Violência contra jornalistas é um ataque à liberdade de imprensa

Presidente Jair Bolsonaro (PL) é responsável por 34,19% dos casos relatados em 2021

Carolina Santos
Redação Beta
6 min readMay 27, 2022

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No Brasil, 1.066 casos de agressão foram denunciados em apenas três anos. Bolsonaro protagoniza, só em 2021, 147 episódios. (Arte de Carolina Santos/Beta Redação sobre foto de Antônio Cruz/Agência Brasil)

Ataques contra jornalistas no Brasil vêm aumentando nos últimos três anos. Entre 2019 e 2021, foram 1.066 ocorrências de casos de violência. O número preocupa se comparado ao período anterior, de 2010 a 2018, quando apenas 1.024 casos foram registrados em oito anos. O monitoramento da violência é feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) no dossiê Ataques ao Jornalismo e ao Seu Direito à Informação, publicado em maio de 2022.

No Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil/2021, a federação também denuncia o principal agressor dos jornalistas: Jair Bolsonaro (PL). O documento revela que o presidente realizou 147 ataques sozinho — o que corresponde a 34,19% dos casos reportados em 2021.

O presidente da República é o maior agressor nos casos de violência contra jornalistas. (Imagem: FENAJ/Reprodução)

A presidenta da FENAJ, Maria José Braga, explica quais são as principais violências registradas. Na lista, constam ataques físicos, ataques verbais presenciais ou virtuais, ameaças ou intimidações, assassinatos, censura e descredibilização.

Ela comenta que o número de denúncias de ataques virtuais, censura e descredibilização aumentou muito nos últimos anos. Segundo a jornalista, isso se deu a partir da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da contratação de jornalistas por concurso público.

“[Isso faz] com que o jornalista tenha segurança para denunciar os casos de censura a que é submetido. Normalmente, jornalistas de empresas privadas não denunciam a censura porque é quase como assinar a sentença da sua demissão”, explica Braga.

O cenário teve piora quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República e começou a deslegitimar a imprensa. Apesar de não ser uma violência direta, a descredibilização afeta o trabalho jornalístico, pois faz com que a sociedade não acredite nos jornalistas e, consequentemente, não se informe.

“Ela [a descredibilização] ainda acarreta no que nós podemos chamar de um ‘ódio’ à categoria, que tem levado a um aumento de outras formas de violência”, complementa Braga.

Seis casos em menos de um mês

Até a segunda semana de maio de 2022, a Beta Redação apurou seis casos relatados em Sindicatos de Jornalistas de todo o Brasil e pela própria FENAJ. Um deles é o episódio acontecido com Jéssica Nascimento, repórter da Record TV Brasília desde 2020.

No dia 12 de maio, enquanto fazia uma transmissão diretamente do Ceasa-DF, a jornalista foi atingida por um tomate. Apesar de não ter cunho político, o ataque representa duas das categorias mais visadas segundo o relatório da FENAJ: o Distrito Federal (56,90% dos casos) e a televisão (25,47% dos casos).

“Foi algo muito inesperado, muito chocante. O impacto foi tão forte, doeu tanto que eu achei que tinha levado um tiro”, relembra Jéssica. Sua única reação foi sair de frente da câmera para se recompor. Um boletim de ocorrência foi feito e o responsável já foi identificado.

Gráfico aponta o número da violência contra jornalistas por região do Brasil. A região Centro-Oeste é a campeã, com 56,90% dos casos. (Imagem: FENAJ/Reprodução)

O segundo caso se deu no dia 10, durante a apuração da Série Ouro do carnaval de Porto Alegre. O repórter fotográfico Mauro Schaefer, que trabalha há 19 anos no jornal Correio do Povo, foi agredido a socos e teve seu equipamento quebrado. Apesar disso, o ocorrido não o impedirá de continuar a fazer coberturas. “Jamais deixarei de fotografar o que quero”, garante.

Outro repórter do Correio do Povo, Felipe Bornes Samuel, estava presente no dia em que Schaefer foi atacado. Tendo uma vasta experiência em cobertura de protestos, principalmente após as eleições de 2018, ele aponta que situações de “aperto” são comuns no dia a dia.

