Vidas em contato com a natureza

Mulheres relatam desafios e conquistas no mundo dos esportes de aventura

Ketlindesiqueira
Redação Beta
7 min readOct 4, 2021

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A equipe feminina de rafting Cia Aventura Xícara Maluka de Nova Roma do Sul por falta de incentivo financeiro precisou finalizar suas atividades.( Arquivo pessoal/Luana)
A equipe feminina de rafting Cia Aventura Xícara Maluka, de Nova Roma do Sul, encerrou suas atividades por falta de incentivo financeiro. (Arquivo pessoal/Luana Pasuch)

Quem é apaixonado pela prática de exercícios físicos está sempre em busca de novos desafios. Esse é o caso da jovem escaladora Amanda Criscuoli, 15 anos; da praticante de rafting Luana Pasuch, 23 anos; da piloto de downhill Laís Rezzadori Flecke, 27 anos, e da corredora e ciclista Francieli Franceschi, 38 anos. Todas praticam esportes de aventura que envolvem a superação de obstáculos geográficos.

A Beta Redação contará um pouco da trajetória de cada umas das quatro atletas gaúchas, assim como as peculiaridades de cada esporte de aventura, o preconceito que ainda circunda o esporte, a falta de incentivo financeiro e a visibilidade midiática.

Inspiração dos pais praticantes da escalada

Amanda escala a Via De Filho para Pai, na Pedra da Abelha, em Caçapava do Sul, Rio Grande do Sul. (Reprodução/YouTube)

Amanda Criscuoli, 15 anos, é a única atleta do Rio Grande do Sul que pratica a escalada esportiva profissionalmente. Em Ivoti, ao escalar a via "Coquetel de Força", ela conseguiu completar a subida sem se escorar em nenhum objeto que não fizesse parte da linha natural, tornando-se a atleta mais jovem a encadenar uma via com essa dificuldade no Brasil.

A jovem se firma como uma das maiores promessas da escalada esportiva brasileira e já acumula conquistas em campeonatos pelo país. Tanto no Panamericano de Escalada, quanto na categoria profissional da escalada brasileira, Amanda está entre as dez melhores competidoras.

A escalada é um esporte que utiliza técnicas e movimentos do montanhismo. Pode ser praticada tanto individualmente como em grupo, exigindo força e concentração. Para praticar a modalidade é preciso contar com o auxílio de cordas, mosquetões e capacetes que garantem a segurança em casos de queda ou pancadas.

Desde criança, os pais de Amanda a levavam para aventuras envolvendo escalada. (Fotos: Arquivo Pessoal/Amanda Criscuoli)

A prática da escalada nunca foi uma atividade solitária na perspectiva de Amanda. Filha de um casal de praticantes da modalidade, ela conta que ainda bebê já acompanhava as aventuras dos pais. “Com 3 anos eu comecei a escalar brincando e, com 6 anos, comecei a treinar mesmo. Meu primeiro treinador foi meu pai”, destaca Amanda, que disputou seu primeiro campeonato com apenas 8 anos.

A atleta gaúcha destaca que os principais desafios da escalada envolvem aspectos psicológicos e a discriminação por ser mulher e jovem. “É difícil lidar constantemente com o medo, seja de cair ou de falhar. Além disso, muitas pessoas duvidam da minha capacidade como menina, mas gradativamente está aumentando a participação de mulheres na escalada”, diz.

Amanda conta que, nos últimos anos, os esportes de aventura, especificamente a escalada, vêm ganhando visibilidade na mídia, mas ainda há muitas dificuldades em termos de financiamento e disseminação de informações.

A escaladora também ressalta que os esportes de aventura proporcionam sensação de liberdade, paz e benefícios à saúde. “Estar em meio à natureza é mágico, pois recarrega as energias. Na escalada, eu encontro a paz, os desafios, a felicidade e a paixão”, revela.

Apaixonada pela corrida

Francieli se prepara para ultramaratonas com treinos longos em distâncias curtas. (Foto: Arquivo Pessoal/Francieli Franceschi)

A primeira corrida da professora e empresária Francieli Franceschi, 38 anos, foi na sua cidade natal, Carlos Barbosa, quando ela percorreu uma distância de 6 km. Contudo, desde 2017 ela participa de corridas de trilha e de aventura e, em 2020, antes da pandemia, se tornou ultramaratonista. Francieli completou os 82 km solo da Travessia Torres — Tramandaí, no Rio Grande do Sul (TTT).

“Iniciei no ciclismo em grupo, praticando duas vezes por semana e aos finais de semana, até que, em 2017, abri minha segunda escola de idiomas e o tempo livre ficou curto. Então resolvi me aventurar na corrida, pois era um exercício prático e rápido. Com 30 minutos de treino antes do trabalho eu já estava com o estoque de endorfina renovado”, comenta.

Assim como a escaladora Amanda, a corredora Francieli explica que os esportes em contato com a natureza trazem benefícios como bem-estar, leveza, autoestima e confiança. “O contato com a natureza, os amigos e toda energia que estes esportes proporcionam, para mim, são imprescindíveis. Uma verdadeira terapia ao ar livre. Não vivo do esporte, mas o esporte vive em mim”, destaca.

