Turismo rural, uma alternativa em meio ao caos

As motivações das viagens e as expectativas do turista têm se atualizado, com maior demanda por segurança, controle de higienização e pela busca por ambientes abertos

Ketlindesiqueira
Redação Beta
10 min readMay 11, 2021

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No Brasil já há uma série de empreendimentos rurais que estruturam atividades turísticas. (Foto: Alecson Campiol/Sítio Campiol)

De olho nas novas exigências que a pandemia impõe, propriedades ligadas ao turismo rural precisaram se adequar para proporcionar segurança sem comprometer a experiência. Os proprietários buscaram informações para encarar o novo panorama, de forma a evitar que o prejuízo já esperado ficasse ainda maior. É o caso do balneário Moraes, que precisou diminuir o valor da entrada. Outro exemplo é o Sítio Campiol, onde os passeios são todos ao ar livre e agora as refeições são oferecidas em um quiosque aberto.

Nesse momento, a orientação da Emater/RS-Ascar é de que visitas a pontos turísticos sejam realizadas com muita prudência. A instituição, que está presente em todos os municípios do Estado, presta assessoramento para turismo rural, atendendo cerca de 2.856 famílias.

Mapa das regiões Turísticas Gaúchas assessoradas pela instituição. (Crédito: Emater/RS- Ascar)
Mapa das regiões Turísticas Gaúchas assessoradas pela Emater/RS. (Crédito: Emater/RS-Ascar)

Realidade do turismo rural

Além de restaurante e pousada, a Rodrivaris oferece pesque e pague em quatro açudes. (Foto: Arquivo Pessoal/Pousada Truta Rodrivaris)

Localizada em Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul, a Pousada Truta Rodrivaris desde 1999 possui acomodações distribuídas em 11 cabanas. O proprietário, Flavio Sebastião Silva Rodrigues, destaca que a pandemia afetou diretamente seus empreendimentos. Além da pousada, também possui uma fazenda que desenvolve o turismo rural e um restaurante. “A pandemia nos deixou com menos visitação e hospedagem. Quando as pessoas me ligam para reservar, o primeiro questionamento é se tem muitos turistas na pousada, porque se tiver, eles não gostariam de vir. Sinto que os visitantes estão preferindo lugares mais restritos e com contato com a natureza”, comenta.

Os pratos de trutas custam R$ 55 e a comida campeira R$ 40. Flavio comenta que cogitou a hipótese de diminuir os valores, mas com menos freguesia isso se torna ainda mais difícil. “Quando tínhamos muita demanda no restaurante da pousada, além da família, contratávamos um funcionário. Porém, diante da pandemia, não foi mais preciso. Tivemos uma queda enorme desde março de 2020. Nos dias de semana praticamente não temos mais turistas, sendo que antes a pousada lotava 60% nesses dias, e, aos finais de semana, 90%, sendo alguns lotados”, conta Flavio.

Balneário Moraes oferece cabanas para hospedagem, piscinas, escorregador, tobogãs, campo de futebol, pracinha infantil e venda de produtos artesanais e agroindustriais. (Foto: Arquivo/Balneário Moraes)

Outro exemplo de queda nas visitas foi o Balneário Moraes, no interior de Passo do Sobrado, no Vale do Rio Pardo. O espaço abriu as portas em 2007, e, conforme a proprietária, Márcia Maria Fritzen de Moraes, trabalham no local sete pessoas. O valor da entrada na propriedade é de R$ 10 nos dias da semana e R$ 13 aos finais de semana. Antes da pandemia, a média era de 20 mil turistas visitando o local entre novembro e março.

“Com a pandemia tivemos que reduzir em 50% a capacidade para tomar todos os cuidados de segurança. Em 2020 e até agora em 2021 trabalhamos apenas 45 dias. Nesse período, recebemos 3 mil visitantes, uma queda de 17 mil pessoas se comparado aos tempos de antes da pandemia. É triste e desanimador ver seu empreendimento de portas fechadas”, lamenta. Porém, ela também acredita que os turistas após a pandemia procurarão locais mais perto de suas cidades para visitar, o que pode ser um estímulo para empreendimentos como o de Márcia.

Além das refeições, o Sítio Campiol tem mirante natural com vista para o vale, lagoa e trilha até a base da Cascata do Moinho. (Foto: Alecson Campiol)

Com a pouca procura de turistas para visitar a propriedade, a família Campiol decidiu se reinventar e oferecer aos visitantes todas as atrações ao ar livre. O Sítio Campiol possui um quiosque, onde é servido o café da colônia, com alimentos produzidos no local e preparados pelas mãos da matriarca.

