Por Que Dados Não Convencem (Quase) Ninguém

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5 min readNov 19, 2020
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por Gustavo Ioschpe, CEO na Big Data.

O célebre economista britânico John Maynard Keynes teria dito, quando acusado de ser inconsistente em uma reunião do governo inglês, a frase famosa: “When the facts change I change my mind. What do you do, sir?”. Não sabemos o que o acusador respondeu, mas quem quiser apostar que a resposta foi “nada” teria pleno respaldo da História e da literatura acadêmica de Psicologia. Mesmo quando cercadas por evidências aparentemente irrefutáveis contra suas crenças, a maioria das pessoas continua teimosamente a crer naquilo que sempre acreditou. Por que somos assim?

Nossos filtros mentais

O livroThinking Fast and Slow”, do prêmio Nobel Daniel Kahneman (leitura obrigatória para qualquer pessoa inteligente) traz muitas pistas. O primeiro problema é o “Confirmation Bias” (viés de confirmação), nossa tendência em ouvir dados seletivamente: descontamos todas as informações de que não gostamos, usando todos os subterfúgios possíveis (“a fonte não é confiável”, “o dado é antigo”, “o dado é sobre outro país/estado/cidade, não se aplica aqui” etc.) para ignorá-las, ao mesmo tempo em que reforçamos a validade de todas as fontes que confirmam aquilo em que já acreditamos (quem já não teve a experiência de ver um amigo postando algo ridiculamente falso em grupo de whatsapp, só porque referendava seu ponto de vista?). Em um experimento clássico e fascinante, psicólogos colocaram as cobaias para ouvir discursos atacando o Cristianismo e defendendo o tabagismo. A qualidade do áudio era péssima, mas as pessoas podiam apertar um botão para melhorar o som. O que aconteceu? Os fumantes apertavam o botão quando ouviam a defesa do tabagismo, mas os cristãos preferiam ouvir o som cheio de ruídos quando o tema era o ataque à sua religião.

Outro filtro comum é quando o tema impacta diretamente a auto-imagem da pessoa, sua percepção de valor. Aí o dado é simplesmente bloqueado. Ninguém o ouve. Upton Sinclair, satirista americano, dizia que se o salário de alguém depender de ela não entender uma ideia, a pessoa não a entenderá. Kahneman conta uma história engraçada no livro. Ele foi dar uma palestra em um fundo de investimentos, e mostrou como a maioria dos atores do mercado financeiro atribuíam ao seu talento aquilo que na verdade era apenas sorte. Na saída, um dos diretores do fundo o levou ao aeroporto e comentou, sobre essa passagem da palestra: “O fato é que eu estou trabalhando aqui há muitos anos e gerando resultados consistentemente altos. Você não pode tirar isso de mim.” Ao que Kahneman pensou: posso, e acabei de fazê-lo.

Os psicólogos postulam há muito tempo que uma mudança de opinião seria admitir o erro, e estar errado seria algo que reduz a autoestima da pessoa. Como somos máquinas de preservação da nossa autoestima, fincamos nossas posições e morremos abraçados ao nosso erro. Mais recentemente, como fica claro nesse interessante artigo da revista New Yorker, um novo caminho vem se abrindo na compreensão da irracionalidade, especialmente quando se trata de assuntos políticos: entender nossa teimosia como parte do aparato evolutivo da espécie. Nossos cérebros não evoluíram, afinal, para que tivéssemos razão em debates acadêmicos, mas sim para que pudéssemos viver em grupos. Ao longo da quase totalidade da evolução do ser humano, nossa identidade era mais coletiva do que individual. Éramos membros de um bando, depois de tribos etc. O nascimento do indivíduo é um fenômeno moderno, pós-Renascimento. Nosso cérebro tem mecanismos muito afiados para nos proteger do ostracismo, da rejeição social. Porque, em nossos primórdios, essa rejeição era provavelmente sinônimo de morte. Por isso é tão difícil você deixar de apoiar um político, por exemplo, mesmo depois de já estar claro que o sujeito é corrupto, mau-caráter, ignorante e está levando o país para o buraco: mudar de ideia significa também sair do bando, da comunidade de seus eleitores, e ficar exposto ao relento. Não fomos programados para isso. (É por isso também que são tão infrequentes as empresas em que subordinados criticam abertamente seus chefes ou expressam seu dissenso quando uma opinião vai se tornando majoritária em uma reunião.)

Por isso é que dados podem convencer pessoas neutras, ou aquelas poucas que têm a disciplina mental de um Keynes, sempre abertas a pensar diferente, mas não surtem efeito sobre a maioria: porque uma opinião, por mais disfarçada que seja em argumentos racionais, costuma levar consigo uma carga emocional e social grande.

Os passos para gerar mudança de opinião

Como, então, convencer alguém a mudar de opinião? O primeiro caminho é gerando dúvidas, mostrando inconsistências. Expondo as contradições, para gerar na pessoa o que os psicólogos chamam de dissonância cognitiva: nossa inabilidade de conviver com pensamentos discordantes. Na atual eleição americana, por exemplo, começam a surgir relatos de que Trump perdeu o voto das mães dos subúrbios porque apesar de ele representar alguns ideais que elas apoiam — como a proibição ao aborto — o comportamento e linguajar chulos e insensíveis do presidente contrastavam frontalmente com os valores que essas mães tentam passar diariamente aos seus filhos. É muito difícil votar em um candidato cujo comportamento vai contra tudo aquilo que você prega. Entre o desconforto de votar em um democrata e aquele de se ver como uma hipócrita por votar em alguém que faz o contrário do que você defende no dia-a-dia, a maioria das pessoas preferirá o desconforto menor da mudança de voto (ou, até mais simples, da abstenção). Faça perguntas que exponha as inconsistências do seu(ua) interlocutor(a), e depois deixe que ele(a) resolva-as sozinho(a).

O segundo caminho, relatado por Kahneman, é contando histórias. Nosso cérebro tem um viés previsível de querer generalizar o particular. Use dados para saber o que você quer dizer, mas ilustre-os através de uma história, de algum ser humano de carne e osso. São poucas as pessoas que se recordam de um gráfico ou tabela, mas conte uma história que surpreenda ou faça o seu ouvinte se identificar e ele se lembrará daquilo por muito tempo. Se o seu ouvinte se sentir frontalmente atacado, ou socialmente desamparado, pela sua historieta, ela provavelmente irá para a lata do lixo mental. Mas em vários outros casos em que o investimento em uma ideia não é tão alto, a história acaba convencendo. Se a gente se encontrar, peça pra eu te explicar o nosso produto One-Click Order, um algoritmo de sortimento. Depois me lembre de te contar a história do vendedor Fabio tentando convencer um dono de bar em Pirituba a comprar uma caixa de cerveja Original. Qual dos dois caminhos você acha que te fará lembrar do que fazemos?

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