Nos finais de semana sem competição, Francieli anda de bicicleta com os amigos. (Arquivo Pessoal/Francieli Franceschi)

Francieli ressalta que, apesar de viver no país do futebol, as autoridades não podem esquecer que há tantas outras modalidades que merecem destaque. “O esporte é saúde e, na minha opinião, falta incentivo”. comenta.

Contra o relógio, um momento único entre piloto, bicicleta e natureza

Laís se tornou Campeã Brasileira de Downhill, em 2018. (Arquivo Pessoal/Laís Flecke)

Outro esporte de aventura é o downhill. A médica veterinária Laís Rezzadori Flecke, 27 anos, é piloto da modalidade e coleciona vitórias. Entre as conquistas, ficou em segundo lugar no Campeonato Brasileiro, em 2016 e 2019, e se tornou Campeã Brasileira de Downhill na etapa única, realizada em São Vendelino, no Vale do Caí, em 2018.

O downhill é uma modalidade de ciclismo que, basicamente, consiste em descer uma pista em meio a um morro o mais rápido possível. Contudo, a paixão de Laís pelo mountain bike vem ainda antes, sendo essa modalidade uma herança de família.

“Eu conheci o mountain bike por causa do meu irmão, que começou a andar há mais de 15 anos. Só que na época, por eu ser menina, não tive apoio nem da família, nem dos meninos. Em 2013, conhecidos de Farroupilha me emprestaram os equipamentos e comecei a ter contato com a modalidade. Próximo de uma etapa do Campeonato Gaúcho, me inscrevi para a primeira corrida oficial, em Nova Prata. Quando minha família viu que eu não ia desistir da ideia de ser uma piloto, eles começaram a me apoiar também”. comenta

O downhill envolve a descida de pistas e integra uma das muitas vertentes do ciclismo. (Foto: Arquivo Pessoal/Laís Flecke)

Laís conta que sofre distinção no esporte por ser mulher, principalmente quando precisa pedir ajuda nos treinos. "Para alguns homens isso acaba sendo interpretado como se eu estivesse dando em cima", explica.

“No início lembro que éramos xingadas por trancar a pista, já que na dificuldade descíamos devagar. Lembro que na minha segunda corrida, escutei de um telespectador: ‘nossa se é pra descer assim numa pista, eu nem me apresentava’ e esse comentário veio de uma mulher. Algumas vezes me foi negado carona por eu ser menina e isso poder gerar confusão com as namoradas dos atletas”, conta.

Laís comenta que o Rio Grande do Sul é um dos mais preconceituosos estados em relação à inserção de mulheres nos esporte radicais. “Mas em todas as situações eu fui me impondo, evoluindo na pista e mostrando que eu, como qualquer outra guria, posso sim andar como os meninos”, destaca.

Falta de incentivo financeiro prejudica atleta

Seis meninas representavam a Equipe Xícara Maluk, extinta por falta de recursos. (Reprodução/YouTube)

Outro esporte de aventura é o rafting. Natural de Nova Roma do Sul, Luana Pasuch, 23 anos, participou por 8 anos da Equipe Xícara Maluk de rafting e teve a oportunidade de competir em diversos campeonatos nacionais. Em 2013, ao lado de outras cinco atletas, conquistou o segundo lugar no Campeonato Mundial da Nova Zelândia. Contido, por falta de incentivo, cada uma das integrantes da equipe precisou se desligar do esporte para se dedicar ao trabalho e aos estudos.

"Durante 8 anos ganhamos apenas uma bolsa atleta, que depois foi cortada pelo fato do rafting não ser um esporte olímpico. A parte financeira era a mais difícil e continua sendo até hoje. Só conseguimos ir para outro país com muito esforço para conseguir patrocinadores e por conta da Lei de Incentivo ao Esporte, aprovada naquele ano. Hoje, talvez, não teríamos a mesma sorte”, comenta.

Luana destaca que o rafting não tem a mesma divulgação e apoio de outros esportes. Além do mais, muitos não conhecem e não entendem o quanto é importante o contato com a natureza e a preservação dos rios. “A prática do rafting ajuda não só na coordenação motora e no preparo físico, mas também na superação de medos do desconhecido, até mesmo o medo da água ou de nadar”, destaca

Luana continua trabalhando no parque onde teve o primeiro contato com o rafting, em 2013. (Foto: Arquivo Pessoal/Luana Pasuch)

Desde 2013, Luana trabalha como auxiliar geral no Eco Parque Cia Aventura, localizado em Nova Roma do Sul.

No momento, Luana não tem equipe para remar no Rio Grande do Sul, mas foi convidada para competir numa equipe de São Paulo, onde participou de campeonatos na Argentina e Indonésia.

Luana conta que, através do esporte de aventura, teve a oportunidade de sair do país e conhecer culturas, lugares e idiomas diferentes. “A sensação de estar em uma competição com muitas pessoas te assistindo, e ainda mais representando o seu país, não tem nada no mundo que explique”, conclui.

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