Conforme o proprietário, Alecson Campiol, o valor da entrada é de R$ 5. Ao preço de R$ 20 por pessoa, pode-se acampar no local. Já o café colonial e o almoço ficam em torno de R$ 35 a R$ 50. “Os valores precisaram ser reajustados com a pandemia. No ano passado, na metade de março, em um primeiro momento tudo foi cancelado e ficamos dois meses parados. Com o passar do tempo, a sensação de normalidade foi voltando aos poucos e assim, no final de 2020, tivemos alguns grupos maiores novamente vindo para o café colonial e almoço. À medida que os decretos foram flexibilizando também tivemos um aumento na procura para acampar, justamente por ser um local ao ar livre e contato com a natureza. Antes da pandemia, o sítio sempre estava com muitas pessoas de diversos cantos do estado”, comenta.

Campiol conta que o momento mais difícil ocorreu com o baixo faturamento no início da pandemia. Porém, agora percebe que os turistas estão buscando conhecer mais a própria região. “Nos dois meses que ficamos fechados, não tivemos nenhum retorno financeiro e também houve os gastos com higiene e novas adequações nos serviços em geral, como na alimentação. Acredito que o turismo rural passou a ser mais procurado por questões financeiras e também pelo contato com lugares mais calmos e com menos riscos de contágio”, diz.

A Cabanha Pontin é uma propriedade rural com características gaúchas, como criação de cavalos da raça Crioula e Quarto de Milha e ovelhas. (Fotos: Arquivo Pessoal/Cabanha Pontin)

Outro ponto turístico afetado em consequência da Covid-19 está localizado na região da uva e do vinho, na Linha 19 de Carlos Barbosa, chamado Cabanha Pontin. Conforme a proprietária Marines Pontin, trabalham no local quatro pessoas, todos membros da família. Aos finais de semana, mais dois funcionários dão suporte. Porém, com a pandemia, foi preciso dispensar a ajuda por conta da baixa demanda de turistas.

“Trabalhamos na área do turismo rural há três anos, e sempre recebíamos excursões. Agora permitimos apenas pequenos grupos de amigos ou somente famílias”, ressalta. Com a bandeira preta, o local ficou fechado. As entradas custam R$ 20 para adultos e R$ 10 para crianças.

Turistas procuram espaços mais próximos de suas cidades

Segundo pesquisa da MindMiners (empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital), as motivações de viagens e as expectativas do turista têm se atualizado, com maior demanda por segurança, controle de higienização e pela busca por ambientes abertos e vinculados à ideia de saúde. Mais de 60% dos entrevistados dizem que optam por viagens dentro do país mesmo após o fim das restrições da entrada de brasileiros nos em outros países. As tendências apontam, ainda, que há preferência por viajar em carro próprio para destinos turísticos mais próximos.

A extensionista rural e turismóloga da Emater/RS-Ascar, Fernanda Costa da Silva, diz que diversas propriedades em variadas partes do Estado receberam demanda de pessoas interessadas em visitar espaços rurais, mas foram poucos os proprietários que fizeram registro formal. “Diversas propriedades em variadas partes do Estado atenderam turistas, em diversos momentos da pandemia, com e sem agendamento e, neste último caso, houve registros de turistas que invadiram propriedades para buscar espaços rurais de lazer. A Emater/RS-Ascar tentou implementar controle de atendimentos turísticos em propriedades assessoradas, mas a maioria não aderiu à proposta do registro, assim não temos dados relacionados ao fluxo turístico neste setor”, comenta.

A ênfase que vem sendo dada para o turismo doméstico, com os cuidados como a busca por espaços abertos e por circuitos próximos, traz alguns destaques, dentre os quais estão o turismo rural e o turismo de natureza. Outra pesquisa que também ressalta a procura dos turistas por espaços abertos e próximos de onde moram é a do site de reserva de acomodações Booking.com, que em outubro de 2020 revelou que 71% dos entrevistados esperam que as atrações turísticas se adaptem para garantir o distanciamento físico.

Da mesma forma, 81% dos brasileiros só vão reservar um local se tiverem clareza sobre as medidas de saúde e higiene que foram adotadas. O estudo do site de reservas também indica que 55% dos brasileiros pretendiam conhecer novos lugares na região em que moram e 59% queriam curtir a beleza natural da sua própria cidade.

Dificuldades x benefícios

Turismo rural enfrenta desafio da diminuição de visitantes e consequentemente afeta a renda das famílias. (Foto: Emater/RS-Ascar)

Conforme Fernanda Costa da Silva, neste cenário de pandemia, algumas dificuldades podem ser apontadas, como a diminuição da interação entre locais e visitantes, o que acarreta em perda de qualidade de vida, depressão, estresse, diminuição de integração rural-urbano; dificuldade de acesso a linhas de crédito próprias para trabalhadores do segmento; desemprego/diminuição de renda no meio rural oriunda do turismo e precariedade de comunicação.

“Pessoas antes contratadas temporariamente para atividades do turismo rural não o foram ao longo deste ano de pandemia. As linhas disponíveis no cenário de crise não foram adaptadas para o setor e não é exclusividade do Estado o cenário de precariedade de internet no meio rural, o que dificultou a comunicação antecipada com clientes, para comunicados de agendamento e protocolos a serem seguidos nas propriedades do setor, bem como dificultou a qualificação a distância de tais trabalhadores, em períodos de recesso de atendimento a clientes”, salienta.

