturar, segundo levantamento feito pela Forbes, mais de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,6 bilhões) nos primeiros 52 shows nos Estados Unidos.
A professora da Universidade Paulista (UNIP), pesquisadora, coordenadora do grupo CULTPOP (Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias) e especialista de estudos acadêmicos relacionados a temática de cultura de fãs Adriana Amaral define a construção de Taylor Swift em três principais fatores: identificação com as composições e personalidade da cantora; midiatização e controvérsias da sua vida pessoal; eficientes estratégias de marketing. “Tudo o que ela faz gira em torno de uma espécie de storytelling da vida real, que envolve ela no sentido pessoal e artístico, e isso faz com que os fãs e a mídia se apropriem de narrativas do universo da Taylor. Outro ponto importante é que as letras de suas músicas são escritas a partir de pontos de vistas universais, o que automaticamente causa uma identificação instantânea”, explica.
Em cada nova fase da carreira, Swift faz questão de criar um contexto único — nas letras, identidade visual, narrativa dos videoclipes e estética dos palcos —, ou seja, é uma cantora que não basta apenas ouvir: é, também, para ser vista. E por mais que essa dinâmica não seja algo novo na indústria da música, ela faz isso com domínio e naturalidade que já virou uma marca registrada dos seus projetos. “Existe uma especulação ao redor dela, por exemplo, de saber para qual pessoa tal música é direcionada, descobrir indiretas supostamente secretas, qual momento pessoal ela está passando…”, enumera Adriana. Desde o início de sua carreira, em 2006, Taylor usa do método de mensagens escondidas em encartes dos CDs, código de cores, pistas nas fotos postadas em redes sociais e numerologia.
As canções Dear John, do álbum Speak Now, e All Too Well, do Red, são marcos que representam o tamanho da especulação: fãs teorizam que a primeira foi escrita para o ex-namorado John Mayer e a segunda também para o ex Jake Gyllenhaal — afirmações que Taylor nunca confirmou, mas também não desmentiu exatamente.
A trajetória de Taylor também é marcada por polêmicas e controvérsias: uma extensa lista de relacionamentos amorosos que se tornaram públicos por meio da mídia, a eterna briga com o rapper Kanye West, inimizade com a cantora Katy Perry e, por fim, a batalha judicial contra o produtor Scooter Braun pelos direitos autorais dos seus primeiros álbuns de estúdio. “São essas coisas que fazem da imagem da Taylor ser tão impactante para a cultura pop e para os fãs. É, de certa forma, uma maneira dela se portar como alguém mais ‘real’ e, mais uma vez, identificável através de seus dramas pessoais e profissionais”, finaliza Adriana.
O resultado de todas essas combinações é uma base de fãs extremamente leal, devotada e que parece nunca parar de crescer: os swifties, alcunha dada ao fandom da cantora, são considerados um dos fã-clubes mais ativos e engajados na internet: são os estrondosos 91 milhões de ouvintes mensais no Spotify e 265 milhões de seguidores no Instagram. Apesar de não haver dados oficiais sobre o número no Brasil, em março a empresa Morning Consult divulgou uma pesquisa que aponta que mais da metade da população adulta dos Estados Unidos se considera fã de Taylor Swift: 53% dos estadunidenses se identificam como “fã” da cantora, enquanto 16% se diz “fã ávido” da artista.
‘Swifties’ brasileiros se mobilizam
Luke Xavier, 22 anos, estudante de Letras na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), encontrou no TikTok uma possibilidade de produzir conteúdos focados em curiosidades e notícias sobre a carreira da Taylor Swift. “Eu já trabalhava na internet há alguns anos, mas com outros tipos de temáticas. Foi em 2021 que, sugerido por um amigo, comecei a direcionar meu material para a Taylor”, explica.
Precursor nesse nicho, Luke atualmente tem mais de 52 mil seguidores na plataforma e conta que está cada vez mais engajado com o público do chamado SwiftTok — termo para a comunidade dos fãs da Taylor na rede social. “É uma forma de fazer amigos que também são fãs, discutir teorias e acompanhar a carreira dela em conjunto. A sensação é de pertencimento”, descreve.
O engajamento e a popularidade da sua conta no TikTok levaram ao convite de se tornar DJ residente na célebre “Festa da Taylor” — evento temático que ocorre em todas as capitais do Brasil para unir o fandom. “Eu jamais poderia imaginar que algo assim pudesse acontecer comigo”, ressalta. “Está sendo uma experiência muito legal e emocionante, as festas são sempre muito lotadas”, relata.
Já para Pedro Veloso, a distância geográfica não foi um impedimento para que o publicitário de 34 anos realizasse o sonho de assistir a um show de Taylor. “Fiz uma loucura e fui para Chicago, nos Estados Unidos, exclusivamente para ver ela”, revela. Na época, a cantora-compositora estava em atividade com a turnê Reputation World Tour.
E, para os shows do Brasil, Pedro garante que não basta assistir a apenas um. “Fiz mais uma loucura! Vou em três shows dela”, confessa.
Juliana Coin, 25 anos, jornalista, levou a paixão de fã para a própria pele em duas tatuagens: no pulso, o icônico “13” — número da sorte que divide com a cantora — e uma raposa na costela. “Elas não são literalmente sobre a Taylor, mas são conceitos que considero agregados à figura dela na minha vida”, explica.
