Tecnologia, LGBTQI+ e a responsabilidade corporativa

Livyson
bionexo
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7 min readJun 5, 2019
Ilustração: Laíse Viana (Laise Viana)

A história nos traz, por meio dos antigos egípcios, o reconhecimento de uma sociedade que era conhecida por diversas relações homossexuais, onde as relações humanas e amorosas não eram vistas em termos binários. E o continente africano, hoje considerado um dos mais perigosos para homossexuais viverem, antes dessa pseudo-moral impositiva, já nos trazia, no final do século XIX, um exemplo de sociedade que vivia sem nenhum estigma sobre a homossexualidade. Até hoje, muitas tribos reconhecem em suas culturas indígenas a normalidade de uma sexualidade plural.

A psiquiatria ajudou a derrubar, ainda nos anos 80, o termo “preferência sexual”, já que há um reconhecimento legítimo de que não se trata de uma opção, mas, sim, de uma “orientação sexual”, o que endossa o argumento de uma natureza enraizada. Junto à psicologia, desmentiu qualquer argumento de que a homossexualidade estaria ligada a influências sociais.

E a mãe biologia não nos deixa órfãos de informação, mostrando a normalidade de tais relações até mesmo no reino animal. Destaque para o pesquisador Bruce Bagemihl, pioneiro na observação de comportamentos homossexuais em mais de 500 espécies.

Mas, infelizmente, o colonialismo, que nos apresentou a escravidão, também nos trouxe a homofobia.

Segundo a organização Stonewall (2018), um a cada cinco trabalhadores LGBTQI+ relata vivenciar, cotidianamente, algum tipo de constrangimento pela orientação sexual ou identidade de gênero. Esse número é ainda maior em seleções de emprego, quando, muitas vezes, os candidatos são descartados por conta da orientação sexual ou do gênero com o qual se identificam. Em países como o Brasil, onde ainda se discute a necessidade de proteção legal contra a discriminação à identidade de gênero, esses números podem ser ainda mais alarmantes. Segundo a CNN (2019), apenas nos EUA — onde essas questões são mais discutidas e direitos fundamentais são garantidos por lei — , 9% das pessoas LGBT estão desempregadas, em comparação com 5% das pessoas não LGBT, considerando o mesmo grau de escolaridade e competências profissionais.

Fontes: O Estado de S. Paulo (2014) e Jornal de Brasília (2017)

Os precursores

E o que todo esse contexto histórico tem a ver com tecnologia? Bom, antes de elucidar a importância de trabalhar o assunto dentro das empresas de tecnologia, é preciso entender o quanto essas pessoas já contribuíram para a área.

Além de ser a primeira lésbica assumida a trabalhar com tecnologia, Sofia Kovalevskaya traz a representatividade feminina na área de exatas, pois suas contribuições para a teoria das equações diferenciais parciais são referência até hoje em disciplinas de cálculos nos cursos de engenharia da computação.

É impossível falar em contribuições para a computação e não citar Alan Turing, o “pai da ciência da computação”, que por meio da criação de um dispositivo teórico denominado a Máquina de Turing, conseguiu abrir caminho para a criação do que hoje chamamos de computadores modernos. O mesmo esteve envolvido na concepção de vários outros periféricos e maquinários físicos na tentativa de quebrar códigos secretos que eram transmitidos durante a Segunda Guerra Mundial. Turing também criou o que é considerado o primeiro computador com um programa armazenado — ACE (Automatic Computing Engine). Não bastasse a vanguarda, ainda era matemático e tinha grandes interesses pela química. Infelizmente, todo o seu talento não foi suficiente para o salvar da homofobia existente na época. Ao ser, forçadamente, retirado do armário por generais do exército, Turing foi processado, pois atos homossexuais eram ilegais no Reino Unido.

E a questão da transexualidade não é algo polêmico apenas nos tempos atuais. Lynn Conway, cientista da computação e ativista transexual, foi demitida por revelar que estava planejando se submeter à transição de gênero. A ela são creditadas diversas descobertas sobre o VLSI (Very-large-scale integration) — o microprocessador é um dispositivo VLSI, por exemplo.

Talvez, o mais influente LGBT da computação dos tempos atuais, Tim Cook desponta na lista não só por atuar numa das maiores empresas de tecnologia do mundo, mas também por ser um militante defensor dos direitos dos homossexuais. Após ter passado por empresas como Compaq e IBM, em 2004, foi promovido a CEO da Apple. A ele é atribuída a responsabilidade pela reestruturação e estabilização da empresa após períodos difíceis. Seu modelo de gestão é estudado em grandes organizações e em cursos de MBA. Depois de Jobs, Tim é a figura de maior representatividade na Apple. Durante sua gestão, a empresa passou a ter um valor de mercado de 1 trilhão de dólares, por meio de lançamentos de produtos de sucesso, como Apple Watch, MacBook Air, os novos iPhones, e da assistente virtual Siri. É considerado o primeiro CEO abertamente gay.

