Em novembro de 2014 meu irmão sofreu um grave acidente que o deixou internado na UTI por 10 dias. Eu só soube de tudo 16 horas depois e graças a Internet.

Nicolas S.
Biscoito & Bolacha
Published in
4 min readAug 31, 2015

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Meu irmão não havia dormido em casa, não atendia o celular e não respondia às mensagens. Os amigos diziam que ele havia saído da cerimônia por volta das 17h30min do dia anterior e, já eram 08h30min da manhã do dia seguinte. O contato por telefone com a polícia militar foi o mais inútil possível, “ele deve estar dormindo na casa de algum amigo e logo aparece”, foi o que me disseram. Quando eu finalmente percebi que havia algo de errado, eu decidi dar uma olhada na internet atrás de alguma coisa. Não precisei de muito tempo, nem mesmo esforço, três minutos depois eu já tinha a resposta do paradeiro do meu irmão. Foram necessários apenas três termos genéricos de busca no Google para descobrir que ele se encontrava no hospital publico da cidade, após ter se envolvido num gravíssimo acidente. Não preciso relatar o que se passou durante aqueles 10 dias e, depois dele ter saído do hospital ou, até mesmo das lembranças que insistem em voltar até hoje e tenho certeza que nunca vão me deixar.

Mas uma coisa absurda não saia da minha cabeça durante toda a situação: “Três termos genéricos foram necessários para encontrar todas as informações sobre o acidente”

Quando eu fiz a busca na internet, vários portais apareceram retornando a mesma notícia jornais locais e perfis no Facebook já estavam lotados de fotos e comentários sobre o acidente, sobre o local que meu irmão havia sido levado e sobre seu possível estado de saúde.

Até hoje minha mãe sempre diz aos amigos e parentes que eu havia apenas descoberto pela internet, e a reação de surpresa é sempre a mesma. Vou confessar que por algum tempo considerei a ideia de ter descoberto o acidente do meu irmão pela internet completamente absurda, quis culpar a polícia militar e a rodoviária pela ineficiência me seu trabalho e o hospital por não terem entrado em contato. Mas após uma fria análise eu logo compreendi que, definitivamente não havia nada de absurdo em eu ter feito a descoberta por meio da internet ou de eu ter fotos antes mesmo da polícia me revelar os detalhes, e até mesmo por eu ter recebido o ponto de vista e a opinião de outras dezenas de pessoas antes de eu sequer ter formado a minha própria opinião. Eu senti na pele essa nova onda de consumo de informação, de divulgação de informação.

Enquanto eu pesquisava, vi diversas opiniões se formando e, eram comentários tanto de pessoas que estiveram presentes ou que não estiveram presentes durante o acidente.

Por um momento eu parei para me perguntar aonde mais eu encontraria tal leque de informações sobre um único evento localizado. Qual jornal se daria ao trabalho de perder tempo debatendo um acidente, de mostrar fotos em ângulos diferentes e depor informações relevantes para a reconstrução da cena? Meu irmão não era celebridade alguma, mas naquele momento ele estava se tornando um trending topic para dezenas de pessoas interessadas em dissecar o caso. A Internet havia aberto tal canal de comunicação para a discussão daquelas pessoas, e para mim que no momento era um simples telespectador atrás de uma informação.

Claro que não havia necessidade dessa situação excepcional para eu perceber que a forma fazer e ler notícia havia mudado drasticamente. Porém, ver a coisa se formando numa cidade do interior paulista torna tudo mais tangível, muito mais real. As pessoas estavam frenéticas para dar comentários, opiniões, postar fotos e detalhes, e elas continuavam a repercutir o assunto durante o decorrer da semana. Era estranho perceber como essas pessoas tinham a necessidade de pertencer à história que não era delas, fosse acrescentando um detalhe ou simplesmente dando sua opinião, todos eram “críticos de acidente” e todos eram jornalistas. A partir daí, consegui enxergar com mais clareza outro movimento.

A corrida pela notícia.

Não é grosseiro afirmar que no segundo seguinte a um fato ocorrido os curiosos caem em cima como urubus. Menos grosseiro ainda é afirmar que cada urubu procura seu melhor pedaço de carniça, e com esse pedaço de carniça ele tende a espalha-lo entre a sua ‘ninhada’.

A evolução tecnológica deu poderes a esses urubus, agora munidos de um simples smartphone com internet móvel eles são capazes de espalhar carniça por aí com uma velocidade incrível. Dessa forma, a corrida deixou de ser pela informação e passou ser uma corrida pelo compartilhamento mais rápido e, obviamente sem curadoria nenhuma de informações. Hoje em dia, qualquer um pode ser jornalista, se estiver com as ferramentas corretas na hora e no local certo.

E esse tende a ser o futuro, o jornalismo está saindo de mãos graduadas e passando a ocupar as grandes massas.

E como fica o arcaico?

Durante muitos anos estivemos acostumados checar as notícias e atualidades pelos jornais fossem eles impressos ou telejornais. Durante mais alguns anos esse costume vai continuar, porém, cada dia mais é um costume que vem enfraquecendo. Facebook e Twitter vêm se movimentando para lançar notícias em seus servidores por meio de curadoria de grandes portais, a Apple se prepara para entrar nesse mercado. O Flipboard permite que o usuário crie suas próprias notícias e incorpore as suas revistas costumeiras. Qualquer um pode ajudar uma hashtag a entrar nos Trendig Topics.

A experiência vivida pelo acidente do meu irmão só serviu para reforçar minha convicção de que caso eu queira me atualizar rapidamente é melhor eu checar minhas redes sociais do que esperar a próxima redação ser fechada.

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Nicolas S.
Biscoito & Bolacha

Porque separar os biscoitos das bolachas se podemos ter os dois? Marketing Industrial, Marketing Pessoal, Marketing Alimentício, Marketing Amoroso e por aí vai.