Samara Soares
Biolhar
Published in
4 min readAug 31, 2020

--

Microrganismos: vilões ou mocinhos?

Fonte: Gonza Rodrigues / Gauchazh Vida

Bióloga Emily Galdino

“Menino, tira isso da boca! Tem micróbios, você vai ficar doente!!!” Talvez você já tenha ouvido essa frase em algum momento da sua vida, em especial na infância; ou de alguma mãe alertando seu filho; ou até mesmo você já falou isso para alguém. É bem verdade que devemos ter muito cuidado ao estabelecer contato com certas superfícies, já que a possibilidade de adoecer é real. Porém, percebo que, por ouvir expressões assim muitas vezes, desenvolvemos o pensamento fixo de que os chamados “micróbios” só nos fazem mal. Aliás, crescemos acreditando que o ideal é estar o mais longe possível deles. Será que isso procede? Afinal, os microrganismos são sempre os vilões da história? Antes de entrarmos nesse questionamento de fato, vamos primeiramente entender quem são os microrganismos.

Imagine uma régua de um metro de comprimento; agora, divida essa régua em mil pedaços iguais. Cada pedacinho desse equivale à milésima parte do metro, recebendo o nome de micrômetro. Daí vem o termo microrganismo. Logo percebemos que se trata de organismos muito pequenos. São tão minúsculos que não é possível vê-los a olho nu, sendo necessário o auxílio de um microscópio para enxergar um deles. Assim, os organismos como bactérias, fungos, protozoários e outros se encaixam nessa descrição de que são considerados microrganismos. Apesar das controvérsias sobre a questão de os vírus serem ou não seres vivos, eles também estão inseridos na microbiologia, a ciência que se debruça no estudo destes seres microscópicos.

Existem incontáveis microrganismos a sua volta: no seu corpo, nos objetos pessoais, no chão, nos materiais em decomposição, nos alimentos. Eles estão por toda parte! Alguns são capazes de habitar em locais inóspitos, em condições extremas, como as bactérias encontradas no Lago Vostok na Antártida, ou outras que são encontradas em vulcões. Outros microrganismos são mais comuns no solo, no ar, em plantas, ou mesmos dentro de animais. Enfim, a diversidade de hábitats é imensa.

Depois de entendermos quem são, agora sim podemos voltar à nossa pergunta inicial.

Como existem uma variedade de microrganismos, alguns são de fato causadores de doenças (patogênicos). Isso acontece porque um microrganismo patogênico se beneficia das condições de seu hospedeiro, que estas são favoráveis ao seu metabolismo e ciclo de vida. Dores abdominais, febre, dificuldades respiratórias, vômitos, são alguns dos sintomas que esses microrganismos podem causar. Alguns podem desencadear doenças e consequências graves, como desenvolvimento de câncer (H. pylori), tuberculose, e, como não lembrar da COVID-19.

Como então pensar que estes “micróbios” podem ser os mocinhos? Na verdade, uma minoria dos microrganismos é patogênica. Muitos microrganismos estão ligados ao processo de decomposição da matéria orgânica (frutos estragados, animais e plantas mortos). Mas uma maioria é benéfica aos vegetais e animais, inclusive ao ser humano. É comum encontrarmos na natureza exemplos de associações benéficas entre microrganismos e animais, e também com as plantas. Talvez muitos não saibam, mas existem bactérias associadas ao intestino de animais ruminantes e alguns insetos; são elas que auxiliam no processo de digestão da celulose presente em sua alimentação, favorecendo a aquisição de energia. Também existem espécies de bactérias presentes em raízes de plantas (em especial de leguminosas); essas bactérias realizam a fixação do nitrogênio, o que permite à planta ter maior facilidade no processo de absorção de nutrientes.

Fonte: Microbiologia de Brock (Michael T. et al, 2016)

Como os microrganismos podem ser benéficos ao ser humano?

Direta ou indiretamente, somos beneficiados por eles. Indiretamente, as interações existentes com as plantas e animais promovem a manutenção da agricultura, pecuária e outros setores alimentícios (como a produção de lacticínios, bebidas, pães). Logo, a atuação de microrganismos propicia para nós a alimentação que precisamos.

Um outro ponto interessante é função decompositora dos microrganismos. Imagine se toda a matéria orgânica morta permanecesse intacta e não ocorresse a putrefação? Não haveria espaço suficiente no planeta para caber tantos mortos! Não haveria uma reciclagem de nutrientes para o solo; não haveria condições de manter a vida na Terra. Só isso já seria o suficiente para considerá-los essenciais.

Diretamente, somos também beneficiados. Nesse contexto, o conhecimento da biotecnologia ajudará a ampliar nossos horizontes. Na área da saúde, podemos ver procedimentos intimamente ligados aos microrganismos, como produção de fármacos, antibióticos e vacinas. A produção de insulina humana é graças a manipulação do gene produtor de insulina inserido numa bactéria, processo auxiliado por um bacteriófago (vírus). Além disso, existem microrganismos que constituem a microbiota normal, ou seja, eles fazem parte do nosso corpo naturalmente, sem causar dano algum; pelo contrário, favorecem o metabolismo e ainda evitam a chegada de patógenos. Fascinante!

Aqueles que são vistos como inimigos são na verdade nossos aliados em muitos aspectos.

Depois de tudo o que foi visto, talvez seja mais fácil entender e concordar com o pensamento do grande cientista francês Louis Pasteur, quando disse: “O papel do infinitamente pequeno é infinitamente grande”.

MADIGAN, Michael T. et al. Microbiologia de Brook. 14ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 2016.

TORTORA, G.J.; FUNKE, B.R.; CASE, C.L. MICROBIOLOGIA. 12ª Ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017.

--

--