Valorização da literatura feminina é foco de projeto em São Leopoldo

Grupo Leia Mulheres tem encontros na cidade desde dezembro de 2018 e é organizado pelas redes sociais

Graziele Iaronka
Redação Beta
5 min readApr 5, 2019

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Realizado em março, o último encontro do projeto Leia Mulheres São Leopoldo ocorreu na Praça Amadeo Rossi. (Foto: João Roberto Silvestre/Divulgação)

Livros permitem que o leitor conheça novos mundos e experimente diferentes realidades. Porém, a produção literária no Brasil ainda é um reflexo de uma sociedade embebida no machismo: entre 2005 e 2014, mais de 70% dos livros publicados no país eram assinados por homens. Desses títulos, 97,5% eram de autores brancos. A pesquisa que levantou esses dados foi desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) e expressa a urgência que a literatura tem de diversificar sua produção e, invariavelmente, o seu público.

Foi a partir da vontade de compreender outras vivências, de trocar ideias e de reunir pessoas que surgiu o Leia Mulheres São Leopoldo, versão local de um projeto idealizado em São Paulo. Mediada pela jornalista Mariana Blauth e pela relações públicas Giulia Silvestre, ambas com 24 anos, a iniciativa no Vale do Sinos ganhou vida a partir do Instagram Página.Cem, perfil dedicado à divulgação de resenhas de livros. Com a criação da página, ambas as mediadoras sentiram necessidade de falar sobre livros e mulheres fora do mundo online. “Sempre gostamos de ler mulheres, o que casou perfeitamente com esse projeto que já existe em várias cidades do Brasil”, explica Mariana. As criadoras enfatizam que, em função do mercado editorial não valorizar tanto a literatura feminina, ler autoras é fundamental para empoderá-las e trazer à tona discussões de temas intrínsecos às mulheres, como o feminismo e a luta LGBT.

“A Vegetariana”, da autora Han Kang, será o livro do encontro de abril. (Foto: Marion Blauth/Divulgação)

O primeiro encontro do grupo ocorreu em dezembro de 2018, no centro cultural de São Leopoldo Primeira Reza. Já na largada, a roda de conversa contou com aproximadamente 30 participantes e teve como discussão central a leitura do livro O Conto da Aia, da autora canadense Margaret Atwood. Em abril, será debatida uma autora oriental, Han Kang, com o título A Vegetariana.

Mariana e Giulia salientam que o espaço é aberto para todos os gêneros e que os encontros duram, em média, uma hora e meia. “Se deixar, o grupo fica o dia inteiro conversando sobre os livros”, revela Mariana. A escolha do títulos ocorre por temáticas, que são organizadas pelo próprio grupo. Após a seleção dos livros, é feita uma votação no grupo do Facebook. Os participantes têm um mês para fazer a leitura do escolhido da vez.

Para conquistar ainda mais leitores e deixar títulos mais acessíveis, a iniciativa conta com descontos para os livros selecionados na livraria Noble (10%) e na livraria T&G Books (15%), ambas de São Leopoldo. “Nem todos os participantes são associados em bibliotecas, por isso, pensamos no desconto. Assim que o livro é escolhido, uma das organizadoras avisa os estabelecimentos”, enfatiza a jornalista.

O próximo encontro do Leia Mulheres irá ocorrer no dia 27 de abril. Para participar, basta ver as instruções no evento do Facebook. Para criar o grupo em outras cidades, Mariana e Giulia explicam que não há mistério. “É preciso conversar com as idealizadoras do projeto, localizadas em São Paulo. Fizemos a solicitação por e-mail. Cada cidade conta com um grupo no Facebook”, detalha a Mariana.

Ao falarem do crescimento do projeto, Mariana e Giulia revelam suas expectativas com os próximos encontros do grupo. “Nosso objetivo é alcançar novas pessoas, novos espaços”, enfatiza Giulia, que acredita que é esse o verdadeiro papel da literatura.

Inspiração real para a sala de aula

Alguns dos participantes do Leia Mulheres São Leopoldo levam a essência do projeto para o seu cotidiano. É o caso da professora de literatura Carolina Sá Mendes, 37 anos, que conta que viu na iniciativa a possibilidade de ter contato com diversos pontos de vista sobre a mesma história e ler livros que não procuraria por iniciativa própria.

Ao participar do seu primeiro encontro, Carolina, que dá aulas há 15 anos, percebeu que para criar um clube só precisava de duas coisas: um lugar para sentar e um livro que foi lido. Foi a partir daí que criou um clube de leitura na Escola Estadual Olindo Flores da Silva, onde ministra aulas. “Conversei com o diretor em fevereiro e apresentei a proposta do clube do livro. Expliquei como funciona o Leia Mulheres e adaptamos a ideia para a nossa realidade”, comemora Carolina.

A professora conta que não costumava se preocupar em ler obras de mulheres e, quando lia, não dava a importância merecida. Participar do grupo mudou o ponto de vista dela em relação à produção literária feminina e à realidade na qual está inserida. “Desde que o grupo começou, coloquei em prática muitos projetos e ideias inspiradas pelas autoras e pelas pessoas com quem divido essa experiência”, explica Carolina.

Com participantes fiéis, o grupo já leu as obras: “O Conto da Aia”, “Quarto de Despejo”, “A Cor Púrpura”, “A Elegância do Ouriço”. (Fotos: João Roberto Silvestre/Divulgação)

A importância das mulheres na literatura

Conforme contextualiza a escritora e professora de Comunicação e Letras da Unisinos Mariléia Sell, até o século XIX, havia pouca participação das mulheres na literatura por variados motivos. Além disso, muitas escritoras não podiam assinar suas obras, e por isso temos tantos livros apócrifos ou assinados com pseudônimo. “Ter mais mulheres autoras começa a promover um equilíbrio entre as representações sobre o mundo”, comenta Mariléia.

A professora ressalta que não existe uma leitura que seja atribuída ao gênero, pois ela é essencial a todos. “A literatura como uma expressão da arte é muito importante, pois dá aos leitores e leitoras elementos simbólicos para significar o mundo, a si mesmo, o contexto em que está inserido”, diz, ressaltando que quanto mais lemos, mais desenvolvemos a nossa capacidade de interpretar e de significar.

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Graziele Iaronka
Redação Beta

Estudante de Jornalismo e criadora da Costurinhas de Amor