Bandeira da representatividade transexual (Foto: Stepanhie Gonot)

Transexuais no poder

Carol Steques
Redação Beta

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Sendo uma das comunidades que mais sofrem violência no país, transgêneros intensificam a luta por direitos e voz na política

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. De acordo com dados de uma pesquisa da ONG Transgender Europe (TGEU), entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes. Em uma nação que liderou por muitos anos o ranking de assassinato de pessoas transexuais — e continua até hoje em primeiro lugar na lista — as candidaturas trans nas eleições tornam-se um instrumento de luta. De luta política, de andar na rua sem medo e de mostrar ao mundo que todos têm o direito à cargos de poder. Uma luta por respeito e igualdade.

Duda Salabert (PDT), candidata a vereadora em Belo Horizonte em 2020, se notabilizou nas eleições de 2018 ao ter se tornado a primeira mulher trans a se candidatar ao cargo de Senadora da República. Ela ressalta que decidiu entrar na política ao observar os números da realidade das pessoas travestis e transexuais: “90% das transexuais estão na prostituição no país e 91% não concluíram o ensino médio. A nossa expectativa de vida não supera os 35 anos e 41% dos trans são portadores de HIV. Esses números mostram que nunca houve nenhuma política pública voltada para a nossa realidade ou para combater o cenário de violência no qual estamos imersas”.

Para ela, os transexuais devem ocupar os espaços de poder, não somente para propor políticas públicas para a comunidade trans, mas também para construir políticas sob uma perspectiva que foi historicamente silenciada na sociedade: a diversidade. A candidata acredita que a educação é a principal ferramenta para uma mudança estrutural na sociedade.

Duda Salabert é a idealizadora da ONG Transvest, um projeto pedagógico que tem como objetivo incluir pessoas travestis e transexuais em espaços de poder, como a universidade, por exemplo. Além disso, a Transvet oferece pré-vestibular, educação para jovens adultos, curso de libras e idiomas. A ONG surgiu para tentar combater ou mitigar os números que mostram que 91% das travestis e transexuais de Belo Horizonte não concluíram o ensino médio, de acordo com estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A escola tradicional é muitas vezes um espaço de intolerância contra a diversidade. Então a Transvest surge com uma pedagogia diferente, mais inclusiva, afetiva e aberta à`diversidade”, explicou a candidata.

“Desconfio que serei a única travesti candidata a vereadora em BH. Sei que não estarei e não estou sozinha. Resistir e avançar! Esse é meu lema”, ressaltou Duda Salabert (Foto: Lucas Ávila)

Duda foi a primeira mulher transexual a conquistar o direito à licença maternidade. Ela tem uma filha de 1 ano, chamada Sol, e conta que busca por políticas públicas para a sociedade em geral ao que se refere à maternidade, como por exemplo, gratuidade no transporte público para todas as mães cujos filhos estão internados em UTI neonatal.

Desde as eleições de 2014, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) faz um levantamento de quantas pessoas trans estão concorrendo a cargos de poder e quantas foram eleitas. Nas eleições de 2016, São Paulo foi o estado que apresentou o maior número de candidaturas, com um total de 22 pessoas trans. Já nas eleições de 2018, pela primeira vez no país, houve uma candidata ao Senado Federal, duas candidatas a Dep. Distrital pelo Distrito Federal, 17 candidatas a Deputada Federal e 33 Deputadas Estaduais.

Keila Simpson, presidenta da ANTRA, acredita que nas eleições deste ano o número de candidatos trans irá extrapolar os dados de 2016, pois, no levantamento feito até agora, já constam mais de 150 candidaturas. Ela conta que uma pessoa trans que disputa um cargo político, tem todas as qualificações que as outras pessoas também têm. Porém, a primeira coisa que se observa nas travestis e transexuais é a sexualidade e a erotização do corpo: “Parece que as pessoas trans são somente sexo e erotização do corpo. Essas candidaturas estão aparecendo muito fortemente nessas eleições pra mostrar exatamente o contrário, que elas estão disputando porque compreendem a política e acreditam que podem fazer uma diferença. São pessoas novas que estão cansadas desses políticos velhos que estão aí”.

