Venezuela, crise sem solução à vista

Embora seja país vizinho, dificilmente o Brasil será afetado

Juan Gomez
Redação Beta
4 min readMay 22, 2019

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Canoas e Esteio são os municípios que mais recebem Venezuelanos refugiados no RS. (Imagem: onestopmap/Pixabay)

A crise na Venezuela vem ganhando contornos trágicos há um bom tempo. O país vizinho vive a maior recessão de sua história: são mais de quatro anos de retração econômica, segundo anunciou a Assembleia Nacional (o parlamento venezuelano). A dimensão do colapso pode ser vista nos números do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo dados coletados pela BBC, entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que, neste ano, caia mais 15%.

A economia na Venezuela é dependente e pouco diversificada. A maior parte de sua renda está no petróleo, produto abundante no país, mas de valor oscilante. Itens de necessidade básica não são produzidos no país, dependendo da importação de países próximos, entre eles, o Brasil. Além de perder essa capacidade de importar, o país não pôde manter os investimentos sociais.

Para o cientista político e professor nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo da Unisinos Bruno Lima Rocha o momento econômico do país é uma consequência do seu passado político. “A partir de 1958, quando teve o fim da ditadura, a Venezuela se estabeleceu como uma democracia formal na América Latina. Era uma democracia formal muito pobre. Existia um pacto chamado de ‘Punto fijo’, em que a indústria petrolífera da Venezuela (PDVSA) praticamente não pertencia aos venezuelanos. A indústria do petróleo era uma fonte de enriquecimento dos controladores, e não uma fonte para segurar a economia do país. Aí está o problema, e a partir daí, a Venezuela passa por momentos de tensão interna, com guerrilhas, repreensão social e muita pobreza”, explica.

Apenas em 2002, com Hugo Chávez como presidente, o país começou a controlar a indústria petrolífera para que o faturamento ficasse para a Venezuela e não para os seus executivos. Lima destaca que, após esse período, começa o momento áureo do Chavismo. “Logo, em 2003, ocorre o ‘Paro petrolero’, um locaute entre os diretores da empresa e o Sindicato Petrolero, que era muito vinculado aos partidos políticos. Nessa queda de braço, Hugo Chávez vence, o país começa a sofrer com a perda dos termos de troca e o petróleo passa a valer menos”, conta.

O cientista político alerta para um outro problema seríssimo da Venezuela, que é o fato de não produzir o alimento que consome. “O alimento deixou de ser um produto de primeira necessidade para ser, na economia doméstica, o produto mais valioso. Grandes grupos atacadistas começaram a armazenar bens e não distribuir, ou seja, forçar uma escassez de mantimentos”, relata. “O problema da Venezuela, assim como todo o país que tem pouca indústria, é que depende muito da importação. Com a perda dos termos de troca mais o bloqueio econômico, hoje, o maior fator de enriquecimento na Venezuela é a importação de alimentos e o contrabando”, conclui.

Mesmo com a crise se agravando cada vez mais, Lima indica algumas possíveis medidas que podem ser tomadas para melhorar a situação econômica do país. “A Venezuela vai se obrigar a caminhar para algum tipo de economia paraestatal porque não tem mais empresariado no país. Houve fuga de capitais. Podem rumar também para um pesadíssimo investimento externo ou criar uma moeda virtual complementar, como o ‘petro’, que já está sendo implementada no país”. Ele ressalta ainda que os venezuelanos não podem depender do dólar.

Apesar de ser país vizinho, Lima acredita que a crise na Venezuela não afetará muito os brasileiros. “Fora o fornecimento de energia elétrica para Roraima, não tem maiores consequências para o nosso país”, afirma.

Migração dos venezuelanos

A situação caótica provocou uma forte onda migratória de venezuelanos para os países vizinhos da América Latina, principalmente o Brasil. Em novembro de 2018, a ONU informou que três milhões de venezuelanos já tinham deixado o país.

Assessor Técnico da Unidade dos Povos Indígenas e Direitos Específicos e diretoria de Direitos Humanos, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Rodrigo Ciconet Dornelles, explicou um pouco a situação dramática que o povo venezuelano está vivendo. “Muitos fazem o trajeto até o Brasil caminhando. Eles começaram a migrar de uma forma não regrada para fugir da crise. Cada vez mais existe esse movimento pendular diário para acessar alguns produtos e recursos na fronteira”, conta.

Em fevereiro do ano passado o Brasil acabou adotando uma medida para regular a assistência e todo o acolhimento possível aos venezuelanos. Segundo Dornelles, nosso país já conseguiu interiorizar mais de seis mil venezuelanos, com destaque para o nosso Estado. “O Rio Grande do Sul é o estado que mais acolheu até agora. Foram aproximadamente mil, a maioria dividida entre Canoas e Esteio. Porto Alegre acabou não aderindo a esse programa de interiorização pois não recebeu verba para fazer o gerenciamento dessa população”, destaca.

A Coordenadoria-Geral do Trabalho, Emprego e Renda, por meio da equipe do Sine Municipal, realiza um trabalho contínuo de cadastro e acompanhamento dos venezuelanos para acesso ao mercado de trabalho. Até o início deste ano, dos 45 adultos aptos, dez foram empregados e 14 estavam em fase de contratação. Dornelles explica que não é fácil e muito menos rápido para os venezuelanos conseguirem um emprego. “O solicitante de refúgio só pode providenciar uma nova documentação, como carteira de trabalho, quando receber a aprovação do seu pedido. A partir daí podem ser contratados por alguma empresa”, finaliza.

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