“Muitos manifestantes querem saber qual é o veículo, uns se recusam até a responder eventuais perguntas ou tentam mesmo coagir”, lembra Felipe.

Além destes casos de violência, outros dois ocorreram até a segunda semana do mês. O repórter Efrem Ribeiro, da TV Piauí, foi preso ao tentar fazer uma reportagem sobre as condições precárias do Hospital Regional Manoel Sousa Santos na cidade de Bom Jesus, no sul do Piauí. O segundo ocorreu no dia 10, quando um agressor tentou atropelar a jornalista Paula Araújo e a repórter cinematográfica Patrícia Santos durante uma transmissão ao vivo para a Rede Globo.

As agressões são realizadas com o intuito de afetar a livre circulação da divulgação jornalística, segundo Braga. Assim, os direitos de acesso à informação verdadeira são também afetados. Sobre a censura, a presidenta afirma que a obrigação do jornalista é relatar os fatos, mesmo que isso desagrade algumas pessoas.

Incitação da violência como política

O aumento de casos é causado pelo crescimento da extrema direita no Brasil, que está personificado em Jair Bolsonaro, segundo Braga. Além dos ataques pessoais à imprensa, o presidente também utiliza métodos para instrumentalizar o governo federal e os seus auxiliares.

Dos seis casos de violência em maio, dois tiveram maior cunho político. Um deles foi com o repórter Alex Pandini e o cinegrafista José Jantorno, da TV Vitória, afiliada à Record TV. Os profissionais foram agredidos verbalmente no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, enquanto cobriam um ato bolsonarista.

“A equipe foi ameaçada por alguns integrantes da manifestação quando tentava entrevistar uma mulher que segurava um cartaz pedindo intervenção militar”, afirma a nota da FENAJ.

Cinco dias depois, no Ceará, um repórter e um repórter cinematográfico da TV Verdes Mares foram agredidos durante o exercício da profissão. Eles sofreram agressões verbais enquanto noticiavam a denúncia de que haveria larvas na merenda escolar. O agressor chegou, por duas vezes, a empurrar a câmera da reportagem. Além disso, o homem xingou os profissionais de “bostas e sensacionalistas”.

Ataque a jornalista é um ataque à liberdade de imprensa

Mesmo que o Artigo 220/98 da Constituição Federal garanta que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, a realidade é discrepante.

Entre 180 países, o Brasil se encontra em 110º lugar no ranking de países com maior liberdade de imprensa, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). No relatório, a RSF afirma que as relações entre o governo e a imprensa foram deterioradas desde a chegada de Jair Bolsonaro à presidência.

Ainda assim, profissionais da área seguem firmes em busca da informação verídica e confiável. Jéssica Nascimento afirma que o papel da imprensa é informar, apertar onde dói e incomodar quem precisa ser incomodado.

“Se o objetivo dessa pessoa que jogou um tomate em mim foi me calar, não vai conseguir. Minha missão de vida é informar. O meu amor pelo jornalismo é grandioso. Eu vou continuar”, finaliza.

Como jornalistas podem se defender

A FENAJ divulga uma série de orientações para a defesa nesses casos. A principal é o Protocolo Nacional de Segurança, proposto para empresas jornalísticas. “A gente prevê questões básicas, como oferta de equipamentos de proteção, seguro especial e oferta de treinamento para jornalistas que foram submetidos a situações de risco”, aponta Braga.

Além disso, há também a indicação de criação de uma comissão de segurança dentro dos próprios veículos para análise desses casos. Mesmo com todas as medidas de proteção, é importante que os jornalistas denunciem as violências sofridas para que se tenha um maior controle. O ideal é que as queixas sejam feitas por meios jurídicos, como boletins de ocorrências e ações judiciais — tudo com o apoio do sindicato.

A FENAJ tem algumas propostas para o governo federal. A principal delas é a criação de um relatório de violência contra jornalistas e comunicadores no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos, que poderá ajudar na criação de um banco nacional de dados sobre os casos de violência.

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