Em reposta à Beta Redação, o Ministério do Turismo esclarece que tem realizado diversas ações alinhadas às tendências de mercado para buscar impulsionar as atividades turísticas de forma a contribuir para o crescimento econômico do país e a geração de emprego e renda. Em dezembro do ano passado, o Ministério do Turismo divulgou o Boletim de Inteligência de Mercado no Turismo (BIMT), voltado ao turismo rural. O documento apresenta rotas turísticas por todo o Brasil e informações que vão nortear ações futuras. Vale destacar que 2020 foi o Ano Internacional do Agroturismo e Turismo Rural, instituído pela Organização Mundial do Turismo (OMT).

Em médio-longo prazo, a Organização Mundial do Turismo (OMT), aponta tendência de recuperação do setor em alguns eixos:

a) Turismo no Meio Rural e na Natureza (inserindo-se aí o Turismo Rural);

b) Valorização de consumo de produtos locais/regionais;

c) Deslocamentos menores, ratificando o consumo que chamamos de “Turismo de Proximidade”, feito por um perfil denominado “Turista Cidadão”.

Orientações para visitantes e trabalhadores dos pontos turísticos

“Ao prestarem atendimento turístico, os trabalhadores rurais precisam observar que o uso de máscaras é muito importante no atendimento aos turistas e nas visitas, assim como lavar mãos e braços com água e sabão e fazer uso constante de álcool gel 70%”, orienta a turismóloga Fernanda, que destaca ainda a necessária higienização de itens de uso pessoal, trocando, por exemplo, calçados e roupas antes de interagir com os familiares e outras pessoas.

Outros cuidados imprescindíveis na recepção de turistas, caso o empreendedor opte por atender nesse período, é dar preferência a atividades ao ar livre, mantendo o distanciamento entre as pessoas, não ter contato físico, como aperto de mão ou abraços, nem compartilhar o chimarrão. Para o pagamento por produtos ou serviços, a dica é priorizar o uso de cartão ou depósito bancário. Fernanda também sugere a coleta de dados dos visitantes, notificando datas de chegada e saída. “Isso possibilita acompanhar o estado de saúde deles e, caso necessário, informar qualquer alteração do seu estado de saúde à unidade local responsável”, observa.

“Ao programar um passeio ou visita, é importante esclarecer dúvidas e particularidades sobre o atendimento”, aconselha. Para turistas que pretendem realizar algum deslocamento motivado para conhecer o turismo rural, a dica é consultar o Hotsite de Turismo Rural do RS. Ele apresenta propriedades com as quais os consumidores podem realizar contato direto com os empreendedores.

Pós-pandemia

Professora do curso de turismo do Centro Universitário Metodista — IPA e pesquisadora sobre empreendimentos de turismo rural no Rio Grande do Sul, Aline Morais afirma que essa modalidade turística traz recursos variados de atividades ao ar livre, sem aglomeração, além de se destacar como segmento que apresenta espaços de bem-estar e de qualidade de vida. “As propriedades que se destacaram nesse processo, que se preocuparam com o turista primeiramente, com certeza vão ter um ganho. É importante ressaltar que esse momento é essencial, não só para o ressurgimento e retomada do setor, mas para a preservação da vida. Quando as pessoas optam por um destino de turismo rural, elas estão optando pelo imaginário do rural, que vende qualidade de vida, qualidade de ar, boas experiências, boa comida”, destaca.

Conforme a turismóloga da Emater, Fernanda, as pessoas que atuam na área do turismo e têm negócios em pontos turísticos, para se recuperar após o fim do distanciamento social, precisam investir desde já em boa comunicação, relacionamento com cliente e qualificação. “As últimas publicações da Organização Mundial da Saúde ilustram turismo rural como tendência de consumo em cenário após pandemia. Como turismóloga, eu acredito no turismo como um todo, enquanto fenômeno transformador. Sobretudo, para além de acreditar, sabe-se que a nossa resposta está no planejamento. Ele é necessário para qualquer segmento, sem um planejamento sério e bem estruturado, nenhum negócio turístico terá vez, seja aqui ou em qualquer outro país”, comenta.

Em reposta à Beta Redação, o Ministério do Turismo afirma que o turismo rural tem despontado como um dos setores mais relevantes no contexto do pós-pandemia, impulsionado pelas preferências dos consumidores por viagens de curta distância e atividades ao ar livre. Nesse contexto, com a crise sanitária vivenciada pela pandemia do novo coronavírus, o espaço rural é muitas vezes associado pela população urbana à qualidade de vida. Para o turista, é uma oportunidade de interação com paisagens naturais e experiências e modos de vida diversos em relação aos vivenciados nos centros urbanos.

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