Trabalho solidário durante a pandemia ajuda famílias em vulnerabilidade

Crise gerada com a Covid-19 mobilizou voluntários anônimos de São Leopoldo e Novo Hamburgo

Guilherme Pech
Redação Beta
9 min readMay 19, 2020

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Para a diarista Keitlyn Dias, 20, a cesta básica que recebeu permitiu que ela comprasse leite e fraldas para o filho, além de pagar as contas mensais (Foto: Denise Melo)

As restrições impostas pelo avanço da pandemia de Covid-19 causaram impacto financeiro para muitas famílias brasileiras, em especial para aquelas em situação de vulnerabilidade. O auxílio emergencial de R$ 600, sancionado no início de abril — uma das medidas lançadas pelo governo federal para tentar amenizar a crise — pode não ser suficiente para quem vive de aluguel, tem muitos filhos, altas parcelas ou outras necessidades individuais. Além disso, não são todos os trabalhadores que conseguiram adquirir o benefício.

Além de entregar cestas básicas, que incluem alimentos, cobertas, roupas e materiais de higiene, a autônoma Elisandra Tauchen também produz e doa máscaras a quem não pode adquiri-las (Crédito: Denise Melo)

E é nessas horas que atitudes solidárias anônimas fazem a diferença na vida dessas famílias. É o exemplo da mobilização de duas mulheres, moradoras de Lomba Grande, bairro rural de Novo Hamburgo, com cerca de 6,3 mil habitantes, conforme Censo do IBGE de 2010.

Uma delas é a autônoma Elisandra Tauchen, 39 anos, que reside na localidade de Quilombo, e está trocando máscaras de proteção — que ela mesma fabrica — por um quilo de alimento para montar ranchos e doar a famílias necessitadas. Além das cestas, que incluem alimentos, cobertas, roupas e materiais de higiene, Elisandra também doa máscaras a quem precisa, já que, segundo ela, nem todos podem comprar o material, cujo preço chega a R$ 5 no bairro. “A minha intenção é que quem não tem condições possa adquirir máscaras, para que assim todos usem e esse vírus não venha pra cá”, enfatiza.

A iniciativa surgiu quando ela, que também trabalha com costura, comprou tecidos para produzir e vender máscaras, porém, como já havia bastante gente vendendo o material, Elisandra pensou nas pessoas que não teriam condições de adquirir o equipamento de proteção. “Então decidi que iria doá-las”, explicou. A ideia de trocar a confecção por um quilo de alimento veio em seguida. Engajada na causa com Elisandra, a filha Lívia, 12 anos, se prontificou a participar do projeto da mãe, cortando as sobras de linha e passando as marcadas para esterilização.

Elisandra conta que já produziu mais de 300 máscaras e não tem ideia de quantos ranchos já foram distribuídos. No entanto, a quantidade de mantimentos que conseguiu adquirir até o momento é menor. Onde mais angariou donativos foi em condomínios e através de conhecidos. “Várias amigas minhas têm crianças pequenas que estão passando fome”, acrescenta.

Elisandra, que também é costureira, já produziu mais de 300 máscaras para pessoas em vulnerabilidade (Foto: Elisandra Tauchen)

A maioria das pessoas que já ajudaram não são da região. Muitas vezes, são pessoas perceptivelmente em dificuldade, como crianças em sinaleiras, sem-terras e pessoas em situação de rua, em lugares por onde Elisandra passou — já que carrega as doações no porta-malas de seu carro — ou ouviu relatos sobre a situação precária das famílias. Ela conta que já entregou mantimentos, inclusive, para um acampamento cigano na beira da estrada, durante um passeio com a família. “Se vejo alguém morando na rua sem máscaras, eu entrego. São essas pessoas que mais procuro ajudar”, afirma.

“Descobri que há pessoas de bom coração, que doavam o que realmente poderiam doar, enquanto outros deram o que tinham sobrando. Infelizmente, outros queriam apenas obter benefício próprio”, reflete Elisandra.

A filha de Elisandra, Lívia, 12 anos, também se engajou na causa solidária da mãe, em seu ateliê improvisado (Foto: Elisandra Tauchen)

Para manter a proteção contra a Covid-19 durante as entregas, Elisandra mantém todos os cuidados necessários, como o uso de máscara, luvas e álcool em gel. Os donativos foram adquiridos através das redes sociais, que Elisandra utilizou para divulgar sua campanha. Já os tecidos e elásticos, materiais para produção de máscaras, foram comprados por ela mesma.

