Calcinhas especiais revolucionam o período menstrual
Deixando de lado o desconforto dos absorventes normais e pensando na sustentabilidade e no meio ambiente, a nova tecnologia aplicada à indústria têxtil movimenta o mercado
As calcinhas menstruais absorventes são um exemplo da evolução da tecnologia na indústria têxtil, setor considerado um dos carros-chefes da indústria brasileira. No ano de 2017 a indústria têxtil faturou R$144 bilhões. Um crescimento de 5,1% em relação ao ano de 2016, quando o setor fechou o ano em R$137 bilhões. Os dados, da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT), também informam que o setor é o segundo maior gerador de empregos da Indústria da Transformação, com 1,5 milhão de trabalhadores diretos. Com toda esta movimentação no mercado, assim como nas outras áreas da economia, a indústria de confecção e vestuários também está se reinventando através da tecnologia.
Além da inovação em maquinários, há uma tendência projetada na área, que envolve a transformação dos processos de fabricação dos tecidos, com novas fibras, que permitem a criação de produtos e peças com novas funcionalidades e que buscam suprir as necessidades do consumidor e do meio ambiente. Um exemplo desta tecnologia empregada, são as calcinhas menstruais absorventes.
A peça começou a ser vendida nos Estados Unidos em 2014, pela pioneira Thinx. O processo de criação da marca durou cerca de três anos e envolveu diversos testes até chegar à versão do mercado. Já a primeira calcinha totalmente brasileira começou a ser comercializada em 2017. A marca Herself, de Porto Alegre, é uma das empresas que apostaram nessa nova proposta sustentável para o período menstrual, que veio como mais uma opção para as mulheres que não se sentem confortáveis utilizando os tradicionais absorventes descartáveis.
Trajetória
A Herself surgiu no final de 2016, durante uma capacitação para empreendedores de impacto socioambiental, oferecida pelo SEBRAE e ministrada pela Semente Negócios — o Programa AGIR. A fundadora da marca, Raíssa Assmann Kist, entrou no Programa com outra proposta de projeto, mas logo nas primeiras capacitações teve a ideia de fazer uma calcinha absorvente ecológica para a menstruação. “O produto já existia nos EUA e Austrália e assim decidiu-se desenvolver a primeira versão brasileira, 100% nacional e empregando a valorização da economia local”, informa a marca.
A primeira etapa procurou entender a relação da mulher brasileira com o período menstrual. A empresa realizou pesquisas e conversas com mais de 800 mulheres para entender as necessidades que esse novo produto deveria atender. Com o trabalho de campo foi observado que a menstruação era uma certa dor na vida da mulher e, além de ser um grande tabu em termos de conversa, o mercado não oferecia um produto que se adaptasse à rotina, às restrições e às preferências gerais da mulher. “Assim percebemos que a Herself não seria uma marca que ofereceria apenas um protetor menstrual na forma de uma calcinha tecnológica. Nossa missão seria gerar conversa sobre menstruação, fazer com que a mulher tenha orgulho daquilo que é natural dela e, ao mesmo tempo, gerar esse questionamento sobre nossos hábitos de consumo, com nós mesmas e com a natureza”, afirma Camila Kist, sócia da marca.
A cocriação começou no início de 2017. Após ser validada a tecnologia e a modelagem inicial, a Herself entrou no mercado em agosto como um crowdfunding, atingindo a meta inicial em menos de 20 dias, o que possibilitou a compra das matérias-primas e da tecnologia.
A empresa também pensou no desconforto causado pelos absorventes descartáveis no verão. No final de 2017, após pesquisa com apoiadoras, que indicou que mais de 70% delas deixavam de aproveitar o verão enquanto menstruadas, a Herself viu a oportunidade de desenvolver um biquíni absorvente, que permitisse à mulher entrar na água, praticar atividade física e tomar banho de sol, enquanto menstruada.
Tecnologia
A marca informa que a tecnologia aplicada aos produtos já existia comercialmente, mas após diversas pesquisas de desenvolvimento, adaptações foram feitas para que a funcionalidade desejada fosse possível. Raíssa é estudante de Engenharia de Materiais. Ela, junto da parceira Nathália Nunes, formada Química Industrial, comandam a parte de Pesquisa e Desenvolvimento na empresa.
Três camadas de tecidos de fibras naturais e sintéticas, comercialmente encontradas no mercado, garantem que a calcinha não tenha vazamentos. Os materiais passam por um processo de tratamento específico, para adquirir as propriedades necessárias. O tecido externo recebe um beneficiamento hidrorrepelente, que repele sujeiras, água e óleos; o tecido absorvente passa por um tratamento hidroabsorvente, potencializando a absorção; e o tecido interno é antimicrobiano, que controla a proliferação de fungos e bactérias, a fim de diminuir possíveis odores e proporcionar uma utilização contínua por mais horas.