“O número 13 sempre foi marcante para mim e, por coincidência, para a Taylor também. Temos muitas coisas em comum, como, por exemplo, nascer no mesmo dia 13: ela em dezembro, eu em agosto”, destaca. “Essa tatuagem representa a conexão que a gente tem.”
Já a da raposa, é uma mistura de referências: símbolo do jornalismo, livro Fábulas de Esopo, dualidade do animal na cultura asiática e, por fim, a canção I Know Places presente no álbum 1989. “É uma mistura de informações, mas a parte do simbolismo que dediquei à Taylor é justamente por eu gostar muito dessa música. A letra é sobre não se deixar ficar presa nas adversidades para ir atrás do que se quer”, explica.
O anúncio dos shows e a conturbada venda de ingressos
Os boatos da vinda da The Eras Tour ao país já circulavam desde janeiro — principalmente através de publicações do jornalista José Norberto Flesch, conhecido por ser um insider e antecipar a vinda de diversos artistas internacionais, e da aquisição do domínio taylorswiftnobrasil.com.br pela produtora Tickets 4 Fun.
E, finalmente, no dia 2 de junho, após 11 anos de espera, Taylor Swift divulgou as datas dos primeiros três shows no Brasil e causou um verdadeiro alvoroço nas redes sociais.
As vendas dos ingressos foram marcadas por mais de 1,5 milhões de usuários na fila on-line e milhares nas físicas. Depois de ingressos esgotados em apenas 35 minutos no site e em poucas horas na bilheteria, a cantora anunciou mais três datas extras — assim, até o momento, resultando em um total de três shows no Rio Janeiro e três em São Paulo.
Devido à alta demanda e à quantidade de shows, grupo de fãs se anteciparam na busca por um ingresso e decidiram acampar nos estádios onde seriam feitas as vendas. “Existe uma motivação econômica nisso, que é o fato de que na venda física não há as taxas de serviço. Além disso, também tem o fator do laço social comunitário, já que muitos estavam se revezando e dividindo barracas”, explica Adriana Amaral.
Entretanto, a dinâmica da venda chamou atenção pelos problemas: uma das principais reclamações, desde a primeira pré-venda dos bilhetes, é a imensa competição pelos ingressos — especialmente devido à procura dos cambistas. Isso porque, na última venda geral, enquanto o site oficial travou as vendas em pouco mais de 10 minutos, em mercados “paralelos” as entradas chegaram a custar mais de duas vezes os valores originais.
Segundo relatos de fãs, os cambistas estavam furando a fila e causando confusão. O resultado dessa situação envolveu a polícia, com direito a fiscalização do deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), acionamento do Ministério Público por parte da deputada Erika Hilton (PSol-SP) e ainda coube ao Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) a solicitação de esclarecimentos para a produtora do show, Tickets 4 Fun. Além disso, impulsionada pelos deputados federais Simone Marquetto (MBD-SP) e Pedro Aihara (Patriota-MG), está em análise a criação da “Lei Taylor Swift” para criminalizar a ação ilegal em cima dos preços dos ingressos.
Adriana Amaral ressalta que o fenômeno Taylor Swift — que já pode até ser considerado uma Taylormania — é interessante de ser observado de outras perspectivas: “Tem um valor simbólico inestimável nisso. Só na vinda dela para o Brasil, podemos observar os aspectos sociais, econômicos e, até mesmo, tecnológicos, se levarmos em consideração o uso de bots para as compras ilegais dos ingressos”.
A expectativa da primeira passagem oficial da cantora pelo Brasil
A ausência do Brasil nas rotas das cinco turnês mundiais da artista sempre foi uma incógnita para os fãs — inclusive, motivo de muitas teorias excêntricas sobre Taylor ter sido proibida por sua mãe, Andrea Swift, de colocar os pés na América Latina.
Em setembro de 2012, durante uma ação promocional da gravadora Universal Music, Swift se apresentou no Rio de Janeiro exclusivamente para a imprensa e fãs convidados. Apesar da curta estadia da cantora em solo brasileiro, a passagem dela rendeu momentos memoráveis: além dos diversos memes, a canção Long Live ganhou uma versão com a sertaneja do pop rural Paula Fernandes.
Depois, em 2019, foram anunciados dois shows da turnê Lover Fest em São Paulo para julho de 2020 — que, posteriormente, foram cancelados devido à pandemia da Covid-19.
Para Luke Xavier e Juliana Coin, será a primeira chance de assistir um show da cantora-compositora. “Eu ainda não acredito que vou ter a oportunidade de vê-la! Uma pessoa que só existe no meu imaginário vai estar, ali, finalmente, na minha frente”, conta Juliana, que vai no apresentação do dia 18, no Rio de Janeiro. “Acredito que vai ser muito impactante para a própria Taylor, porque não acho que ela tenha noção do quanto ela é esperada e amada por aqui”, diz Luke, que vai na mesma data. “Nós, brasileiros, somos conhecidos pela animação e por cantar muito alto, então vai ser uma experiência coletiva muito especial”, avalia.
Pedro Veloso, que vai em três shows no Brasil, conta que está empolgado para ver a conexão do público brasileiro com a Taylor. “Aqui é sempre diferente, somos mais calorosos e isso é notável. Vários amigos estão indo ver ela pela primeira vez, então vai ser emocionante dividir esse momento com pessoas queridas”, finaliza.