Para ajudar Elisandra nesta causa solidária, entre em contato através do telefone: (51) 9 9944–3921

Uma das pessoas beneficiadas com o trabalho voluntário foi a diarista Keitlyn Dias, 20 anos, que recebeu uma cesta básica. Com o auxílio complementar, ela pôde comprar leite e fraldas para o bebê, gás e pagar aluguel e luz. “Nunca tínhamos ganhado esse tipo de ajuda, e na pandemia foi uma mão na roda, já que os valores das coisas no mercado estão um absurdo. Tudo pesa, então fiquei imensamente feliz“, relata.

Moradora mobiliza comunidade para ajudar famílias vizinhas

A fisioterapeuta Janaína Fernandes, 47 anos, que vive na região central de Lomba Grande, mobilizou o comércio para arrecadar alimentos e produtos de higiene. A iniciativa começou com a criação de um grupo no WhatsApp com comerciantes para explicar a ideia e pedir doações. Porém, comenta Janaína, a receptividade não foi a esperada. “A maioria saiu do grupo na hora e os outros que permaneceram não falaram absolutamente nada!”, lamenta. Ainda assim, sua campanha conseguiu beneficiar, ainda no início da pandemia, 12 famílias, sendo 11 lomba-grandenses e uma do bairro Canudos, também de Novo Hamburgo.

A ideia surgiu pela necessidade que ela e o marido sentiram dos moradores próximos à sua casa, que, segundo ela, vivem em situação de vulnerabilidade. “Ficamos imaginando como essas famílias iriam se sustentar ou ter alimentos durante a pandemia”, declara.

Janaína explica que conseguiu doações individuais e de algumas famílias de Lomba Grande, que, em um gesto solidário, manifestaram-se quando o projeto foi divulgado no Facebook. A procura por doações, contudo, preocupou. “Tinha muito mais gente pedindo do que doando”, ressalta.

A receptividade das famílias beneficiadas, conta Janaína, foi emocionante. “Em algumas entregas, senti vontade de chorar. Foram poucas famílias que conseguimos ajudar, mas não tenho como descrever a felicidade de cada momento. Me trouxe a certeza de estar fazendo a coisa certa”, revela.

Assim como Elisandra, Janaína tomou os devidos cuidados de proteção contra o novo coronavírus. “Para entregar ou buscar as doações, íamos com o nosso carro e usávamos máscaras e luvas em todas as entregas”, afirma.

Como a arrecadação de mantimentos estava menor em relação à demanda, Janaína decidiu entrar em contato com a ONG Banco de Alimentos, inaugurado em 2011 na região, que atende as cidades de Novo Hamburgo, Sapiranga, Estância Velha e Campo Bom. Então, ela começou a passar todos os pedidos ao Banco, que prontamente atendeu. “Foi uma experiência rápida e intensa, que deixou o olhar de agradecimento de quem recebeu e também da frustração de saber que falta solidariedade dentro de nosso bairro” acrescenta.

Rede Solidária São Léo oferece proteção para 10 mil famílias

A Rede Solidária São Léo já entregou mais de 5 mil toneladas de alimentos (Foto: Rede Solidária São Leo)

Em São Leopoldo, uma iniciativa parecida já distribuiu mais de 5 mil toneladas de alimentos em pouco mais de 40 dias de atividade. É a Rede Solidária São Léo, trabalho voluntário que está promovendo ações de proteção para 10 mil famílias no Vale do Sinos.

Conforme o projeto, comunidades nas regiões norte e nordeste do município, como Justo, Steigleder, Progresso, Renascer, Bomfim, Cootrahab, Esperança, Vitória, Tancredo, Container, Anita e Redimix carecem de infraestrutura básica, como condições precárias de moradia, de segurança alimentar e de sanitária, situação agravada com a disseminação da Covid-19.

A campanha contempla comunidades das regiões norte e nordeste do município (Foto: Rede Solidária São Leo)

Foi a partir deste quadro que um grupo de professores, funcionários e estudantes da Unisinos, juntamente com outras entidades, passou a promover uma campanha nas redes sociais para solicitar doações através da Rede Solidária São Léo, que mantém páginas no Facebook e no Instagram.

