Aspectos gerais das respostas imunes

Emillyohana
Biolhar
Published in
5 min readAug 26, 2020
Fonte: Biólogo.com.br

Prof. Geilza Lima

O termo imunidade é derivado da palavra latina imunitas, a qual se refere à proteção contra processos legais oferecida aos senadores romanos durante seus mandatos. No contexto fisiológico, o sistema imune tem como função a defesa do nosso corpo contra microrganismos infecciosos. Contudo, outros fatores podem desencadear tal ação, como substâncias estranhas não infecciosas e produtos de células danificadas. Mesmo o sistema imune sendo responsável pela proteção do organismo, os próprios mecanismos de defesa podem causar lesão tecidual e doença em algumas situações.

Um dos principais marcos da imunologia — ciência responsável por investigar os aspectos do sistema imunológico — foi a vacinação bem-sucedida realizada por Edward Jenner contra a varíola. Jenner, um médico inglês, percebeu que ordenhadoras que tinham se recuperado da varíola bovina nunca contraíam a varíola humana, forma mais grave da doença. Ele injetou o material de uma pústula de varíola bovina no braço de um menino de 8 anos. Quando esse menino foi posteriormente inoculado com a varíola humana, a doença não se desenvolveu.

Desde os tempos de Jenner, a ciência investe na área de imunologia, à qual se mostra muito promissora. Os avanços nas técnicas de cultura celular (incluindo a produção de anticorpo monoclonal), imunoquímica, metodologia de DNA recombinante, cristalografia de raios X e criação de animais geneticamente modificados (especialmente camundongos transgênicos e knockout) vem sendo explorados nas ciências biológicas e da saúde.

No que se refere às estratégias de defesa do nosso sistema imunológico, observam-se dois tipos de resposta imunológica — a imunidade inata e a imunidade adaptativa. A imunidade inata (também chamada de imunidade natural ou imunidade nativa) é essencial para a defesa contra microrganismos nas primeiras horas ou dias após a infecção, antes que as respostas imunes adaptativas tenham se desenvolvido. A imunidade inata é mediada por mecanismos que já existem antes da ocorrência de uma infeção (por isso inata).

Os receptores da imunidade inata são específicos para estruturas que são comuns a grupos de microrganismos relacionados e não distinguem pequenas diferenças entre microrganismos (inespecífica). Seus principais componentes são (FIGURA 1):

(1) barreiras físicas e químicas, tais como os epitélios e os agentes antimicrobianos (lisozimas, sistemas de peroxidases e mucinas)

(2) células fagocíticas (neutrófilos, macrófagos), células dendríticas (DCs, do inglês, dendritic cells), mastócitos (histamina, heparina), células natural killer (células NK) e outras células linfoides inatas

(3) proteínas sanguíneas, incluindo componentes do sistema complemento e outros mediadores da inflamação.

Tais componentes se utilizam de mecanismos de ação como o (1) recrutamento de fagócitos e outros leucócitos que destroem os microrganismos, no processo chamado inflamação e (2) o bloqueio da replicação viral e killing de células infectadas por vírus, sem a necessidade de uma reação inflamatória.

Figura 1: Principais componentes das respostas imunes inata e adaptativa. Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI (2012)

O sistema imune adaptativo, por sua vez, reconhece e reage a um grande número de substâncias microbianas e não microbianas chamadas antígenos. Embora muitos patógenos tenham evoluído de maneira a resistir à resposta imune inata, as respostas imunes adaptativas, sendo mais fortes e mais especializadas, são capazes de erradicar até mesmo essas infecções.

A resposta imune adaptativa é mediada por células chamadas linfócitos (linfócitos B e linfócitos T) e seus produtos (FIGURA 1). Esse tipo de resposta imune possui algumas características fundamentais. São elas:

● ESPECIFICIDADE E DIVERSIDADE — Respostas imunes são específicas para antígenos distintos. As porções de antígenos complexos especificamente reconhecidas por linfócitos individuais são denominadas determinantes ou epítopos. Distinguir diferenças sutis na estrutura de epítopos distintos.

● SELEÇÃO CLONAL — Clones de linfócitos com diferentes especificidades estão presentes em indivíduos não imunizados e são capazes de reconhecer e responder aos antígenos estranhos. Clones de linfócitos antígeno-específicos se desenvolvem antes e independentemente da exposição ao antígeno.

● EXPANSÃO CLONAL — as células específicas para o antígeno proliferam para gerar milhares de descendentes com a mesma especificidade.

● DIVERSIDADE — que o sistema imune de um indivíduo possa discriminar 107 a 109 determinantes antigênicos distintos.

● MEMÓRIA — respostas imunes secundárias são normalmente mais rápidas, de maior magnitude e, com frequência, quantitativamente diferentes da primeira resposta imune (ou primária) àquele antígeno. Isso porque em uma resposta secundária, células de memória de vida longa específicas reagem mais rápida e vigorosamente ao desafio antigênico do que os linfócitos virgens.

● AUTOTOLERÂNCIA (não reatividade ao próprio corpo) — eliminar muitos antígenos estranhos (não próprios) enquanto não reage prejudicialmente aos antígenos do próprio indivíduo. Estes incluem a eliminação de linfócitos que expressam receptores específicos para alguns autoantígenos, inativando os linfócitos autorreativos ou suprimindo essas células pela ação de outras células (reguladoras).

Além disso, a resposta imune adaptativa conta com duas frentes de ataque — a imunidade humoral e imunidade mediada por células (FIGURA 2). Na imunidade humoral, anticorpos produzidos pelos linfócitos B reconhecem antígenos microbianos, neutralizam a infectividade dos microrganismos e marcam microrganismos para sua eliminação pelos fagócitos e pelo sistema complemento. No caso da imunidade celular, linfócitos T atuam ativando células B e produzindo citocinas, bem como sendo direcionado aos sítios de infecção para combate direto.

Figura 2: Diferenças entre a resposta imune humoral e celular. Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI (2012)

Ambas os tipos de resposta imune — inatas ou adaptativas — se retroalimentam de modo que a resposta imune inata recruta a resposta imune adaptativa e vice-versa. As respostas imunes são reguladas por um sistema de alças de feedback positivo que amplificam a reação e por mecanismos de controle que previnem reações inapropriadas ou patológicas. Esse feedback positivo é importante para capacitar o pequeno número de linfócitos. Em contrapartida, alguns fatores inibitórios são importantes para prevenir a ativação excessiva de linfócitos.

ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. H. I. V. Imunologia celular e molecular. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

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