“Eu tenho orgulho de ser gay e eu considero que ser gay é um dos maiores dons que Deus me deu.” — Tim Cook (Bloomberg Businessweek, 2014).

Poderíamos citar muitos outros, como Christopher Strachey, Peter Landin, Edith Windsor, Audrey Tang… Mas a lista ficaria enorme!

E qual a importância da participação corporativa?

As empresas possuem uma responsabilidade que atinge a sociedade como um todo, mas principalmente os seus funcionários. Proporcionar um local de trabalho onde todos se sintam confortáveis para não serem julgados, apontados ou vítimas de discriminação é um dever ético. A imersão de pessoas das mais diferentes etnias, crenças, ideologias, orientações sexuais e gêneros passa pela adoção de políticas de apoio a comunidades socialmente marginalizadas. Também estamos tocando em questões financeiras, já que políticas inclusivas ajudam a construir uma imagem positiva da empresa e também atraem clientes — as gigantes Google e Facebook cobram que seus fornecedores e parceiros tenham políticas de promoção da diversidade.

Se manter no armário é um processo desanimador e que, acredite, traz diversos prejuízos paras as organizações, pois tira do colaborador a tranquilidade, já que gera um desgaste e estresse em manter uma vida dupla. Isso desencoraja jovens homossexuais a buscarem tal área por acharem que não serão aceitos pelos colegas de trabalho devido à sua orientação sexual. Pesquisas já mostram que a produtividade de uma equipe é também influenciada pela atmosfera de tolerância.

Campanhas institucionais que ajudam o discurso afirmativo e dão suporte à comunidade LGBT asseguram que nenhuma pessoa seja arbitrariamente dispensada ​​de um processo de contratação e ascensão profissional, desenvolvendo, assim, equipes com várias origens, experiências e habilidades. Elas ajudam executivos abertamente gays a falarem com tranquilidade sobre suas orientações sexuais, o que, consequentemente, encoraja mais empregados a fazerem o mesmo. Em épocas de escassez de talentos, é essa cultura empresarial que faz com que um candidato escolha trabalhar para nós e não para um concorrente.

E além do papel como empresa, temos o nosso papel como cidadãos de não corroborar as posturas que firam a dignidade humana, por mais que tais atitudes se mostrem naturalmente aceitas.

Preconceito não é uma questão de opinião, é uma escolha pela ignorância.

Referências:

ADAMS, B. B. Women, Minorities, and Other Extraordinary People: The New Path for Workforce Diversity. Greenleaf Book Group, 2018.

BAGEMIHL, B. Biological Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity. Ed. 1. St. Martin’s Press, 1999.

CONWAY, L. WIKIPÉDIA. Flórida, 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lynn_Conway&oldid=50351938>. Acesso em: 02 jun. 2019.

DIETER, C. T. As raízes históricas da homossexualidade, os avanços no campo jurídico e o prisma constitucional. IBDFAM, 2012. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/As%20ra%C3%ADzes%20hist%C3%B3ricas%2012_04_2012.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2019.

Diversidade: a comunidade LGBT no mercado de trabalho. Revista Exame. São Palo, 30 de Mai. 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/diversidade-a-comunidade-lgbt-no-mercado-de-trabalho/>. Acesso em: 02 jun. 2019.

GRAHAM, D.; FEWSTER, M. Experiences of Test Automation: Case Studies of Software Test Automation. V. 1. Indiana: Editora Addison-Wesley Professional, 2012.

Kawano, C. A poetisa das equações. Revista Galileu. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT596217-2680,00.html>

MONDIMORE, F.M. A Natural History of Homosexuality. Ed. 1. Johns Hopkins University Press, 1996.

O pai das ciências da computação e precursor da inteligência artificial. Revista Superinteressante. São Paulo, 11 de Set. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/alan-turing/>. Acesso em: 02 jun. 2019.

Samuels, J. LGBT workers should be protected from discrimination. Let’s hope the Supreme Court agrees. CNN Business, San Francisco, 24 de Abr. 2019. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2019/04/24/perspectives/supreme-court-lgbt-protections/index.html>. Acesso em: 02 jun. 2019.

TREVISAN, J. S. Devassos No Paraíso — A Homossexualidade No Brasil, da Colônia À Atualidade. Ed. 4. Editora Objetiva, 2018.

THOMAS, R. R. Building on the Promise of Diversity: How We Can Move to the Next Level in Our Workplaces, Our Communities, and Our Society. AMACOM, American Management Association, 2005.

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