Um coração de luto que mudou o cinema gaúcho

Como o filme “Coração de Luto” iniciou a história cinematográfica de Teixeirinha e mostrou o povo do campo nas telonas

Henrique Bergmann
Redação Beta
5 min readOct 19, 2019

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Teixeirinha foi um marco no cinema gaúcho e brasileiro. Além dos milhões de discos vendidos como cantor, também levou uma média de quase 1 milhão de pessoas por filme (foram 12 no total) às salas de cinema, segundo a fundação dedicada à trajetória do artista.

A história de Teixeirinha no cinema começou com o filme de 1967 Coração de Luto, que é baseado na música de mesmo título e na própria história de vida do cantor. A ideia de realizar o filme partiu da produtora Leopoldis-Som, importante no cenário gaúcho da época. Daniel Feix, escritor da biografia do músico — em pré-venda, pela editora Diadorim — , explica que a ideia da Leopoldis-Som de fazer o filme surgiu pois na época no Brasil existia uma “onda” por películas com tema e personagens do campo, os chamados “caipiras”.

“Após o grande sucesso dos filmes de Mazaroppi nos anos 50, vários artistas regionalistas e caipiras do Brasil começaram a estrelar no cinema. E a Leopoldis-Som, vendo a enorme popularidade de Teixeirinha, convidou o músico para contar sua história nas telonas”, diz Daniel, que também é editor de Cultura do jornal Zero Hora.

Cartaz do filme “Coração de luto”. (Imagem: Leopoldis-Som)

O filme conta a história real de Vitor Matheus Teixeira, o Teixeirinha, morto em 1985. A produção relata principalmente a infância de Teixeirinha na fazenda, já mostrando a paixão dele pela música, sempre tendo o violão a tiracolo. Retrata também sua trajetória como músico até alcançar o sucesso, mesmo após a trágica morte da mãe, vítima de um incêndio na própria casa em Passo Fundo. Culmina com sua ida a Porto Alegre, onde se torna o grande astro da música feita no Rio Grande do Sul.

O filme fez um sucesso enorme na época. O número exato de espectadores é desconhecido, dado as dificuldades de contagem daquele tempo. Daniel conta que, pesquisando em matérias e reportagens dos jornais gaúchos no ano de lançamento da produção, o longa deve ter levado mais de 2 milhões de pessoas às salas de cinema. Para o biógrafo, o sucesso de Coração de Luto serviu para mostrar a Teixeirinha uma nova maneira de comunicação com o público. Era um novo jeito de levar suas canções aos ouvidos das pessoas.

Entendendo e vivenciando a experiência de atuar em Coração de Luto, Teixeirinha enxergou a oportunidade de continuar trabalhando com cinema. Porém, passou a fazer os filmes do jeito dele. Entendia que para esse projeto funcionar ele precisava ter controle de todas as ações que envolvem produzir um filme. Para isso, o compositor de Querência Amada resolveu fundar a própria produtora, a Teixeirinha Produções Artísticas, ato que mudaria sua vida e o rumo do cinema nos Pampas.

Daniel explica, entretanto, que nos 11 filmes produzidos e criados na Teixeirinha Produções, a lógica de Coração de Luto foi mantida: Teixeirinha como o personagem principal, interpretando o mocinho que também é cantor. A única diferença em relação à primeira produção é que agora os filmes eram de ficção.

“Em todos esse filmes ele é o cantor popular. Sempre uma história com característica popular, dialogando com o grande público”, afirma o jornalista. Outra marca dos filmes produzidos por Teixeirinha era a presença de Mary Terezinha, sua parceira musical e nas telonas também. Igualmente seguia um padrão em suas personagens: era sempre a protagonista feminina, a donzela que no final das histórias se apaixonava pelo protagonista, neste caso, Teixeirinha, com quem foi casada na vida real.

Teixeirinha em “Coração de Luto”, já como o astro da música gaúcha. (Foto: Leopoldis-Som)

Daniel também relata que esse formato na construção dos personagens e no uso incessante de canções foi inspirado no filme O Ébrio, de 1946, estrelado pelo grande expoente da música brasileira dos anos 40, o ítalo-brasileiro Vicente Celestino. Para o biógrafo, os longa-metragens de Teixeirinha conseguiram aproximar ainda mais o artista de seu público, já que, além das músicas cativantes, a sempre fiel representação do gaúcho fizeram com que o povo criasse ainda mais amor pelo cantor.

Um símbolo esquecido na cultura gaúcha

Apesar da grande força e importância cultural, Teixeirinha parece ter sido deixado de lado na história pelo grande público. É o que pensa o documentarista Claudinho Pereira, que está produzindo um filme sobre a vida do artista. “O preconceito dessa sociedade burra fez com que o Teixeirinha seja pouco lembrado hoje em dia. Ele conseguia levar o povão no cinema. Isso trouxe muito preconceito e descrédito para seus filmes perante a elite cinematográfica”, afirma.

Para Pereira, as produções do artista são de extrema relevância, pois são o que se chama de filme referência. Ele explica que esses longas-metragens conseguem transmitir a visão, os costumes e as peculiaridades da sociedade em determinada época. Para o Rio Grande do Sul, os filmes de Teixeirinha relatam uma considerável parte do gauchismo nas décadas de 60, 70 e 80.

A diretora executiva da Fundação Teixeirinha e filha do músico natural de Rolante, Márcia Bernadete Teixeira, compartilha da mesma opinião. Para ela, seu pai “foi um marco da história e cultura do sul do Brasil”, além de os filmes e as canções dele servirem como um espelho para entendermos o povo gaúcho naquela época.

Márcia também lamenta que filmes como os de seu pai não sejam mais feitos por aqui. “Hoje, quem faz cinema no Rio Grande do Sul não faz para o povo. Quem faz cinema no Rio Grande do Sul procura sempre atingir a elite. Filmes que relatam a vida dos gaúchos e gaúchas de verdade não têm visibilidade”, diz.

Assistir aos filmes de Teixeirinha atualmente é difícil. É possível encontrá-los apenas em sites de revenda de produtos ou na loja da fundação, na Rua Andrade Neves, 100, Centro Histórico de Porto Alegre. Em grandes lojas ou serviços de streaming de filmes não é possível achar as produções cinematográficas do artista.

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