Calcinhas especiais revolucionam o período menstrual

Deixando de lado o desconforto dos absorventes normais e pensando na sustentabilidade e no meio ambiente, a nova tecnologia aplicada à indústria têxtil movimenta o mercado

Jéssica Mendes
Redação Beta
7 min readNov 29, 2018

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Além de calcinhas, marca de Porto Alegre aposta em biquínis absorventes. Imagem: Samuel Gambohan/Divulgação Herself

As calcinhas menstruais absorventes são um exemplo da evolução da tecnologia na indústria têxtil, setor considerado um dos carros-chefes da indústria brasileira. No ano de 2017 a indústria têxtil faturou R$144 bilhões. Um crescimento de 5,1% em relação ao ano de 2016, quando o setor fechou o ano em R$137 bilhões. Os dados, da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT), também informam que o setor é o segundo maior gerador de empregos da Indústria da Transformação, com 1,5 milhão de trabalhadores diretos. Com toda esta movimentação no mercado, assim como nas outras áreas da economia, a indústria de confecção e vestuários também está se reinventando através da tecnologia.

Além da inovação em maquinários, há uma tendência projetada na área, que envolve a transformação dos processos de fabricação dos tecidos, com novas fibras, que permitem a criação de produtos e peças com novas funcionalidades e que buscam suprir as necessidades do consumidor e do meio ambiente. Um exemplo desta tecnologia empregada, são as calcinhas menstruais absorventes.

A peça começou a ser vendida nos Estados Unidos em 2014, pela pioneira Thinx. O processo de criação da marca durou cerca de três anos e envolveu diversos testes até chegar à versão do mercado. Já a primeira calcinha totalmente brasileira começou a ser comercializada em 2017. A marca Herself, de Porto Alegre, é uma das empresas que apostaram nessa nova proposta sustentável para o período menstrual, que veio como mais uma opção para as mulheres que não se sentem confortáveis utilizando os tradicionais absorventes descartáveis.

Trajetória

Calcinhas possuem modelos para todos os tipos de fluxo e gostos. Imagem: Samuel Gambohan/Divulgação Herself

A Herself surgiu no final de 2016, durante uma capacitação para empreendedores de impacto socioambiental, oferecida pelo SEBRAE e ministrada pela Semente Negócios — o Programa AGIR. A fundadora da marca, Raíssa Assmann Kist, entrou no Programa com outra proposta de projeto, mas logo nas primeiras capacitações teve a ideia de fazer uma calcinha absorvente ecológica para a menstruação. “O produto já existia nos EUA e Austrália e assim decidiu-se desenvolver a primeira versão brasileira, 100% nacional e empregando a valorização da economia local”, informa a marca.

A primeira etapa procurou entender a relação da mulher brasileira com o período menstrual. A empresa realizou pesquisas e conversas com mais de 800 mulheres para entender as necessidades que esse novo produto deveria atender. Com o trabalho de campo foi observado que a menstruação era uma certa dor na vida da mulher e, além de ser um grande tabu em termos de conversa, o mercado não oferecia um produto que se adaptasse à rotina, às restrições e às preferências gerais da mulher. “Assim percebemos que a Herself não seria uma marca que ofereceria apenas um protetor menstrual na forma de uma calcinha tecnológica. Nossa missão seria gerar conversa sobre menstruação, fazer com que a mulher tenha orgulho daquilo que é natural dela e, ao mesmo tempo, gerar esse questionamento sobre nossos hábitos de consumo, com nós mesmas e com a natureza”, afirma Camila Kist, sócia da marca.

A cocriação começou no início de 2017. Após ser validada a tecnologia e a modelagem inicial, a Herself entrou no mercado em agosto como um crowdfunding, atingindo a meta inicial em menos de 20 dias, o que possibilitou a compra das matérias-primas e da tecnologia.

A empresa também pensou no desconforto causado pelos absorventes descartáveis no verão. No final de 2017, após pesquisa com apoiadoras, que indicou que mais de 70% delas deixavam de aproveitar o verão enquanto menstruadas, a Herself viu a oportunidade de desenvolver um biquíni absorvente, que permitisse à mulher entrar na água, praticar atividade física e tomar banho de sol, enquanto menstruada.

Biquínis absorventes são a segunda aposta da marca, com dois modelos disponíveis para compra. (Foto: Samuel Gambohan/Divulgação Herself)

Tecnologia

A marca informa que a tecnologia aplicada aos produtos já existia comercialmente, mas após diversas pesquisas de desenvolvimento, adaptações foram feitas para que a funcionalidade desejada fosse possível. Raíssa é estudante de Engenharia de Materiais. Ela, junto da parceira Nathália Nunes, formada Química Industrial, comandam a parte de Pesquisa e Desenvolvimento na empresa.

