Tenho medo de alguém me socorrer na rua", relata portadora de epilepsia

Saiba mais sobre a condição e entenda como ajudar da forma correta uma pessoa que sofre com convulsões

Milla Lima
Redação Beta
8 min readDec 2, 2022

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No site da Liga Brasileira de Epilepsia, é possível encontrar profissionais especializados que atuam em todo o país. (Imagem: Freepik/DCStudio)

Em agosto deste ano, Brenno Marty, que sofria com crises de epilepsia há mais de 4 anos, encontrou a cura por meio de ato cirúrgico performado 100% pela equipe do Sistema Único de Saúde (SUS). O procedimento de retirada do minúsculo tumor em uma região profunda do cérebro foi realizado por incentivo da mãe, que após algumas pesquisas, descobriu que a operação era simples, podendo ser feita em 30 minutos, e que estava totalmente disponível pelo SUS.

A história traz uma narrativa de recomeço, mas esta não é a realidade de todos que sofrem com a doença. A Liga Brasileira de Epilepsia aponta que 3 milhões de brasileiros são epiléticos. Mesmo assim, a condição destas pessoas ainda são pouco reconhecidas, estando longe do dia a dia da população.

Os portadores que não têm a opção de realizar o tratamento por meio de cirurgias, além de terem a necessidade de se adaptar com os remédios controlados e o medo das instabilidades em locais públicos, temem ter uma crise junto de pessoas que não compreendam sua realidade, por não terem o conhecimento correto do que fazer.

O que é e quais são os sintomas da epilepsia

A epilepsia é um distúrbio neurológico em que há atividade cerebral excessiva, o que acaba causando convulsões. Isto ocorre pois há uma descarga anormal dos neurônios, fazendo as células do sistema nervoso emitirem sinais inadequados. De acordo com o neurologista Paulo André, a epilepsia faz com que o cérebro não funcione normalmente, despertando sintomas sensoriais.

“É como uma descarga elétrica cerebral, ou um curto circuito, que tira o cérebro do seu funcionamento normal e traz sintomas sensoriais — como formigamento -, motores — como contrações de uma parte do corpo ou do corpo todo — e psíquicos — onde a pessoa sai para fora do seu ambiente de consciência e passa para um estado de comportamento complexo e automático”, explica.

O profissional pontua que a epilepsia tem diversos níveis e tipos, assim como variados tratamentos e causas. No entanto, o que mais a caracteriza são as convulsões, retratadas erroneamente e estereotipadas em filmes e séries, que acabam sendo as únicas referências da população sobre o assunto.

“Na crise convulsiva generalizada, a pessoa cai onde estiver, tem perda de consciência, se debate, se contrai, tem movimentos repetitivos, pode ou não morder a língua, produzir salivação, virar os olhos e ter dificuldades para respirar”, narra o neurologista, trazendo a visão de uma pessoa de fora, que está assistindo ao acontecimento.

Sites de entidades médicas como o HCOR, desenvolvem conteúdos para explicar melhor a doença. (Ilustração: HCOR)

O que sentem os portadores de epilepsia

Para quem sofre com a condição, a "visão" é bem mais complexa. As experiências de Laura, Gabriela e Franciele são diferentes e únicas, mas, ao mesmo tempo, muito similares.

“É como se tivesse puxado um fio da tomada”, explica Gabriela Dietrich, que teve sua primeira crise aos 14 anos de idade. “É sobre perder o controle do corpo e ao mesmo tempo estar ciente de tudo”, diz Laura Chamis, que vivenciou a situação pela primeira vez aos 12 anos. “É como estar em uma bolha, eu fico tentando sair, mas não consigo”, destaca Franciele Belmiro, que descobriu o problema aos 19 anos.

Todas lidam com as convulsões e demais características da doença há pelo menos 10 anos e, felizmente, as três estão em uma fase na qual a condição está mais controlada. No entanto, a insegurança e medo diário não passam facilmente pelo acúmulo de experiências traumáticas e uma doença sem cura.

Laura e Franciele relatam conseguirem sentir quando a convulsão irá acontecer, em função de tonturas ou formigamento pelo corpo. Porém, isso não acontece sempre, o que deixa o indivíduo ainda mais vulnerável.

“Em um período da adolescência, eu tinha crises praticamente todos os dias no banheiro do colégio, me sentia meio tonta na aula e na hora já chamava uma amiga pra ir me ajudar. Quando adulta, eu já estava mais acostumada, então se me sentisse mal na rua eu entrava na primeira loja que eu via e explicava o que iria acontecer”, conta Laura.

Convivendo com a epilepsia há 17 anos e realizando tratamento com diversos remédios, atualmente Laura só convulsiona durante o sono, sempre conseguindo avisar alguém que irá precisar de auxílio.

Já para Franciele, que lida com a epilepsia há 10 anos, a vida já esteve em risco diversas vezes, tendo crises longas, três paradas cardíacas e um coma induzido de 15 dias para conter as convulsões.

“Eu fiquei totalmente sedada, se eu acordava, convulsionava. Foi a minha pior experiência, tanto para mim quanto para os meus familiares. Ver a alegria do meu pai quando eu acordei, não tem explicação. Nesse coma, eles tentavam diminuir a medicação, mas eu convulsionava sedada. Tinha que ter uma enfermeira toda hora comigo, levantando a minha pálpebra para ver como meu olho estava, se estava revirado ou não”, conta a autônoma, que precisou realizar tratamento com quatro remédios diferentes depois de ser retirada do coma.

No caso de Gabriela, sua pior experiência foi diferente. Mesmo tendo um número menor de crises, seu maior desafio eram os espasmos musculares fora da convulsão, o que também pode ser um sintoma da doença.

