Peça dividida em três atos surpreende espectadores pela técnica. (Foto: Junior Vieira/Divulgação)

Visita ao geriatra

Espetáculo tragicômico aborda as características da vida na terceira idade

Júlia Ramona Michel
Redação Beta
Published in
5 min readOct 27, 2017

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Um palco. Sobre ele, um cenário com um bebedouro, um balcão e três cadeiras. A montagem remete à sala de espera de um consultório médico. Neste caso, de um geriatra, aquele clínico geral especializado em doenças da terceira idade. Em frente, está a plateia que, aos poucos, preenche seus lugares para assistir à produção. O surgimento de uma trilha musical indica que a peça teve início. Porém, o diálogo entre os atores, durante a interpretação, não surge. Há, apenas, a precisão de gestos corporais acompanhados de sons imprescindíveis para que a exibição tenha efeito sobre o público. Ao longo dos 90 minutos de apresentação, mesmo sem ouvir uma só palavra dos intérpretes, os espectadores encontram diversão e emoção. É dessa forma que o espetáculo Aquela dos Velhos traz uma experiência única sobre o tempo, a vida e a terceira idade.

Dividida em três atos, a peça tragicômica apresenta os personagens Jaime, Romeu e Celestino. Em cena, os três idosos veem suas vidas se cruzando a partir de uma simples visita ao geriatra. A montagem é o primeiro trabalho do grupo de teatro Tre Vecchio, criado há dois anos por quatros jovens de Novo Hamburgo: Assis Eugênio Dahmer, 19 anos, Henry Nícolas Rodembuch, 25, Pedro Reisdörfer, 23, e Leonardo Nunes, 22.

Do processo criativo à técnica

A produção, que aborda temas como abandono, amizade e perdão, é resultado da esquete Aquela dos Velhos: Consultório, escrita em 2016 e apresentada, no mesmo ano, no Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE-RS) e Festival Internacional de Teatro de Bonecos de Canela. O atual espetáculo em cartaz, assim como a esquete, explora o uso de máscaras, sons, músicas e pantomimas, que consistem na representação de uma história exclusivamente a partir de gestos corporais.

Tanto a criação do texto quanto a trilha sonora e a montagem do espetáculo são de responsabilidade de todo o grupo, embora a direção seja também uma função do ator Henry Nícolas, que interpreta Celestino. Já Assis, mesmo que o público não o veja, é o quarto personagem que atua em conjunto com os três vovôs. O mais jovem do grupo é o único capaz de alcançar o sentido da audição do público, uma vez que é responsável pela trilha sonora. E a ausência de diálogos é justamente o que mais atraiu a atenção do jornalista Dejair Krumenan, de 64 anos, enquanto assistia à peça.

O diretor e ator Henry (E) interpreta o vovô Celestino. Assis (D) é responsável pela trilha sonora do espetáculo. (Fotos: Junior Vieira/Divulgação)

Durante a criação do espetáculo, o grupo de atores e amigos revisitou referências de técnicas estudadas em cursos de teatro, onde se conheceram. De acordo com Leonardo, que interpreta o idoso Romeu, o processo de montagem da peça demandou tempo e dedicação. “A criação e preparação dos personagens levou cerca de seis meses. Para idealizar a personalidade de cada um dos três vovôs foi necessário muito laboratório, visitando asilos e praças.”

Curiosamente, a maior referência para a criação dos personagens sempre esteve bem próximo dos atores. Romeu, Jaime e Celestino, na verdade, representam os avôs de Leonardo, Pedro e Henry. A alusão aos três idosos das famílias dos atores colabora para que a temática retratada na montagem cumpra com a proposta de levar a reflexão sobre o comportamento humano de forma leve. Segundo o espectador e jornalista Dejair, a peça trata das dificuldades do cotidiano na terceira idade e, dessa forma, consegue o riso da plateia. “Mas o mais importante é que os três atores prestam uma homenagem aos seus avós, e isso é muito bonito.”

Os atores também são responsáveis pela organização do cenário, que é montado em quatro horas. Em estilo italiano, a peça teatral conta com mais um ambiente além da sala de espera de um consultório médico. “É um quarto de hospital, que tem como proposta chamar a atenção para as dificuldades dos idosos no dia a dia”, explica Leonardo.

Após dedicar quatro horas apenas para a montagem dos ambientes, os atores levam mais uma hora para se caracterizar e entrar em cena. (Fotos: Junior Vieira/Divulgação)

Recurso cênico e grego

A utilização das máscaras, além do figurino, por parte de cada um dos atores contribui para reproduzir um quadro do universo da terceira idade. Ao optar por esse recurso, que surgiu no teatro grego por volta do século 5 a.C., o grupo Tre Vecchio disparava um desafio para si próprio. Havia o desejo por parte dos integrantes de experimentar e apostar em algo diferente do que há no campo atual das artes cênicas.

A criação dos personagens Jaime, Romeu e Celestino levou cerca de seis meses. (Fotos: Junior Vieira/Divulgação)

Com expressões marcantes, as máscaras representam a faixa etária dos personagens. O recurso, que também remonta ao teatro de bonecos, contribui ainda para a definição da personalidade de cada um dos vovôs. Do esboço até a confecção final, o artista plástico Cleber Monteiro Mello, 39 anos, conta como ocorreu esse processo. “As máscaras traduzem a criação de cada personagem. São perfeitas para aproximar o público e fazer com que ele se identifique com os três idosos em momentos do cotidiano”, esclarece.

Um convite à reflexão sobre o avanço da idade, assim como às limitações que acompanham o passar da vida, o espetáculo retrata com leveza e dramaticidade o comportamento humano. A partir da arte de narrar com o corpo, o grupo de jovens atores reproduz, criticamente, o futuro da sociedade.

Serviço

Espetáculo: Aquela dos Velhos

Quando: 20 de novembro, às 20h

Onde: Centro de Cultura de Três Coroas | Rua Luís Volkart, 155

Quanto: R$ 20. Para idosos e estudantes (com carteirinha da UNE), R$ 10

Classificação: 10 anos

Mais informações: aqueladosvelhos@gmail.com

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