Muitas mulheres trans acabam tornando-se profissionais do sexo pela falta de oportunidade e preconceito no mercado de trabalho, além da grande erotização do corpo trans. Ao mesmo tempo que existem dados alarmantes sobre as mortes de pessoas transexuais no país, o Brasil é o que mais consome pornografia de transgêneros. Segundo dados do Redtube (site de conteúdo adulto) os brasileiros têm 89% mais chances de visitar a categoria “Travestis” no site, em comparação com o resto do mundo.

Bia Biancardi (PMB) — candidata à prefeitura de Cariacica (ES), concorrendo na primeira chapa bolsonarista composta por mulheres trans e sendo a primeira mulher transgênero a disputar uma eleição majoritária no Espírito Santo — ressalta que um de seus projetos para Cariacica é ter um apoio às mulheres trans, ajudando e incentivando na colocação no mercado de trabalho. “A sociedade acaba enxergando mal as população trans, porque é o que elas acabam vendo na rua, as meninas seminuas trabalhando. Mas este é o trabalho delas! Isso tudo por falta de opção no mercado de trabalho e por não serem aceitas. Eu tive sorte, eu consegui estudar”, contou Bia.

Bia Biancardi está concorrendo a prefeitura de Cariacica, no Espírito Santo (Foto Italo Spagnol)

Moradora de Cariacica desde os 7 anos, Bia conta que não é vinculada a grupos feministas e LGBTQI+, que é somente uma cidadã, comerciante, vivendo em uma cidade que precisa de melhorias. Ela conta que ser mulher transgênero não afetou a sua carreira, e que chegou onde está hoje sendo essa mesma mulher, que conversa frente a frente com os comerciantes do município e é conhecida por todos os moradores de Cariacica, tendo sido, inclusive, convidada pelo presidente do seu partido para concorrer à prefeitura.

Além de pautas para a comunidade trans, Bia também ressalta que em sua proposta de governo irá promover centros de idosos na cidade. A candidata declara que concorda com a política do atual governo e acredita que as novas reformas estão dando certo para a população. Porém, apesar de sua cidade ser em média 70% bolsonarista, não foi exatamente isso que lhe deu forças para se tornar candidata: “Todos nós, independente de cor, raça ou sexo, temos que estar muito integrados em políticas para as cidades, independente de seu candidato à presidência. Eu sou bem informada das necessidades da minha cidade e estou sempre disposta a fazer o que eu puder por ela”.

O PDT é o primeiro partido político do país a ter uma pessoa transgênero em sua Executiva Nacional. Para Amanda Anderson, a presidente nacional do PDT Diversidade, “só a política pode mudar a nossa situação atual. Nossos corpos são políticos. A política faz parte da convivência de pessoas trans desde a sua transição. Logo, só através dela nós podemos construir pontes para derrubar os muros”.

O PDT Diversidade tem cinco anos de existência, e surgiu a partir da necessidade de fomentar políticas públicas mais efetivas no legislativo voltadas à comunidade LGBTQI+. Com o apoio do partido, o grupo fez com que a comunidade LGBTQI+ do PDT tivesse um destaque gigantesco no congresso nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais.

Amanda Anderson — terceira pessoa na imagem — é a presidente nacional do PDT Diversidade (Foto: Arquivo Pessoal)

“Quando resolvemos lançar as candidaturas esse ano, nós resolvemos que seria a hora de ocupar os espaços de poder. Como por exemplo, na política emancipadora de mulheres, que acabam muitas vezes sendo travadas nos espaços de poder, pois são homens ditando regras sobre os corpos das mulheres. Homens brancos ditando regras sobre corpos negros, por exemplo. Nós precisamos ocupar espaços de poder, precisamos construir mais esses espaços de dentro para fora, não só com aliados. Agora é hora de a gente construir a nossa própria pauta”, declarou Amanda Anderson.

Há mais de 30 anos na luta pela comunidade LGBTQI+, ela conta que já não se vê mais com uma mulher trans: “Eu prefiro continuar na figura da travesti, pois a travesti continua sendo de luta”.

Desde 2018, uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garante o direito de que candidatos e candidatas transgênero apareçam na urna eletrônica com o seu nome social. Nas eleições deste ano, é a primeira vez que poderão utilizar o nome social concorrendo aos cargos de prefeito e vereador.

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