Tipo incomum de epilepsia atinge 4,5 entre 10 mil crianças no mundo

Aos nove anos, Maria Isabela foi diagnosticada com a Síndrome de West, grave doença que ocorre no primeiro ano de vida

Vitória Drehmer
Redação Beta
6 min readApr 11, 2023

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Pais de Maria Isabela nunca tinham ouvido falar da doença antes do caso da filha. (Foto: Graziele Freitas/Arquivo Pessoal)

A Síndrome de West foi descrita pela primeira vez há 74 anos, em 1949. As chances de você nunca ter ouvido falar dessa rara doença são grandes, já que a taxa de incidência é muito baixa: de até 4,5 casos a cada 10 mil nascidos vivos no mundo.

Essa síndrome é, na verdade, um tipo incomum de epilepsia e tem como principais sintomas o atraso no desenvolvimento, o autismo e a deficiência intelectual. De acordo com a neurologista Valéria Fonteles, especialista no assunto, “essa é a síndrome epiléptica mais grave do primeiro ano de vida”.

Maria Isabela, que hoje tem nove anos, teve o diagnóstico de Síndrome de West em 2014. A doença surgiu na sua vida com a prematuridade causada pela pré-eclâmpsia, uma identificação de hipertensão arterial que sua mãe teve durante a gravidez.

“A Maria Isabela nasceu no dia 30 de dezembro de 2013. Ela tinha só 830 gramas e 30,1 centímetros. Mesmo assim, tudo estava indo bem . Só que em janeiro começou uma hemorragia intracraniana na sua cabeça porque ela era muito prematura. Quando eu a vi pela primeira vez até me assustei. Não imaginava que ela seria tão pequena”, explica Graziele Freitas, mãe da Belinha, como é carinhosamente chamada pelos pais e pela família.

Apesar de serem mais comuns, as alterações estruturais como a prematuridade não são as únicas maneiras de um bebê desenvolver essa síndrome. Outras causas estão ligadas à genética, metabolismo, sistema imunológico e infeccioso ou até a um fator desconhecido.

Além disso, o diagnóstico da Síndrome de West só pode ser descrito a partir de uma tríade, ou seja, da confirmação de três fatores: características específicas em um exame de eletrocardiograma, presença de espasmos, e uma parada ou regressão do desenvolvimento. A definição da doença também só acontece entre os quatro meses e os quatro anos de vida da criança.

“Depois de muito tempo de internação, cirurgia e transfusões de sangue, tudo estava normal em casa. Até que, com oito meses, ela começou com uns movimentos estranhos e descobrimos que era convulsão. Fomos para o hospital e deram o diagnóstico de Síndrome de West. Eu não sabia nem como escrevia. A gente nunca tinha ouvido falar disso antes”, lembra Graziele.

A neurologista Valéria Fontes explica que espasmos são comuns, mas devem preocupar os pais se acontecerem depois dos seis meses de vida do bebê. “Na realidade, esses espasmos são muito semelhantes a alguns reflexos corporais no começo da vida da criança. Só que eles desaparecem até os seis meses. Então, o bebê não pode apresentar essas contrações frequentes depois dessa idade, por isso sabemos que é Síndrome de West”, pontua.

Apesar de preocupante, ainda não há uma definição exata sobre o tempo de vida de crianças com Síndrome de West. “Na realidade, é a expectativa de vida de qualquer criança com uma epilepsia de difícil controle”, explica a médica especialista.

Como é o tratamento?

Depois do diagnóstico, o tratamento da doença pode ser iniciado, e o uso de corticoides é o principal procedimento. Na maioria dos casos, esse tipo de remédio é usado para reduzir a produção de substâncias inflamatórias ou diminuir a atividade do sistema imunológico.

“Mas a gente também pode usar medicações como anticonvulsivantes e, em determinados casos, remédios ainda mais fortes. São esquemas terapêuticos que a gente vai escalonando. O Sistema Único de Saúde (SUS), aliás, lida bem com essa síndrome e garante essas medicações”, avalia a neurologista.

Porém, em nem todos os quadros estes medicamentos resolvem os espasmos e os sintomas da síndrome. No caso de Maria Isabela, por exemplo, eles não foram suficientes.

