Narrando segundo as regras da Pixar — Parte I

Hades Oneiroi
Luis Storyteller
Published in
4 min readFeb 12, 2020

O que você pode aprender com as regras da Pixar?

Os filmes da Pixar tem uma tendência pra excelência, e isso não é novidade para ninguém. Mas o que você pode não saber é que existe uma listinha de “regras” — ou sugestões, se preferir assim — de como criar uma boa história dentro dos estúdios da lâmpada saltitante. Nem todos os filmes exploram todos os itens da lista, e ela é até longuinha, com 22 itens. Então puxe uma cadeira, sente-se no chão e vamos explorar como usar algumas dessas regras na sua próxima aventura?

#1 Você admira mais um personagem por suas tentativas do que por seus sucessos.

#1 You admire a character for trying more than for their successes.

Parece estranho, não é mesmo? Afinal, a maior parte de nossas memórias boas com RPG vem daquela vitória épica que nossos personagens tiveram, daquilo que aprenderam ou conquistaram. Mas se tem uma coisa que eu, Hades, considero que define uma boa mesa de RPG é o conflito. Sem o conflito, sem a dificuldade e obstáculos, as vitórias dos nossos personagens não teriam nunca o mesmo sabor. Vencer aquele vilão só foi épico porque passamos seis meses no encalço dele, nos preparando e criando estratégias para vencer. Aquele tesouro só é valorizado porque sabemos quão trabalhoso foi limpar a masmorra atrás dele. Aquele cargo no principado, só você sabe quanto suor e sangue você derramou — nem sempre seu — para conseguir.

Então, narrador, não tenha medo de colocar obstáculos na frente dos teus jogadores. Não tenha medo de que eles falhem. Eventualmente eles vão aprender com os erros, e o sucesso se tornará ainda mais estimado.

#2: Você deve manter em mente o que é interessente para você como audiência, não o que é divertido para você como escritor. Essas duas coisas podem ser bem diferentes.

#2: You gotta keep in mind what’s interesting to you as an audience, not what’s fun to do as a writer. They can be v. different.

É fácil a gente se perder em nossos planos mirabolantes, criação de mundo, desenvolvimento de npcs, armadilhas e encontros desafiadores. Afinal, parte da graça de se narrar é exatamente essa, construir e gerenciar o mundo. Mas pare por um segundo para refletir sobre os seus jogadores. Quem são eles? Quais estilos de jogo eles preferem? Existe alguém no grupo que gosta mais de interpretar um personagem, ou que prefere combate? Faz tempo que esse tipo de cena não acontece? Claro, você não precisa abrir mão da lógica e consistência do seu mundo para satisfazer a vontade do jogador, e as vezes ser desafiado com algo que não é seu ponto forte faz parte do jogo, também. Mas se lembre sempre de considerar a diversão de todos os envolvidos no jogo. Narrador e jogadores igualmente.

#3: Tentar estabelecer um tema é importante, mas você não vai saber sobre o que sua história realmente se trata até o fim. Agora reescreva.

#3: Trying for a theme is important, but you won’t see what the story is actually about til you’re at the end of it. Now rewrite.

Ok, não dá pra reescrever uma aventura de rpg. E agora? Uma aventura de rpg é mais orgânica do que um livro ou filme neste aspecto, pois a cada nova sessão os personagens e jogadores aprenderam coisas novas desde a última vez. Seja mecânica de sistema, seja ideias tiradas de um filme novo, ou até mesmo acontecimentos da própria vida dos jogadores. Por isso, por mais importante que seja você ter uma ideia de qual o tema da sua mesa — e eu posso fazer um artigo inteiro só sobre isso — é sempre importante reavaliar a cada novo jogo se ele continua adequado e se continua fazendo sentido para todos os envolvidos. Se não, encerre-o e insira um novo tema.

E a última dica que vamos abordar hoje é sobre a clássica fórmula do roteiro Pixar.

#4: Era uma vez um(a) ___. Todo dia ____. Um dia ____. Por causa disso, ____. Por causa disso ____. Até que finalmente ____.

#4: Once upon a time there was ___. Every day, ___. One day ___. Because of that, ___. Because of that, ___. Until finally ___.

Todo filme da Pixar, de alguma forma, se encaixa nesse roteiro. Era uma vez uma princesa, que todo dia seguia as regras de sua mãe. Um dia ela vai para a floresta, e por causa disso encontra uma bruxa que transforma sua mãe em urso. Por causa disso ela tem que tentar reverter o feitiço. Até que finalmente ela compreende que deveria consertar seu laço familiar com ela.

Era uma vez um peixe chamado Marlin, que todo dia protegia seu filho. Um dia, esse filho foi para a escola e Marlin disse que ele não estava pronto. Por causa disso, seu filho o desafiou e nadou para o mar aberto. Por causa disso, ele foi capturado por humanos. Por causa disso Marlin teve que viajar o mundo atrás dele. Até que um dia o peixe o reencontrou e contou todas as histórias que viveu para chegar até ali.

Claro, é apenas uma fórmula. Você pode adicionar ou tirar frases. Mas é um exercício interessante de imaginação tentar encaixar os arcos dos seus personagens nesse modelo. Isso dá uma noção de ação e consequência à trama, além de a sensação de início, meio e fim. Algo originou o chamado para a aventura, e algo eventualmente vai acontecer em decorrência disso. Para onde sua história está indo? Qual o arco de personagens que ela conta?

Bom, por hora é isso. Eu pretendo trazer as outras dicas — talvez não todas, mas uma boa parte — para cá. Espero que seja útil, e que vocês gostem. Te vejo na próxima.

Parte 2: https://medium.com/@taihyou/narrando-segundo-as-regras-da-pixar-parte-ii-c420952a4db3

--

--