Transporte público está à beira do colapso econômico

Isolamento social representou uma queda expressiva no caixa das empresas. Especialistas e representantes da área discutem soluções

Fabrício Santos
Redação Beta
5 min readApr 29, 2020

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(Foto: Luciano Lanes/PMPA)

Fabrício Santos e Thiago Borba

O isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19 impacta diretamente no transporte público, uma área já fragilizada economicamente. Nos primeiros 10 dias de abril, Porto Alegre teve uma queda de 76% na demanda por serviços de ônibus e trem, segundo a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP). O sistema, que custa R$ 52 milhões por mês, está arrecadando apenas R$ 21 milhões.

Para atenuar a grave situação, a ATP tomou medidas para reduzir a circulação dos ônibus na Capital. As empresas de ônibus de Porto Alegre enviaram ofício à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informando novas restrições de horários, em linhas de menor demanda.

Em seu site, a ATP esclarece: “O objetivo é prolongar ao máximo a continuidade do serviço com os recursos disponíveis. Dessa forma, conseguimos priorizar a operação, ao menos, para as pessoas que realizam serviços essenciais na cidade”, explica o engenheiro de transporte da ATP, Antônio Augusto Lovatto.

O reflexo do isolamento social afeta também a Trensurb. Na segunda-feira, 27 de abril, a empresa pública de trens transportou 49.252 passageiros. O número representa uma redução de 68,8% em relação à média de usuários transportados por dia útil na primeira quinzena de março (157.636).

A Trensurb apresentou uma média de 46.8 mil pessoas transportadas nos últimos cinco dias úteis, com pico de 49.252 na segunda-feira, número este que fica 68,8% abaixo da média da primeira quinzena de março, que foi de 157.636. (Arte: Trensurb)

Estes números trouxeram novamente à tona o debate sobre a sustentabilidade do transporte público em um mundo cada vez mais tecnológico e ágil, que já havia se iniciado com a popularização do uso dos aplicativos, como o Uber.

Área é tema de intensos debates

Para o doutor em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador na área de economia dos transportes e mobilidade urbana Adriano Paranaiba, a queda de demanda do transporte público é resultado de uma falta de planejamento na decretação das quarentenas. O que comprometeu a sustentabilidade de serviços como esse, segundo ele, foi a falta de ações organizadas para diversos setores que são essenciais, como o transporte coletivo.

Segundo Paranaiba, o que pode ser feito é uma negociação a respeitos dos prazos dos contratos de concessão, em benefício das empresas, para estimulá-las a continuar oferecendo o serviço. Além disso, de acordo com o pesquisador, existe uma proposta da Associação Nacional de Transporte Urbano de uma criação de um crédito a ser abatido futuramente com as passagens, seria uma antecipação de passagens para garantir receita. “O grande problema por trás tudo isso é um efeito de causa e consequência. Foram decretadas quarentenas sem uma preocupação com os serviços essenciais que devem ser oferecidos”, comenta Adriano.

O presidente da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Roberto Robaina (PSOL), aponta para a falta de transparência do governo sobre o real quadro do setor, e afirma que essa não tem sido a regra nem em tempos normais, sem quarentena. “Isso dificulta muito porque quando não se tem transparência é óbvio que a desconfiança domina. E nós não temos confiança nos empresários, infelizmente são mais de 30 anos que eles prestam esse serviço problemático”, comenta o psolista. Ele completa: “Volta e meia nós tivemos que derrubar aumentos abusivos de passagem na Justiça”.

Antes mesmo da pandemia e os efeitos que ela causaria, o vereador Felipe Camozzato (NOVO) vinha criticando o edital do transporte público da Capital. Para ele, esse formato está fadado ao fracasso e defende uma revisão no acordo. Como consequência desse contrato, segundo o vereador “haverá, ou uma quebra generalizada das empresas, ou forçará a prefeitura a fechar os olhos da fiscalização efetiva daquelas disposições em contrato sob pena dessa quebra generalizada das empresas”. Camozzato sugere, também, a possibilidade de haver desvios de conduta por parte dos concessionários, maquiando custos e valores, para conseguirem operar.

Outra crítica ao acordo firmado entre o município e as empresas vêm do vereador Robaina. Ele cita o lucro garantido por contrato e argumenta “com a crise que nós temos na economia, no mercado a taxa de lucro vai diminuir mas as taxas de lucros das empresas de ônibus são regradas por contrato. Creio que isso é um erro”. Para o psolista, que defende o transporte público e uma revisão global do contrato, o problema é geral, e não só de Porto Alegre. “Tipo de transporte, o incentivo a transporte privado, precariedade nos ônibus, a inexistência de hidrovias, nunca ter investimento em metrô. Esses são os problemas estruturais”, salienta Robaina. Vale salientar que o vereador Camozzato também citou uma alternativa hidroviária para o transporte coletivo da capital.

Contudo, os problemas recentes da queda de demanda no transporte público poderiam ter sido atenuados com um planejamento adequado. É o que aponta Paranaiba. Ele classifica como ineficientes as recomendações passadas às empresas de ônibus para diminuir a frota, não poder transportar passageiros em pé, ter espaço entre as cadeiras para que os usuário mantenham distância. “Para as pessoas entrarem nesse ônibus, vamos dizer, seguro, elas estão se aglomerando nos terminais. Não houve nenhuma contrapartida de como vamos fazer isso”. Para ele, deveria ter sido discutido como compensar essa redução, possibilidade de prolongação do contrato da concessão e de subsídio.

Não restrito a um transporte dependente de investimento estatal, Camozzato salienta que o setor precisa melhorar para atender as necessidades da população. “Que tipo de ações fariam com que tivéssemos um melhor transporte coletivo em Porto Alegre? Quais são os tipos de soluções de mobilidade que interessam aos porto alegrenses?”, questiona o vereador. Ele finaliza pontuando “Porque a gente precisa salvar o atual sistema de transporte? O que nos amarra ao atual sistema de transporte?”

“Hoje vivemos um sistema de transporte que é o mesmo desde o século passado, temos que entender que estamos no século XXI. A sociedade moderna ela é ágil, dinâmica e ela tem formas diferentes de se relacionar, não se trabalha só com a ideia de origem e destino para ter transporte”, Adriano Paranaiba.

(Arte: Fabrício Santos/Beta Redação)

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