“Começamos o tratamento, com uns cinco remédios diferentes, e mesmo assim ela tinha mais de 100 crises de espasmos por dia. Isso foi muito difícil porque não tínhamos o que fazer. Até que vimos no programa Fantástico que uma criança estava usando o canabidiol para a mesma síndrome. Nem a neurologista conhecia”, conta a mãe de Belinha.

O canabidiol (CBD) é um medicamento derivado da planta da maconha, a cannabis, e serve como um tratamento para doenças que atingem o sistema nervoso central do ser humano. No entanto, na época, a substância não era permitida no Brasil e só podia ser importada. Por isso, o processo para iniciar o uso foi bem trabalhoso.

Maria Isabela nasceu com apenas 830 gramas e 30,1 centímetros. (Foto: Graziele Freitas/Arquivo Pessoal)

“Começamos a pedir autorização para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não tínhamos ideia de como fazer, mas várias mães me ajudaram e enviaram laudos. Levei tudo para a médica e recebemos a resposta de que íamos conseguir importar. Só que isso ia custar uns R$ 5 mil. Nós já tínhamos entrado com um processo para o governo fornecer, mas não aguentávamos de ansiedade e fizemos uma vaquinha para arrecadar o valor. Conseguimos o dinheiro em dois dias”, recorda Lucas Freitas, pai da Belinha.

Os pais de Maria Isabela ainda contam que o governo começou a fornecer o valor para a compra do canibidiol em torno de três ou quatro meses depois da entrada do pedido. Em seguida, o efeito da medicação mudou a vida da menina e de sua família.

“A gente começou a ver a diferença muito rápido. Antes ela não tinha reação. Podia beliscar e ela nem chorava. Só dormia. No terceiro dia ela chorou. Ficamos até assustados. Uns dias depois ela também começou a dar gargalhadas com uma brincadeira que eu fiz. Melhorou muito”, cita Graziele.

Hoje, o canabidiol e outros medicamentos derivados da mesma substância são permitidos no Brasil. A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), por exemplo, é uma organização que tem o cultivo da maconha legalizado pela justiça brasileira e pode produzir o medicamento.

E depois?

Com o uso contínuo do canibidiol, as crises de espasmos de Maria Isabela praticamente foram anuladas. Hoje, a menina de nove anos faz uso apenas de medicamentos anticonvulsivantes. Isso porque, de acordo com a neurologista, a Síndrome de West só existe até os quatro anos no organismo de uma criança. Depois desse período, ou é curada, ou se transforma em um tipo de epilepsia, como é o caso de Belinha.

Entre os tratamentos também está uma visita semanal a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Sapucaia do Sul (RS). No local, Maria Isabela recebe auxílio de uma fonoaudióloga e de uma fisioterapeuta para criar estímulos corporais.

“As crianças com Síndrome de West fazem fisioterapia para terem o que chamamos de estimulação precoce. Fazemos atividades que estimulam o controle da cabeça, do tronco, para pegar objetos, sentar-se, rolar e até ficar em pé. Mas, claro, isso tudo é baseado na etapa de desenvolvimento que uma criança está”, explica a fisioterapeuta Gilmara Hullen, responsável pelo tratamento de Maria Isabela.

Mesmo tendo os sintomas controlados, a rotina da família com uma criança portadora de Síndrome de West não é nada fácil. Isso porque é preciso lidar com muitas adversidades ao mesmo tempo, como explica a médica especialista. “A Síndrome de West é normalmente secundária a uma outra doença, por isso os desafios são grandes. A Maria Isabela, por exemplo, tem uma paralisia cerebral que incapacita seu sistema motor, o que acaba também levando a complicações pulmonares. Ou seja, o dia a dia de uma família diante desta síndrome é bem complicado”, expõe.

“A nossa vida mudou bastante porque essa é uma doença em que a criança precisa de cuidados 24 horas. Então parei de trabalhar para viver integralmente cuidando dela. Mas nós somos uma família muito feliz. Ela também é uma criança muito feliz e tudo está bem agora”, finaliza Graziele.

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