Como funciona
A tecnologia dos biquínis e calcinhas menstruais permitem o uso somente deles — sem nenhum outro protetor associado -, enquanto a mulher está menstruada. Segundo a marca, o tecido absorvente consegue sugar o equivalente de 2 a 4 absorventes, de acordo com o modelo. A modelagem das peças possui um design parecido com calcinhas comuns, proporcionando maior conforto.
O tempo máximo de uso direto, sem vazamentos e odores, da calcinha absorvente é de 12 horas. Já para os biquínis, o indicado são 6 horas. O tempo é mensurado a partir da eficácia do tecido antimicrobiano. Apesar da recomendação, marca informa que muitas mulheres utilizam por períodos distintos. “Quem possui um fluxo muito intenso geralmente troca a partir de 6 ou 7h, e quem possui um fluxo moderado ou leve consegue ficar por até 18h”.
Após o uso, a peça deve ser lavada à mão ou na máquina. Por ser uma associação de tecidos, a calcinha demora um pouco mais de tempo para secar em relação às peças normais — em torno de 8h a 10h, em condições normais. Após seca, está pronta para a próxima utilização.
Por ser uma peça que necessita de um tempo sem utilização para a higienização, as empresárias indicam a compra de 2 ou 3 peças, para que seja possível conciliar a utilização durante o período menstrual.
As calcinhas custam entre R$75 e R$95. Já os biquínis são comercializados nos valores de R$160 e R$180 (maiô).
Confira o vídeo informativo da marca:
Economia
A vida útil das calcinhas é de 48 lavagens, cerca de 2 anos, funcionando com 100% de absorção. Um dos apelos do produto é a sustentabilidade e economia. Para os cálculos, a empresa utiliza os seguintes critérios: tempo recomendado para a utilização contínua de um absorvente (conforme indicado por ginecologistas), preço médio dos absorventes no Brasil, tempo recomendado para a utilização da calcinha e preço médio da calcinha absorvente.
A marca analisa o tempo recomendado por profissionais para a utilização de um absorvente comum, que é de até 4h, enquanto o da calcinha é 12h. Também compara o valor médio de um absorvente descartável, que no Brasil é R$0,68, ao da calcinha, que custa em média R$85,00. Com as informações, a marca multiplica o valor dos absorventes descartáveis (R$0,68), pelo número de usos recomendados da calcinha (48), o que resulta em um total de R$93,60. Esse valor é subtraído ao valor médio de comercialização da calcinha (R$85,00), o que totaliza uma economia de R$8,60 ao final da vida útil do produto.
Porém, Camila esclarece que essa economia é maior. “A calcinha não para de funcionar após a 48ª lavagem, e sim, começa a exigir trocas mais frequentes. Em laboratório, a durabilidade testada foi bem maior, mas esse número de lavagens foi estipulado considerando algumas ineficiências, como a lavagem com produtos errados, utilização de secadora com frequência, entre outros. Quanto melhor cuidada a calcinha, maior será a economia”, afirma.
A estudante Aline Marmentinni, 25, adquiriu sua calcinha menstrual há dois meses. Comprou pensando na sustentabilidade e nos mais de 100 absorventes ao ano que usaria por algumas horas e descartaria para ficar até 200 anos em decomposição no meio ambiente. “Como não me adaptei com o coletor, pensei em tentar a calcinha. Gostei bastante, ela é super confortável e segura. Não marca, é de fácil limpeza e é higiênica. O único ponto negativo é que uma só não é suficiente. Como tenho rotina das 7h da manhã até a noite, geralmente uso absorvente comum nos períodos da manhã e da tarde e após deixo somente a calcinha. Já penso em comprar mais uma ou duas para o próximo mês”, relata.
Outro ponto negativo citado em diversas conversas de fóruns e grupos coletivos no Facebook sobre o assunto, é a falta de praticidade para a troca durante o dia e o local de armazenamento até a lavagem, já que muitas mulheres passam o dia fora de casa. Sobre isso, a marca informa que vende uma necessaire que, por dentro, é impermeável. “Ela é feita com o reaproveitamento de tecidos da Herself externamente e por dentro são banners reutilizados, empregando o conceito de upcycling pela empresa Ecosouvenir”, afirma.
Na compra, a calcinha é enviada em um saquinho de algodão 100% orgânico, que também auxilia no armazenamento. Segundo a Herself, dependendo da intensidade do fluxo menstrual, não há a necessidade de peças necessariamente impermeáveis para armazenar a calcinha, pois ela não fica carregada ao ponto de vazar para outras superfícies.