Um acervo de histórias sustentadas por linhas férreas

Museu do Trem de São Leopoldo reúne registros dentro e fora da exposição

Gabriel Reis
Redação Beta
6 min readDec 2, 2022

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Museu do Trem é localizado ao lado do sistema de metrô de São Leopoldo. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

Terça-feira, 22 de novembro de 2022: uma nuvem intensamente acinzentada cobre os céus de São Leopoldo. Em terra, após mais um dia de trabalho, decido ir ao Museu do Trem esperando me deparar com histórias que um dia foram vividas; contadas para uns, mas, por mim, ainda não ouvidas.

Chego. Entro. De imediato me deparo com um monumento homenageando a figura do gaúcho. Sobre as poças de água formadas pelo dia chuvoso, penso: há relento.

Estátua de gaúcho localizada na entrada do Museu do Trem, próximo aos portões. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

Dando os meus primeiros passos rumo ao primeiro espaço de visita do museu, a calmaria então presente se esvai. Uma turma de ensino fundamental retorna ao ônibus após uma visitação. Muitas gargalhadas estridentes, ordenamento e olhares difusos; alguns direcionados a mim, que observava com atenção um fato que potencialmente seria tomado pela desatenção de qualquer outro.

O ônibus com os estudantes retorna para a sua cidade: Dois Irmãos. Enquanto isso, entro no ambiente e registro meu comparecimento. Muitos nomes. Muitas cidades. Quantas histórias cruzaram por este espaço?

A história do museu

Registro de comparecimento preenchido. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

De pronto sou recebido com informações que envolvem a historicidade das linhas férreas locais. Materiais impressos conversam comigo. De banners às imagens, todas tem algo a dizer. Inicialmente, o que mais me contam é sobre o museu em que estou, alegando outrora ter sido uma estação de trem convencional.

Fundado em 1874 e, há 41 anos, transformado em um grande acervo histórico, o espaço em que piso já foi cruzado por muitos vagões que contribuíram para a ascensão socioeconômica da região.

Construída em 1871, a linha férrea local foi feita a mando do empresário escocês John Mac Ginity que, ao se mudar para Porto Alegre no século XIX, inaugurou a Porto Alegre and New Hamburg Brazilian Railway Company Limited. Ao longo de três anos, a empresa elaborou a linha de trem que interligava a Capital Gaúcha à São Leopoldo. Em 1876, a linha foi estendida até Novo Hamburgo.

Em 1920, a malha ferroviária foi encampada pelo Governo do Rio Grande do Sul, na época, sob a governança de Borges de Medeiros. Depois de 37 anos todas as estradas férreas do Brasil receberam status federativo. Ao retornar para a administração privada em 1997, após sequentes 40 anos de funcionamento, o trajeto foi extinto

O museu foi inaugurado em 26 de novembro de 1976 através de um convênio entre a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e o Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. O estabelecimento do acervo histórico ocorreu no espaço que na época era a estação ferroviária de São Leopoldo. Quatro anos depois a estação deixa de funcionar, resguardando o espaço ao museu que, em 1991, passou ao comodato da Prefeitura Municipal de São Leopoldo.

Máquinas chegavam no Rio Grande do Sul diretamente da Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e Estados Unidos já montadas. (Foto: acervo do Museu do Trem)

Histórias que trafegaram pela linha férrea e distintas conjunturas

A conjuntura histórica contextualiza as informações que recebo. Uma pauta que se faz presente em muitos cantos da exposição é a luta trabalhista. Não ocasionalmente, o Rio Grande do Sul é historicamente conhecido como o estado da Região Sul com uma intensa luta trabalhista, vide, sobretudo, figuras históricas como Getúlio Vargas e Leonel Brizola.

Uma história que vai muito além das linhas férreas e atinge aspectos conjunturais é contada.

O museu contempla homenagens e memórias de trabalhadores que passaram pelos vagões e pelas operações das estações. Camisetas do Sindicato dos Ferroviários do Rio Grande do Sul com estampas que se contrapõem à privatização das ferrovias outrora estatais e fotos de trabalhadores que operavam as maquinarias e tecnologias da época conversam com os visitantes.

Poema escrito para homenagear os trabalhadores da antiga estação ferroviária de São Leopoldo. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

Em determinado ponto, uma mostra fotográfica com cerca de 6 fotografias homenageia os ferroviários que trabalharam na linha de Porto Alegre à Novo Hamburgo. O dia 30 de abril foi escolhido para homenagear a categoria, data considerada como o início das operações férreas no Brasil.

Visitantes como protagonistas

Estive sozinho na minha visita. De imediato, não compreendo se é atípico ou uma tendência. Os muitos nomes da ficha de entrada me dizem que essa dúvida é irrelevante. Todos os dias que o museu esteve aberto contam com ao menos um nome de visitante. Os interessados pela cultura existem, ocasionalmente, não estive acompanhado nesta terça-feira escura.

Após sair do estabelecimento de entrada do museu, fui em direção às maquinarias de outro tempo postas à exposição. Alguns estão disponíveis para visitantes entrarem nos vagões e contemplarem.

Entro. Sinto. Não vejo, mas considero impossível que estes corredores não tenham sido palco de brincadeiras de crianças ou protesto de artistas de rua.

Trens antigos postos à exposição foram grafitados. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)
Interiores de trens à exposição no Museu do Trem são conservados e abertos para visitação. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

Visitas escolares parecem ser uma propensão. A pedagogia valoriza o acervo cultural ao propor agendas extra-classe.

Após descer do vagão, me dirijo ao segundo estabelecimento dentro do museu que dispõe de uma outra parte do acervo histórico. Próximo a entrada, os funcionários do museu trabalham olhando atentamente para seus computadores. Ao lado da porta de entrada da sala deles há um quadro com anotações sobre visitas de turmas escolares, que é imediatamente contemplado por mim. Turmas de 5° e 6° ano são as com maior número de registros.

Do outro lado da sala uma exposição me intriga. Trinta quadros desenhados por crianças de uma escola local de educação infantil preenchem uma parede branca. Todas as pinturas procuram homenagear o Museu do Trem pelos seus 45 anos de existência: celebração ocorrida em novembro de 2021.

Homenagem em comemoração aos 45 anos do Museu do Trem feita por crianças da educação infantil. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

Em busca da catarse final

Após múltiplos cliques, contemplações e trajetos obtusos pelos espaços, sinto que minha visita se aproxima do fim. Após olhares intensos para a cultura anseio por um encontro com a catarse para encerrar minha visita. Procuro intensamente pelo não-visto. Observo atentamente o que a minha atenção deslocada esfumaçou.

Um silêncio toma conta de todos os ambientes. Escuto somente os meus passos em direção de um clímax conclusivo.

O desvisto não é visto. A sensação de ter contemplado o todo toma posse de mim. Próximo a entrada do museu, já me preparando para ir embora, olho para os registros no livro de visitantes e me deparo com mais dois nomes assinados após o meu. Enfim sinto que me deparei com a catarse que desejava. Não vi o desvisto, mas sei que ele está aqui. Novas histórias tomarão forma e não estarei aqui para vê-las.

Monumento e placa localizados ao lado da entrada principal do museu. (Foto: Gabriel Reis/Beta Redação)

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Gabriel Reis
Redação Beta

Estudante de jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pesquisador no laboratório DigiLabour.