Feminicídios aumentam mesmo com queda no registro de ameaças

Dados apontam diminuição das ocorrências, mas mulheres seguem sendo vítimas de crimes de ódio e buscam alternativas de defesa

Vanessa Fontoura
Redação Beta
4 min readJun 5, 2019

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Com Pâmella Atkinson

Medidas protetivas ainda são insuficientes para a segurança das vítimas. (Foto: Nino Carè/Pixabay)

Estudo histórico sobre a violência contra o sexo feminino, realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul (SSP/RS) apontou uma diminuição de cerca de 17% nos números de queixas entre os anos de 2012 a 2018. Foram registradas 44.969 ameaças contra mulheres em 2012 no Estado, enquanto em 2018 o número baixou para 37.623.

Apesar da queda no número de ameaças, o estudo do SSP/RS indica um aumento no número de tentativas de feminicídio e de feminicídio consumado. Em 2013 foram 229 tentativas e 101 casos consumados. Já no ano de 2018 os números disparam para 355 e 117 casos, respectivamente. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres.

Embora amplamente divulgadas por movimentos em prol da mulher e pelo Estado, ainda há desconhecimento por parte da população sobre as medidas protetivas vigentes. A Lei de Feminicídio, por exemplo, entrou em vigor apenas no ano de 2015. Mesmo sendo classificado como crime hediondo, em que a pena de reclusão é de 12 a 30 anos, os números de casos registrados seguem crescendo. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, de acordo com o SSP/RS, foram registrados 41 casos de feminicídio consumado em 2018. Em 2012 o número era de 29 casos.

Para a professora e jornalista Mariléia Sell, ex-secretária adjunta de Educação do município de São Leopoldo, a violência contra mulher tem que ser discutida com toda a sociedade devido a gravidade do problema. Mariléia entende que o assunto precisa ser discutido nas escolas por considerar a violência contra a mulher algo intrinsicamente cultural. “O Brasil é um país muito machista ainda e, por isso, é muito importante que essa temática seja amplamente discutida nas escolas”. A professora defende a criação de políticas que inibam a violência.

Segundo Mariléia, as políticas criadas para a proteção da mulher, embora sejam totalmente positivas, ainda são muito falhas, pois não garantem a integralidade dessa proteção. Para a professora, as mulheres ficam vulneráveis, expostas e tem tratamento violento, inclusive pelo próprio sistema que deveria protegê-la.

Violência contra a mulher não se resume em agressão física. (Arte: Vanessa Fontoura/Beta Redação)

Políticas de proteção para mulher

Em 1985, em São Paulo, foi criada a primeira Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) do país. A iniciativa surgiu a partir de reivindicações de mulheres que não se sentiam à vontade com o tratamento recebido nas delegacias comuns ao denunciarem agressões de companheiros e abusos sexuais. Mesmo sendo uma medida antiga, há poucas unidades especializadas no país. Em 2016, apenas 461 dos 5.565 municípios brasileiros possuíam DEAMs, segundo levantamento realizado pela Organização sem fins lucrativos Azmina, que pode ser acessado e atualizado de forma colaborativa pelo Mapa de Acolhimento.

Mas somente no município de São Leopoldo foram cometidos 1.221 crimes de violência contra à mulher em 2018. Apesar dos dados, a cidade não possui uma Delegacia Especializa de Atendimento à Mulher. Entre os principais registros estão:

· 740 denúncias de ameaças contra mulheres

· 436 queixas de lesão corporal

· 30 casos de estupro

· 12 ocorrências de tentativas de feminicídio

· 3 feminicídios consumados

Ações de proteção são realizadas pela sociedade civil

Pensando em combater os altos números de violência no município, a escola de samba Império do Sol e a Prefeitura de São Leopoldo criaram um curso de defesa pessoal para mulheres da comunidade São Miguel. O professor voluntário, César Nunes, foi o idealizador do projeto. “Levei a ideia à Vice-Prefeita de São Leopoldo, professora Paulete Souto, que trouxe para os responsáveis da Império do Sol”, relata.

César acredita que as políticas de atendimento e apoio às mulheres nunca focaram naquilo que elas podem fazer para defenderem-se. “Tive esta ideia de proporcionar a todas, vítimas ou não, a possibilidade de se capacitarem em defesa pessoal”.

Conforme o professor, este é primeiro projeto permanente do segmento no país. O foco do curso é a defesa pessoal, mas a partir do contato com as alunas, de forma sutil e discreta, ao identificarem vítimas de violência, são acionadas instituições apropriadas, como o Centro Jacobina — Centro de Referência para Atendimento às Mulheres em Situação de Violência e a Secretaria de Políticas para Mulheres.

No entanto, a professora Mariléia Sell argumenta que a melhor alternativa é a conscientização através da educação e do diálogo. “Defesa pessoal é uma coisa que eu pessoalmente não gostaria de ter que fazer para me proteger na rua. Então é de uma certa forma repassar para a vítima a responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo de garantir a segurança de todas nós”, finaliza.

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