Votação para a não obrigatoriedade do registro para artistas é adiada

Com a prorrogação do julgamento, o debate segue aberto

Marina Salazar
Redação Beta
5 min readApr 30, 2018

--

Com Érika Ferraz

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento da ação que suspenderia a obrigatoriedade do registro de artista. A audiência, prevista para a última quinta-feira (26), debateria as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 183 e 293 em trâmite no Ministério Público Federal (MPF). Uma das arguições também questiona a profissão de músico. Não há previsão de retomada da pauta no plenário.

Dentro da ADPF 293, a alegação é de que as normas veiculadas na Lei 6.533, de 24 de maio de 1978 — que regulamenta as profissões de artista e de técnico em Espetáculos de Diversões — contraria o Artigo 5º da Constituição Federal, que defende “a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”.

Mais precisamente os artigos 7º e 8ºda Lei 6.533, na qual assegura que para a efetuação do registro exige-se diploma de nível superior ou certificado correspondente à habilitação ou atestado de capacitação profissional, conforme os artigos, 15º, 16º, I e §§ 1 o e 2º, 17º e 18º do Decreto 82.385, de 5 de outubro de 1978. Segundo as ADPFs, obrigar o artista ou músico atestar o registro para exercer suas funções, limita a prática dos mesmos.

O presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio Grande do Sul (SatedRS), Fábio Cunha, posicionou-se contra a medida requerida: “O que nós estamos falando na verdade não é a liberdade de expressão artística, e sim, a relação de trabalho de um artista.”

Segundo Cunha, se as ADPFs forem aprovadas, a categoria será desvalorizada, pois irá deslegitimar a atividade para a qual muitas pessoas se dedicam: ser um profissional das artes. “A aprovação da arguição 293 desvaloriza ainda mais o ofício.”

O diretor e produtor artístico da Companhia Hariboll de Teatro, Luis Carlos Pretto, explicou que sem a obrigatoriedade do registro, o mercado cultural seria invadido por “aventureiros” que sem capacitação e estudo baixaria a qualidade do trabalho visto nos palcos e em apresentações. “No caso dos técnicos de luz e som que também tem o seu registro profissional próprio, pessoas aventureiras também nessa área são capazes de sofrer e causar acidentes e danos ao patrimônio teatral”.

Para o diretor teatral Sandino Rafael, o primeiro grande prejuízo é referente ao entendimento sobre o trabalhador artista. Sandino explica que, diferente de outras categorias que possuem o reconhecimento da sociedade civil e do Estado, a classe passa por um processo em que o ofício, já fragilizado pelo tímido mercado das artes no Brasil, e agora posto em xeque, sem um diálogo profundo com quem é mais afetado por essas normativas. “O registro é necessário, pois ele nos assegura acessar direitos sociais. Não podemos permitir que uma ação unilateral afete o modo que fazemos arte, principalmente a arte no Brasil, que precisa de mais garantias de sobrevivência e mais incentivos”, argumenta.

Sandino ainda destaca que a qualidade das obras de arte depende de como o mercado da arte está estruturado. Para ele, desregulamentar a profissão de artista não impede que um conjunto de pessoas que não possuem a mesma qualificação e rigor estético façam uso dos cada vez mais escassos editais de arte, principal meio pelo qual a arte brasileira consegue fomento, sustentação e incentivo. “O não registro vai mexer com o modo que fazemos arte. Pode permitir, por exemplo, que os poucos festivais de circulação exijam menos dos trabalhos inscritos ou restrinjam a poucos produtores por receio da queda de qualidade que possa ocorrer”, conclui o diretor.

A artista visual Carmem Salazar alega que prejudicaria a classe em relação à maior garantia de espaços de trabalho e aos direitos dos profissionais dessa área, já conquistados. “A não obrigatoriedade do registro desqualifica o investimento em formação profissional e desconsidera os sindicatos como representatividade”, complementa.

Já a arguição 183 trata especificamente sobre artigos referentes à Ordem dos Músicos. A atuação da Ordem dos Músicos do Brasil é citada como “controversa”. Um dos conflitos de atribuições seria a irregularidade de atuação de fiscalização do exercício profissional. O controle da atividade é de responsabilidade do Ministério Público do Trabalho.

O representante do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul (SindiMusiRS), Patrick Acosta explicou que as arguições tratam de leis diferentes, mas os fundamentos que discutem ela são os mesmos.

O advogado Ian Angeli esclarece que todos os artigos que estão sendo retirados dizem respeito à forma de comprovar atuação como músico e, consequentemente, a forma de obtenção do certificado da Ordem. “O assunto está sendo tratado de forma equivocada, pois a ação não questiona ou extingue os registros.”

Angeli acredita que, legalmente, no caso das duas ADPFs, trata-se da desburocratização da obtenção do registro. Assim, passaria a ser mais fácil obtê-lo do que como é exigido hoje. “Possivelmente, a exigência da Delegacia do Trabalho vai ser algo no sentido de você demonstrar e comprovar que trabalha na área da cultura, seja como ator, seja como músico, e vai continuar com a proteção”, explica.

A violinista e etnomusicóloga Clarissa Ferreira percebe que, por mais que a classe dos músicos e a classe artística e de espetáculos tenham se colocado contra em relação às DPFs, existem diferenças. “A obrigatoriedade do registro de músico trouxe diversos problemas à classe, por atitudes totalitárias no sentido de proibir a atividade dando poder de polícia sobre a atividade musical.”

Já os atores, técnicos e afins defendem o registro por inúmeros motivos, como ‘reserva de mercado’ para pessoas especializadas e estudiosas do ramo”, afirma Clarissa.

Mas, Patrick do SindiMusiRS explica que esse sentimento vem de uma ideia que a Ordem dos Músicos foi fundamentalmente criada para controlar a arte feita pelos músicos. “Por muito tempo a gestão da Ordem dos Músicos foi seletiva ao ponto de privar os músicos de tocar. Mas isso não muda o fato que a entidade foi criada para a categoria e para ser ocupada pela mesma. Então, quando eu não estou satisfeito com uma gestão, é de minha responsabilidade participar e ocupar este espaço e lutar junto à classe para que a entidade represente fielmente a minha categoria.”

Aula Pública aborda impacto das ADPFs

Registro de artistas foi debatido durante encontro. (Foto: Ário Gonçalves/Divulgação)

Na terça-feira (24), uma aula pública sobre a realidade do mercado de trabalho das artes e o impacto das ADPFs no meio artístico foi realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A iniciativa do Diretório Central dos Estudantes da Instituição em conjunto com os diretórios acadêmicos dos cursos de Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança e Música teve apoio dos professores e de profissionais da área.

Por cerca de duas horas, a atividade contou com os artistas plásticos Chico Machado, Adriane Hernandez e Alejandro Velasco; a artista de dança Carla Vendramin; o advogado Ian Angeli; e o músico violinista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Arthur Barbosa.

Para a mediadora da atividade e estudante de Artes Cênicas Letícia Pagot, o debate sobre as DPFs é urgente, ainda mais no meio acadêmico por proporcionar o pensar coletivo a partir de diversos pontos de vista. “Nós não temos o costume de falar sobre o nosso mercado de trabalho e falar sobre questões básicas que giram em torno do nosso fazer e ser artistas. Esse momento exigia que fizéssemos isso”, destaca.

--

--