Conforme a professora da Unisinos Isamara Allegretti, uma das idealizadoras da Rede, apoiar estas comunidades é um aprendizado diário de competências importantes para o futuro e um compromisso ético de não deixar ninguém para trás. Para ela, participar da iniciativa é um exercício constante de colaboração e de solidariedade. “A oportunidade de estar em contato com pessoas que olham para o mundo com um propósito similar é encorajador, frente a tantas adversidades e desigualdades sociais”, comenta.

Além da entrega das cestas básicas, que incluem alimentos orgânicos e caseiros produzidos de forma agroecológica, e também dos materiais de higiene, como sabonetes gerados a partir de óleo de cozinha reciclado, a Rede Solidária São Léo já distribuiu cobertores, realizou oficinas de ação educativa e ecofeiras, entregou enxovais para gestantes e fez ações de rodas de conversa com distribuição de refeições quentes, realizadas com a ajuda de entidades, voluntários e outras redes parceiras.

A iniciativa já distribuiu, além de cestas básicas e de materiais de higiene, cobertores e refeições quentes (Fotos: Rede Solidária São Leo)

A transparência no processo de doações, na logística de distribuição e na compra das doações, além dos formatos para doar, são os diferenciais da Rede Solidária São Léo. Em todas as segundas-feiras, a prestação de contas da semana é publicada nas redes sociais, como também as informações sobre reuniões e distribuições realizadas.

A Rede beneficia tanto famílias em vulnerabilidade como também pequenos produtores locais, que vendem materiais para o projeto (Foto: Rede Solidária São Leo)

As arrecadações em dinheiro ajudam a gerar renda local e as doações físicas são distribuídas com o auxílio das lideranças comunitárias, que trabalham em conjunto e atendem às necessidades emergenciais de cada comunidade. Desse modo, não apenas as famílias que recebem as doações são beneficiadas, como também as cooperativas e os pequenos produtores locais, que vendem alimentos e materiais de higiene para a Rede. A ideia é que tudo que é doado seja colocado em circulação.

A equipe voluntária do projeto envolvida na linha de frente da distribuição das doações trabalha com todos os cuidados de segurança, como o uso de máscaras, para evitar a proliferação do novo coronavírus.

Até a última atualização divulgada, a Rede já havia entregado mais de 600 cestas básicas, 1,4 mil itens de higiene, 2,3 mil máscaras, quase 1 mil em agasalhos, 40 pratos quentes e 27 cobertores. Já em dinheiro, o valor doado já soma cerca R$ 28 mil.

Sobre o projeto

A Rede Solidária São Léo é resultado da Missão pela Moradia Digna na cidade de São Leopoldo. Iniciada em março de 2019, promovida pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), através do Instituto Humanitas (IHU), várias organizações se somaram à iniciativa, como o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), o Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a Comunidade das Missionárias do Cristo Ressuscitado — CMCR, os Engenheiros pela Comunidade, e as lideranças das comunidades em situação de vulnerabilidade. Na atual configuração da Rede, além das entidades da Missão, também estão participando: voluntários de cursos da Unisinos (Gestão para Inovação e Liderança, Engenharia Química, Farmácia, Serviço Social, Jornalismo, Moda e Engenharia Ambiental); Ação Social da Universidade, Agência Experimental de Comunicação da Unisinos (Agexcom), Programa de Pós-Graduação em Mecânica e Civil, Espaço Colaborativo de Fomento à Extensão Universitária da Unisinos, Associação dos Docentes da universidade (Adunisinos), Associação de Meninos e Meninas de Progresso (Ammep), Coletivo Ocupa Feminista, Manjabosco Decor, Interventura Urbanismo Colaborativo, Grupo Araçá de Consumo Responsável, Redes socioassistenciais Nordeste e Centro/Sul de São Leopoldo e Rede de Ação Solidária São Leopoldo COVID 19.

Como doar

Roupas e alimentos podem ser entregues em postos de coleta. Também podem ser doadas matérias-primas para confecção de máscaras, como elásticos e tecidos. Já valores podem ser transferidos por depósito bancário ou boleto, não havendo valor mínimo ou máximo para ajudar na causa.

Dados para doação em dinheiro:

  • Banco Intermedium S.A (código 077)
  • Agência 0001–9
  • Conta 5596022–7
  • CPF 42629314049
  • Nome: Isamara Della Favera Allegretti (responsável pelo gerenciamento da conta)

Redes sociais da Rede:

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