“Sentia muita insegurança de realizar ações simples, como escovar os dentes, escrever no caderno e segurar coisas. Na época era bem complicado, não conseguia segurar nada nas mãos. Uma vez joguei meu afilhado bebê no chão, e passei tempos me culpando pelo acontecido”, recorda.

Gabriela conta que, com tratamento e medicação, conseguiu controlar seus espasmos. Atualmente trabalha como chef de cozinha, sem nunca ter tido convulsões durante o trabalho ou acidentes envolvendo espasmos musculares.

Vergonha, preocupação e preconceito

Laura e Franciele dizem que a vergonha de se mostrarem vulneráveis em ambientes desconhecidos ou profissionais está presente em suas vidas há muitos anos.

“Sempre senti muita vergonha da situação, de ficar tão exposta perto de pessoas que eu nem conhecia. Por muito tempo mexeu com meu emocional e eu me sentia extremamente mal logo em seguida da crise. Só que acabou passando tanto tempo e eu sofri por isso tantas vezes, que acabei acostumando e lidando como algo normal, às vezes quase como se não existisse”, conta Laura.

Por temer o preconceito, ela relata não se sentir confortável em informar aos seus superiores que tem a doença e conta que só comunicou sobre a situação depois de já estar estabelecida nas empresas onde trabalhou.

Para Franciele não é diferente: “Já me senti insegura para sair de casa, principalmente logo após uma crise. Tenho na minha bolsa uma papel que diz que eu sou epilética e que sou alérgica a diversos medicamentos. Tenho muito medo de alguém me socorrer na rua e acabar fazendo muito mais mal do que me ajudar”, ressalta.

A autônoma destaca o desejo de fazer uma tatuagem para deixar evidente que tem epilepsia, sendo mais uma maneira de se proteger de crises que possam ocorrer fora de sua rede de apoio. E, mesmo já tendo sido demitida com a justificativa de que "não havia estrutura para manter uma funcionária com epilepsia na empresa", costuma informar sempre sobre sua condição ao começar em um novo trabalho, especialmente por já ter sofrido muito em ambientes laborais. Por isso é tão importante que a população e os empregadores tenham o conhecimento de como ajudar em situações como essa, e que as empresas e escolas entendam o que devem fazer para não promover a discriminação e abalos morais, uma vez que a pessoa com epilepsia não tem controle sobre as crises convulsivas.

“A maioria das pessoas que avisei sobre a doença tinham algum parente que já havia tido crises, mas mesmo assim me deparei com momentos nos quais precisei acalmar a pessoa que me socorria, explicando como proceder e assegurando que ia ficar tudo bem, pra que então ela pudesse se acalmar e me ajudar na crise que eu estava prestes a ter. Tudo isso me faz acreditar que ninguém realmente sabe o que é a epilepsia ou o que significa, e nem buscam se informar”, lamenta Laura.

Ela relembra que, durante a adolescência, tinha crises diárias no colégio e que a direção da escola nunca adotou medidas que tornassem seu ano letivo mais leve.

“A informação traz segurança para quem tem a doença, não só na parte física como também na emocional. Manter um ambiente calmo e seguro, fazendo os procedimentos corretos para que a pessoa consiga respirar e passar por uma crise com calma, sem medo e vergonha, faz com que a caminhada de quem lida com a doença seja um pouco mais tranquila e segura”, salienta.

O que fazer ao presenciar uma crise de epilepsia

Antes de entender qual o protocolo adequado para ajudar um amigo, familiar ou uma pessoa desconhecida, é preciso entender quais os mitos que, normalmente, vêm das mesmas referências de filmes e séries que a população mais conhece.

“É preciso controlar o impulso das pessoas. A menos que a crise não seja muito prolongada, além de 20 minutos, que é um período de dano, não é preciso chamar uma ambulância ou levar para um hospital. Nunca é necessário abrir a boca do indivíduo, colocando os dedos ou qualquer outro objeto, pois a tendência é que a crise faça a pessoa serrar os dentes. A respiração ficará barulhenta, e para as pessoas leigas, parece que o paciente está engolindo a língua. Porém, isso não existe, é um mito medieval, e tentar abrir a boca da pessoa só vai machucá-la”, explica Dr. Paulo André.

Primeiramente, é importante não entrar em pânico, pois a pessoa epiléptica não está em risco de morte iminente por ter a crise. Confira o passo a passo indicado pelo Instituto de Neurologia Integrada de São Paulo:

  1. Mantenha-se calmo e, se possível, evite que a pessoa caia bruscamente ao chão;
  2. Acomode o indivíduo em local sem objetos nos quais ele possa se bater e se machucar, afastando aqueles que estejam próximos, como mesas ou cadeiras;
  3. Caso a pessoa esteja de óculos, retire-os;
  4. Utilize material macio para acomodar a cabeça do indivíduo e mantê-la em posição mais alta do que o corpo (por exemplo: travesseiro, almofada, casaco ou toalha dobrada);
  5. Posicione o indivíduo de lado para evitar que possa se engasgar com saliva ou vômito;
  6. Afrouxe um pouco roupas apertadas, principalmente em volta do pescoço, como camisas ou gravatas;
  7. Permaneça ao lado da pessoa até que ela recupere a consciência;
  8. Ao término da crise, a pessoa pode relatar cansaço e/ou confusão mental, explique o que ocorreu e ofereça auxílio para chamar um familiar ou conhecido.
Na hora de uma crise, é importante ajudar da maneira correta e também permanecer junto ao paciente após o ocorrido. (Ilustração: HCOR)

Quer saber mais? Visite o site da Liga Brasileira de Epilepsia.

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