Três camadas de tecidos de fibras naturais e sintéticas, comercialmente encontradas no mercado, garantem que a calcinha não tenha vazamentos. Os materiais passam por um processo de tratamento específico, para adquirir as propriedades necessárias. O tecido externo recebe um beneficiamento hidrorrepelente, que repele sujeiras, água e óleos; o tecido absorvente passa por um tratamento hidroabsorvente, potencializando a absorção; e o tecido interno é antimicrobiano, que controla a proliferação de fungos e bactérias, a fim de diminuir possíveis odores e proporcionar uma utilização contínua por mais horas.

São três modelos de calcinhas e dois modelos de biquínis. Imagem: Samuel Gambohan/Divulgação Herself

Como funciona

A tecnologia dos biquínis e calcinhas menstruais permitem o uso somente deles — sem nenhum outro protetor associado -, enquanto a mulher está menstruada. Segundo a marca, o tecido absorvente consegue sugar o equivalente de 2 a 4 absorventes, de acordo com o modelo. A modelagem das peças possui um design parecido com calcinhas comuns, proporcionando maior conforto.

O tempo máximo de uso direto, sem vazamentos e odores, da calcinha absorvente é de 12 horas. Já para os biquínis, o indicado são 6 horas. O tempo é mensurado a partir da eficácia do tecido antimicrobiano. Apesar da recomendação, marca informa que muitas mulheres utilizam por períodos distintos. “Quem possui um fluxo muito intenso geralmente troca a partir de 6 ou 7h, e quem possui um fluxo moderado ou leve consegue ficar por até 18h”.

Após o uso, a peça deve ser lavada à mão ou na máquina. Por ser uma associação de tecidos, a calcinha demora um pouco mais de tempo para secar em relação às peças normais — em torno de 8h a 10h, em condições normais. Após seca, está pronta para a próxima utilização.

Por ser uma peça que necessita de um tempo sem utilização para a higienização, as empresárias indicam a compra de 2 ou 3 peças, para que seja possível conciliar a utilização durante o período menstrual.

As calcinhas custam entre R$75 e R$95. Já os biquínis são comercializados nos valores de R$160 e R$180 (maiô).

Confira o vídeo informativo da marca:

Economia

A vida útil das calcinhas é de 48 lavagens, cerca de 2 anos, funcionando com 100% de absorção. Um dos apelos do produto é a sustentabilidade e economia. Para os cálculos, a empresa utiliza os seguintes critérios: tempo recomendado para a utilização contínua de um absorvente (conforme indicado por ginecologistas), preço médio dos absorventes no Brasil, tempo recomendado para a utilização da calcinha e preço médio da calcinha absorvente.

A marca analisa o tempo recomendado por profissionais para a utilização de um absorvente comum, que é de até 4h, enquanto o da calcinha é 12h. Também compara o valor médio de um absorvente descartável, que no Brasil é R$0,68, ao da calcinha, que custa em média R$85,00. Com as informações, a marca multiplica o valor dos absorventes descartáveis (R$0,68), pelo número de usos recomendados da calcinha (48), o que resulta em um total de R$93,60. Esse valor é subtraído ao valor médio de comercialização da calcinha (R$85,00), o que totaliza uma economia de R$8,60 ao final da vida útil do produto.

Porém, Camila esclarece que essa economia é maior. “A calcinha não para de funcionar após a 48ª lavagem, e sim, começa a exigir trocas mais frequentes. Em laboratório, a durabilidade testada foi bem maior, mas esse número de lavagens foi estipulado considerando algumas ineficiências, como a lavagem com produtos errados, utilização de secadora com frequência, entre outros. Quanto melhor cuidada a calcinha, maior será a economia”, afirma.

A estudante Aline Marmentinni, 25, adquiriu sua calcinha menstrual há dois meses. Comprou pensando na sustentabilidade e nos mais de 100 absorventes ao ano que usaria por algumas horas e descartaria para ficar até 200 anos em decomposição no meio ambiente. “Como não me adaptei com o coletor, pensei em tentar a calcinha. Gostei bastante, ela é super confortável e segura. Não marca, é de fácil limpeza e é higiênica. O único ponto negativo é que uma só não é suficiente. Como tenho rotina das 7h da manhã até a noite, geralmente uso absorvente comum nos períodos da manhã e da tarde e após deixo somente a calcinha. Já penso em comprar mais uma ou duas para o próximo mês”, relata.

Outro ponto negativo citado em diversas conversas de fóruns e grupos coletivos no Facebook sobre o assunto, é a falta de praticidade para a troca durante o dia e o local de armazenamento até a lavagem, já que muitas mulheres passam o dia fora de casa. Sobre isso, a marca informa que vende uma necessaire que, por dentro, é impermeável. “Ela é feita com o reaproveitamento de tecidos da Herself externamente e por dentro são banners reutilizados, empregando o conceito de upcycling pela empresa Ecosouvenir”, afirma.

Na compra, a calcinha é enviada em um saquinho de algodão 100% orgânico, que também auxilia no armazenamento. Segundo a Herself, dependendo da intensidade do fluxo menstrual, não há a necessidade de peças necessariamente impermeáveis para armazenar a calcinha, pois ela não fica carregada ao ponto de vazar para outras superfícies.

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