Professor com baixa visão é exemplo de superação em Santa Margarida do Sul
Evandro Ávila critica o sedentarismo entre as crianças e destaca benefícios da Educação Física para o desenvolvimento motor
Não há dúvidas de que o esporte tem papel fundamental na formação dos jovens. Mas a prática também pode auxiliar na inclusão de pessoas com deficiência. No interior do Rio Grande do Sul, um professor de Educação Física tem incentivado alunos de escolas públicas a praticarem atletismo.
O esporte apareceu na vida de Evandro Ávila Ferreira, 41, quando ainda era criança. Natural de São Gabriel, aos sete anos ele descobriu que sofria de uma doença genética e degenerativa que, gradativamente, foi danificando sua visão. Denominada retinose pigmentar, a doença não tem cura — o que existe são apenas tratamentos para retardar os sintomas.
Na trajetória de Evandro, o diagnóstico representou mais um desafio do que uma dificuldade.
“A doença se manifestou quando eu tinha sete anos e minha mãe me deixou livre, ou seja, ela não fez o que hoje em dia os pais das crianças normais fazem. Minha doença é degenerativa, mas ela me deixava solto, eu caía e levantava, batia a cabeça. Agucei os meus sentidos assim, na prática. Às vezes, as pessoas me olham e não acham que eu tenho deficiência, pois a minha funcionalidade ainda é boa”, conta.
Durante a fase escolar, Evandro enfrentou um problema que afeta inúmeras crianças e adolescentes, o bullying. As piadas e brincadeiras de mau gosto feitas pelos colegas sempre diziam respeito à sua condição. “Quando eu tinha 10 anos era muito discriminado na escola, justamente pela minha deficiência. Hoje em dia o bullying é crime, mas naquela época é que sofríamos”, recorda.
Evandro não vacilou quando surgiu a oportunidade de participar de uma equipe de atletismo. Passou por todas as seletivas e conseguiu ser escolhido. A discriminação por parte dos colegas foi tão resistente quanto ele. “Eles diziam (para o professor): ‘Como o senhor vai manter um ceguinho na equipe?’. Ele respondia que eu estava ali por mérito”, lembra. Em uma época em que a modalidade de esportes paralímpicos nem existia, o estudante com problemas de visão competia nas provas de corrida e revezamento de igual para igual com os colegas. E ganhava.
Ao longo dos anos, o que começou como diversão na escola virou profissão. Evandro cursou Educação Física na Universidade da Região da Campanha (URCAMP) e, desde 2003, trabalha como professor do Ensino Fundamental na EMEF Rodrigues Alves, em Santa Margarida do Sul, cidade com 2.5 mil habitantes localizada a 280 km de Porto Alegre. Todos conhecem o professor na Região da Campanha. Com uma história de superação como a sua, Evandro costuma incentivar os alunos a praticarem exercícios físicos.
Josiane Maria Custódio, mãe de João, um dos alunos de Evandro, conta que os filhos passaram a praticar esporte por causa do apoio e do estímulo do professor. “O João começou a gostar de esporte por causa do Evandro. Nunca foi muito fã de Educação Física, mas o Evandro virou seu professor preferido. Ele tinha problemas na escola, mas passou a interagir melhor, joga futebol e hoje faz até aulas de karatê”, relata a mãe.
Para Evandro, estimular as crianças a se aproximarem das atividades físicas é de grande importância, pois evita que vivam de forma sedentária, em frente do computador e da televisão.
“As crianças hoje em dia ficam só no celular e no videogame. Elas não vivenciam mais a infância nos campinhos de futebol, onde podem brincar, correr e jogar bola”, critica o professor, relatando que, na escola, há crianças com problemas de equilíbrio ou mesmo com dificuldades para executar brincadeiras básicas. “Algumas crianças não sabem cair, nem correr ou andar rápido. E isso fazemos na escola, esse desenvolvimento motor dos pequenos”, enfatiza.
Evandro é professor das séries iniciais da Rodrigues Alves, cujos alunos participam de competições escolares desde 2013. Para ele, o que importa não é a vitória de seus pupilos, e sim a própria disputa. “Sempre falo: o importante não é ganhar, e sim competir. Meu alunos falam ‘ah, professor, eu não ganhei nenhuma medalha’, então eu digo ‘o importante não é a medalha. Eu quero ver vocês competindo, participando, fazendo uma atividade física”, diz.
O fato de Evandro ter a visão reduzida não o impede de dar aulas ou, até mesmo, cuidar de seus alunos. “Parece incrível, mas com o passar dos anos aprimorei meus outros sentidos. Hoje, reconheço cada um pela voz. Eles podem estar do outro lado da quadra conversando que eu sei o que estão fazendo”, conta.
Entusiasta das competições, o professor já acompanhou seus alunos em diferentes desafios. “Quanto mais gente eu puder levar para o esporte, fazer como que o esporte ajude em alguma coisa, vou fazer. No início eles têm um pouco de resistência, mas depois que conhecem e participam, ficam apaixonados. Eu tento usar isso para mantê-los na escola, como um incentivo”, explica.
Filha mais velha de Josiane, Michele Custódio, 24, foi aluna de Evandro. Para a estudante de Engenharia Mecânica, ele foi um dos melhores professores que encontrou em todos os anos escolares. “Era um professor que realmente nos ensinava Educação Física, desde aulas de dança até futsal e futebol. Atletismo eu não fiz, mas uma galera fazia e gostava muito. A visão dele nunca atrapalhou em nada. Às vezes acho que enxergava melhor que todos nós juntos”, brinca.