Vereadores de Porto Alegre articulam criação de emendas impositivas em nível municipal

Se projeto for aprovado, prefeitura será obrigada a executar demandas indicadas pela Câmara

Paulo Egídio
Redação Beta
4 min readJul 1, 2019

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Texto determina que 0,65% da receita corrente líquida do município ficaria à disposição dos vereadores (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

Os vereadores de Porto Alegre podem dar a si mesmos o direito de propor emendas impositivas ao orçamento do município, destinando por conta própria recursos para obras, entidades ou serviços na Capital. O mecanismo é semelhante ao que acontece na Câmara dos Deputados, em que os parlamentares federais escolhem para onde querem destinar recursos.

O projeto de lei que regulamenta a prática a nível municipal foi apresentado por Cassio Trogildo (PTB) no dia 12 de junho, recebeu assinatura de outros 29 vereadores e já está apto para ser votado em plenário.

O texto determina que 0,65% da receita corrente líquida do município (o que equivaleria a cerca R$ 37 milhões, em números de 2019) ficaria à disposição dos vereadores, que escolheriam sua destinação. Metade desse montante, conforme o texto, deverá ser aplicado na área da saúde.

Na prática, o chamado “orçamento impositivo”, daria mais poder ao Legislativo municipal, que não precisaria mais de aval ou de vontade política da prefeitura para destinar verba para algum serviço. Atualmente, os vereadores podem propor emendas ao orçamento, mas a execução não é garantida.

Tomando por base o orçamento aprovado para este ano, se o mecanismo estivesse em vigor no ano passado, cada um dos 36 vereadores teria à disposição 1,025 milhão em 2019. A Lei Orçamentária Anual (LOA), que define o orçamento anual do município, é votada na Câmara no final do ano anterior. Se aprovada em tempo hábil pelos vereadores, a iniciativa entraria em vigor já em 2020, ano de eleições municipais.

A proposta de Trogildo garante que, caso haja “impedimento de ordem técnica”, a emenda deixará de ter execução obrigatória. Neste caso, a prefeitura teria 120 dias para enviar à Câmara a justificativa do impedimento e o Legislativo indicaria, em um mês, o remanejamento dos recursos para outra demanda.

Por se tratar de uma alteração na Lei Orgânica de Porto Alegre, o projeto precisa de 24 votos favoráveis para ser aprovado, em dois turnos de votação, com um intervalo mínimo de dez dias entre o primeiro e o segundo. Depois disso, se chancelado pelo plenário, ele é promulgado pela presidente da Câmara, Mônica Leal (PP), sem passar pela sanção do prefeito.

Proponente prevê aprovação tranquila; oposição deve votar contra

Conforme Trogildo, o projeto tomou por base o texto da Constituição Federal, que criou o dispositivo em 2015, e a adoção da medida por outras cidades brasileiras e gaúchas, como Santo Antônio da Patrulha. Segundo ele, a iniciativa pretende fortalecer o poder Legislativo municipal.

“No ano passado, a Câmara devolveu R$ 39,5 milhões de seu orçamento ao Executivo. Esse foi o parâmetro utilizado. Desse contingente, a Câmara quer dizer onde R$ 37 milhões serão aplicados”, explica o petebista.

Trogildo reconhece que mecanismo vai empoderar Legislativo (Foto: Giulia Secco/CMPA)

Embora não adiante quando pretende levar o projeto à votação, o vereador diz que o texto recebeu apoio maciço e, ao que tudo indica, deve ser aprovado na casa. “Se eu não tiver a confirmação dos 24 votos, não coloco em votação”, afirma.

Trogildo, que faz parte da base do governo Nelson Marchezan na Câmara, conta com os votos dos parlamentares fiéis ao governo para a aprovação.

“Isso suplanta governos. É uma relação do Legislativo e Executivo independente de quem sejam os vereadores e quem seja o prefeito”, completa.

Contrários à matéria, os sete vereadores da bancada de oposição, formada por PT e PSOL, devem votar contra o projeto, segundo o líder do bloco, Roberto Robaina (PSOL). Apesar de reconhecer que, como regra, as emendas formuladas em plenário ao orçamento não são executadas, o vereador diz que o projeto não resolve o problema de maneira consistente.

Robaina questiona capacidade de fiscalização da aplicação de verbas (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)

“Seria muito difícil haver uma fiscalização, para ver se as emendas estão sendo cumpridas e o valor, aplicado. E o projeto não garante condições de igualdade, porque as emendas precisariam ser aprovadas no plenário. Se o governo conseguir maioria, pode utilizar emendas impositivas para garantir que apenas sua base legislativa tenhas as emendas aprovadas”, justifica Robaina.

Para o líder da oposição, caso o projeto seja aprovado e seu conteúdo seja aplicado ao orçamento de 2020, isso “garantiria uma vantagem para quem já tem mandato”, na comparação com outros futuros candidatos a uma cadeira na Câmara.

Cientista político prevê mudança na relação entre poderes

Caso o orçamento impositivo seja aprovado a nível municipal, pode haver uma mudança na relação entre os poderes, projeta o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luis Gustavo Mello Grohmann.

“O vereador poderá levar recursos diretamente para suas comunidades ou sua representação. De outro lado, o Executivo terá de ter uma interatividade maior com os parlamentares, para acordar qual emenda vai ser aprovada”, diz.

Para Grohmann, a expectativa é que aconteça mecanismo semelhante ao observado no Congresso Nacional, em que as emendas impositivas servem como uma “troca” entre Executivo e Legislativo. O cientista político ressalta ainda que a proposta deve conferir mais poder ao Legislativo e observa que a política municipal pode sofrer alterações com a medida:

“Um Executivo não muito cooperador vai ter dificuldade de se relacionar, o que pode dificultar a agenda dele. Por outro lado, um Executivo negociador pode ter muito sucesso”, estima o professor.

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