Monarquia: um sistema que não deu certo

Apesar da experiência tumultuosa do Brasil com o regime imperial, ainda há simpatizantes que pedem a volta da monarquia

Beta Redação
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6 min readJun 14, 2018

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Por Fernanda Salla e Mariana Artioli

O mundo parou por algumas horas para assistir ao casamento real britânico, que ocorreu no último dia 19 de maio de 2018. No Brasil não foi diferente, muitas pessoas acordaram cedo para assistir a um dos momentos mais importantes da monarquia do Reino Unido: o casamento de um príncipe. Esse “prazer culposo” pelo interesse de uma família monárquica e suas tradições é normal, pois até mesmo o Brasil já passou por um sistema de governo monárquico. Mas afinal, o que é a monarquia?

Uma das últimas imagens da família imperial brasileira, em meados de 1890. (Foto: Otto Hees)

Monarquia é basicamente um regime no qual um rei/rainha, imperador, príncipe ou czar, comanda um país como chefe de Estado e a transmissão de poder ocorre de modo hereditário, sendo passado normalmente de pai para filho. Porém, há casos de disputas dinásticas, é o que explica a historiadora Gabriele Rodrigues de Moura. Segundo ela, não há qualquer possibilidade de eleição de um monarca e o seu governo é vitalício ou até que o mesmo abdique do trono, como nos casos do rei Eduardo VIII, na Inglaterra, em 1936, ou como ocorreu no Brasil com D. Pedro I, em 1831, só que por motivos diferentes. As monarquias se dividem, atualmente, entre Parlamentar, Constitucional Parlamentar, Absoluta, Constitucional e Constitucional Federal.

O sistema monárquico possui alguns elementos fundamentais para sua compreensão, o acúmulo das funções estatais sob o domínio do monarca é um deles. “Ainda existem governos de característica absolutista, mas na maioria dos países estes poderes se tornaram limitados pelo Parlamentarismo ou Constitucionalismo”, explica Gabriele. Além das questões de vitaliciedade e hereditariedade já comentadas, a historiadora também diz que a irresponsabilidade política com relação aos atos governamentais é uma das características fundamentais da monarquia. “Um rei não pode passar por um processo de impeachment. Para que haja a queda de um governo monárquico, seria necessária uma revolução como as que ocorreram na França, em 1789, ou na Rússia, em 1917”, esclarece.

Mas e se houvesse a volta da monarquia no Brasil, como no caso da Espanha, que renegou seus reis em 1931, mas voltou a adotar o regime monárquico em 1975? Será que isso funcionaria em nosso país? A historiadora explica que a Espanha passou por períodos que foram de uma República Presidencialista até um Golpe de Estado e instauração de uma ditadura que desqualificaram a figura do rei diante de todo o Estado espanhol, o que fez com que houvesse uma celebração à possibilidade de eleições municipais e o abandono, quase que total, do apoio popular ao rei Afonso XIII, em 1931. Com a Guerra Civil Espanhola, se instalou o Regime Franquista (Regime comando por Francisco Franco) que trouxe um período de terror e massacres, que acabaram servindo como uma “propaganda” para um iminente retorno da monarquia. “No caso do Brasil, a instauração da República em 1889, não obteve apoio da população, sendo que muitos sequer sabiam que o imperador Dom Pedro II havia sido deposto pelo exército. Além de que há um distanciamento temporal muito grande entre a saída de Dom Pedro II e a ideia de um retorno à monarquia no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Espanha”, justifica Gabriele.

Para a historiadora, devemos considerar as dimensões continentais de nosso país, as diferenças culturais e regionais, as ideias políticas que cercam determinados estados brasileiros, o que dificultaria um substancial apoio para que os descendentes dos Bragança pudessem ascender ao trono e reinstaurar o Império.

Monarquia no Brasil na contemporaneidade

Por mais que casamentos sejam comentados e vez ou outra se ouça falar sobre regimes monárquicos, principalmente o inglês, não é habitual o assunto ser pautado no Brasil como uma possível realidade. Contudo, grupos organizados nas redes digitais não só existem como possuem público.

