Vivência negra narrada por alunos de escolas públicas

Exposição fotográfica “Tornar-se Negro” já pode ser conferida na capital

Milena Riboli
Redação Beta
4 min readJun 8, 2018

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(Foto: José Ernesto Melo/Arquivo pessoal)

Foi através de uma grande roda — aumentada gradativamente com o passar da tarde—que a mostra “Tornar-se Negro” fez sua estreia no segundo andar do Memorial do Rio Grande do Sul, na sala Múltiplos Usos, no dia 19 de maio.

Nem mesmo a chuva intimidou os participantes, que vieram para conversar, apoiar o projeto, matar a curiosidade ou partilhar suas histórias, mesmo que isso não tenha sido planejado, como foi o caso de Luis Pedro Fraga, 46 anos.

Luis Pedro é professor da rede pública de ensino e fotógrafo. Tendo descoberto o projeto pelas redes sociais, logo pensou em comparecer à inauguração. Acostumado a cobrir eventos através da fotografia pelos arredores da Praça da Alfândega, no momento da roda de conversa ele pôde partilhar com todos uma recente história de preconceito.

“Eu não planejava falar, mas por fim foi algo importante de se partilhar”, frisa. Cobrindo um dos eventos da Bienal do Mercosul, Luis Pedro narrou as dificuldades que teve para entrar no local. Mesmo com crachá de identificação e câmera profissional em mãos ele foi revistado quatro vezes, até que sua entrada fosse liberada. Lá dentro, novos constrangimentos vieram a acontecer. Descansando na área reservada aos fotógrafos, uma das presentes do evento chamou a atenção dos seguranças do local, pedindo para que Luis Pedro saísse dali. Mesmo estando onde deveria estar, o fotógrafo optou por se retirar para evitar mais incomodações.

A mostra expõe várias fotos, algumas coloridas e outras em preto e branco, todas com frases dos alunos logo abaixo delas, como legenda. (Foto: Milena Riboli/Beta Redação)

A roda de conversa coloca todos como iguais, isso é fato. Ali, puderam partilhar histórias de dor, assim como a de Luis Pedro, mas também de alegria, como quando os presentes falaram sobre a cultura negra e seus antepassados, reis e rainhas.

Para a professora aposentada Claudia Duarte, 55 anos, eventos como estes são fundamentais, pois dão visibilidade aos negros e trazem a ideia de pertencimento. Sendo um atividade aberta ao público, localizada no coração de Porto Alegre, a mostra recebe pessoas de todas as partes e reforça, mais uma vez, que podem e devem circular por diversos espaços.

Ao final da conversa, circulando pela sala, estavam quatro alunos orgulhosos, que vieram conferir de perto e em primeira mão as fotos que fizeram. Juntamente com cada retrato, os jovens selecionados para a exposição disseram uma frase que, para eles, representa o que é ser negro.

Algumas das fotos expostas na Sala Múltiplos Usos, localizada no segundo andar do Memorial do Rio Grande do Sul. (Fotos: Milena Riboli/Beta Redação)

O professor José Ernesto Melo, 51 anos, idealizador do projeto, conta que, ao total, cinco escolas foram escolhidas para participar da iniciativa. Para a mostra, foram trazidas as imagens e textos mais significativos. “A ida às escolas foi a parte mais rica de toda a experiência. As crianças e jovens ficavam curiosos, querendo entender o que estávamos fazendo lá”, relembra.

Para ele, há uma necessidade de mais debates dentro das instituições, que muitas vezes acabam sendo racistas. Nem todos os alunos negros quiseram participar das fotos, pois muitos não se enxergam como tal. De acordo com o professor, isso é reflexo do racismo e de inúmeras práticas de embranquecimento, que visam deturpar a imagem dos negros.

“Com projetos como esse, nós podemos, desde cedo, ajudar essas crianças em processos que dizem respeito a identidade e identificação delas”, finaliza José Ernesto.

(Card: Milena Riboli/Beta Redação)

Além da exposição física, haverá também uma virtual com todos os alunos participantes. Para isso, o evento busca financiamento colaborativo, o que pode ser feito clicando aqui. A atividade é promovida pelo Coletivo Quilombo de Ação Educativa, do Projeto Africanidades, e permanece até o dia 17 de junho.

O Memorial do Rio Grande do Sul fica na Rua Sete de Setembro, 1020, no Centro Histórico. Horários de atendimento: de terça a sábado, das 10 às 18h e domingos e feriados das 13h às 17h

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Milena Riboli
Redação Beta

Estudante de Jornalismo, quase formada, entusiasta de Fotografia e Gastronomia. Apaixonada por música e gatos. E segue.