Provavelmente o maior grupo de circulação no Facebook, principal site de rede social mundial, é o “Pró Monarquia”, que conta com mais de 87 mil curtidas. Em seguida, “Monarquia Brasil” e “Movimento de Restauração da Monarquia no Brasil” também têm destaque com mais de 60 e 51 mil curtidas, respectivamente. Contatados pela Beta Redação, apenas o grupo Pró Monarquia retornou disposto a conversar, mas houve conflitos de agenda.

Grupo com maior expressão, o Pró Monarquia possui site no qual há seis categorias: O Brasil Imperial; A Família Imperial; Herdeiros do Porvir; Concertos de Natal; Quem Somos; e Fale Conosco. O primeiro item remete à história do Brasil, com um índice de acordo com a ordem cronológica e um resumo sobre quem era a Família Real e o que fizeram. O segundo item é destinado à família que deveria ter seguido a ordem de sucessão da Monarquia, ou seja, quem deveria pertencer à Corte atualmente (ou que deveria ter pertencido e já não está mais vivo(a). Em Herdeiros do Porvir, há quatro entrevistas com “príncipes” e “princesas”, todas em texto. O item de Natal nada mais é do que um cadastro disponível para simpatizantes da Monarquia se reunirem em um evento no Natal.

S.A.I.R o Príncipe Imperial do Brasil Dom Bertrand de Orleans e Bragança em protesto na Av. Paulista. (Foto: Facebook Pró Monarquia)

A linguagem é respeitosa à Corte como se houvesse o regime monárquico no país. Tanto nomenclaturas como “príncipe” e “princesa” como termos formais “Vossa Alteza” e “Vossa Excelência” são vistos durantes as escritas. Contudo, é por meio do item “Quem Somos” que podemos compreender a origem, em 1990, de um grupo que tem por finalidade, de maneira óbvia, “promover, orientar e coordenar iniciativas voltadas à restauração do regime monárquico de governo no Brasil, observada a legitimidade dinástica”. Há até um ideário de propostas básicas aprovado pelo “Chefe da Casa Imperial do Brasil Sua Alteza Imperial Real (S.A.I.R) o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança”, que pode ser conferido clicando aqui.

No Facebook, a página presta uma espécie de assessoria à quem acreditam ser os príncipes e princesas do Brasil na atualidade (ou seja, a família de Orleans e Bragança). Por meio de textos, fotos e vídeos, fala-se sobre quem são, recordam memórias, parabenizam em aniversários e postam a agenda dos príncipes. Os posts sempre possuem interação e por mais que alguns comandos de risadas (disponibilizados pelo Facebook, assim como o “curtir”) sejam visíveis em determinadas postagens, a maioria das interações em comentários se dá por meio de apoiadores ao regime monárquico. Muitas reclamações sobre a conjuntura política atual também são vistas nos comentários, mesmo que não tenham nenhuma relação com o post em si.

Alguns monarquistas brasileiros utilizam argumentos como o de que o Imperador será o elo entre os 27 estados brasileiros, porque não é vinculado a nenhum partido político, ou de que um rei poderia moralizar o Legislativo e que a monarquia eliminaria uma das principais fontes de desvio de dinheiro do Brasil, a corrupção. Para Gabriele, estes argumentos são baseados na Constituição de 1824, promulgada por Dom Pedro I, em que o Imperador tinha um poder moderador absoluto. “Sabemos que as questões de corrupção no Brasil são anteriores ao Império e se mantiveram durante e após a deposição de Dom Pedro II e a instauração da República. São diversos tipos de corrupção, que iam desde a troca de favores comerciais até a venda de títulos nobiliárquicos, o que nos traz a reflexão de que a mudança do sistema político não alterará tais questões morais, enquanto se mantiver o ‘jeitinho brasileiro’ imperando culturalmente em uma boa parte da população”, finaliza a historiadora.

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A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias.