Arquitetura de marcas & o endosso do Facebook
O que exatamente "From Facebook" representa quanto a arquitetura de marcas, e quanto ao futuro da empresa
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Instagram e Whatsapp deixarão de ser somente Instagram e Whatsapp para se tornar, respectivamente, “Instagram from Facebook” e “Whatsapp from Facebook”. Assim, com nome e sobrenome.
Antes de entrarmos nas implicações disso para cada uma das marcas e para o próprio Facebook, na especulação das motivações e nas opiniões, vamos entender exatamente o que isso significa. Primeiro, um pouco de teoria.
Esse movimento do Zuckerberg é uma mudança na sua estratégia de arquitetura de marcas.
Arquitetura de Marcas
Na gestão de uma marca e em todo processo de branding, arquitetura de marcas é a ferramenta que permite estabelecer as relações entre uma marca e quaisquer outras marcas associadas a ela — sejam de produtos ou de serviços, e sejam elas atuais ou futuras.
“A organização precisa desenvolver uma estratégia de portfólio que crie clareza, sinergia, relevância, alavancagem e funções de marca bem definidas, não confusão e oportunidades perdidas. No processo, é bem importante entender o espectro de marca e as funções motivadoras.” — David Aaker
É preciso entender tanto os objetivos estratégicos da marca-mãe (alguns chamam de marca “master”, a que origina e gerencia todas as outras), quanto o papel de cada iniciativa, para aí sim definir qual será o nível de influência de uma sobre a outra.
E quanto ao nível de influência, existem quatro modelos diferentes de arquitetura de marcas, segundo David Aaker. Eles partem de uma lógica em que a influência da marca mãe é máxima, e esta vai diminuindo até se tornar inexistente.
Vamos brevemente a cada um deles, nessa ordem.
Monolítica
Nesse modelo, a influência da marca-mãe sobre suas marcas é total. Ou seja, os seus produtos são identificados somente com um descritivo, no máximo com alguma diferenciação de cor ou outro detalhe visual.
O que interessa aqui é que, aos olhos do consumidor, ele está consumindo a marca-mãe e a sua proposta de valor original, mesmo que em um “modelo” ou formato um pouco diferente.
Um bom exemplo disso é a relação inicial entre Amazon e Amazon Prime. Amazon Prime era uma marca monolítica porque o “Prime” atuava somente como um descritivo, para destacar que aquele é um serviço mais premium.
Mas ele estava completamente inserido no contexto da Amazon, e Amazon Prime era uma marca que não se comunicava de forma independente. Conforme ela foi evoluindo, ganhou maior independência.
Submarca
Aqui, a marca continua imersa no universo da marca-mãe, mas damos um passo para mais longe. Vamos usar a Firefox para ilustrar.
Recentemente, a Firefox redefiniu seu portfólio, que agora é composto de quatro produtos. Os quatro são atrelados à marca Firefox tanto no nome, quanto visualmente. Mas as marcas dos produtos não são meros descritivos.
Elas tem sites próprios, propostas de valor próprias e podem se comunicar com públicos diferentes. O papel delas é justamente esse — estender a atuação da marca Firefox para contextos onde “sozinha” ela não alcançaria sem gerar confusão. Mas sempre deixando clara a sua origem.
Endosso
As marcas endossadas tem maior independência na sua atuação e imagem. Elas não precisam necessariamente construir valor para a marca-mãe, podendo ter seus próprios territórios e se comunicar com públicos mais diversos.
Mas, seja para manter a consistência entre uma família de produtos ou para dar um “empurrãozinho” inicial em uma marca totalmente nova no mercado, a marca-mãe procura se fazer presente, mesmo que mais discretamente.
O endosso geralmente acontece de três formas: ou uma assinatura (“powered by”), ou algum elemento do nome (Nestlé e suas Nespresso, Nescafé, Nesfit..), ou com a presença da marca-mãe visualmente, como um selo.
Um exemplo clássico do endosso é a família de produtos Apple, na sua estratégia inicial, ao conectar todos os produtos por um “i” no nome. Eles tinham total independência entre si, mas a letra garantia que uma inovação fosse ser bem recebida no mercado por estar diretamente atrelada à Apple.
(Inclusive, vale notar que nos seus produtos e serviços mais recentes, a Apple passou a adotar um modelo de submarcas — Apple Watch, Apple TV+, Apple Card..)
Casa de Marcas
Por fim, em uma Casa de Marcas, gerenciamos produtos e serviços que não possuem qualquer ligação entre si, ou com a marca-mãe. Nesses casos, essa ligação não faria diferença na decisão de compra do consumidor, ou poderia pesar para o lado negativo.
Esse modelo é muito utilizado por marcas com mais de uma oferta no mesmo segmento. Cabe a ela, corporativamente, gerenciar cada território na prateleira e na mente do consumidor, e qualquer associação poderia causar confusão.
Quando o Google virou Alphabet, essa era a intenção. Poder gerenciar diferentes inovações, sem contaminar a imagem do Google, e atuar em áreas totalmente diferentes — de self-driving cars à casas inteligentes e venture capital.
“A situação ideal é aquela na qual a marca-mãe fortalece a nova oferta, e se beneficia por ser parte dela.” — Aaker
Combinações entre modelos
Vale destacar que é muito raro termos empresas que optam por um modelo de arquitetura de marcas e seguem com ele indefinidamente. Hoje em dia, o comum é que a mesma empresa adote diferentes tipos de arquitetura conforme o produto, o mercado ou a estratégia.
Consideramos estes modelos híbridos, que nada mais são do que a combinação de um ou mais dos quatro modelos acima.
Além disso, se observarmos atentamente, a influência da marca-mãe sobre as suas marcas evolui com o tempo, podendo aumentar ou diminuir conforme os objetivos do negócio.
É o caso, por exemplo, do Amazon Prime que evoluiu para se tornar somente Prime, ou da Apple que começou endossando todas as suas marcas, mas hoje segue uma lógica de submarcas.
O público vai se adaptando. Os negócios evoluem. Os CEOs mudam de ideia.
O que nos traz ao Facebook.
A nova estratégia do Facebook
Instagram e Whatsapp eram, originalmente, marcas independentes, configurando uma relação de “Casa de Marcas” em relação ao Facebook.
Isso fazia sentido porque essas não foram marcas que nasceram do Facebook, elas foram adquiridas. E no momento da aquisição, cada uma delas já tinha um território claro no mercado e muita relevância junto ao público.
O Facebook passou a gerenciar e promover trocas e integrações entre os seus produtos, mas manteve intacta a independência entre as marcas.
Até agora.
Ainda segundo Aaker, precisamos fazer três perguntas ao definir a marca ideal para uma nova oferta.
- A marca-mãe existente vai fortalecer a oferta?
- A oferta vai fortalecer a marca-mãe?
- Há um motivo convincente para gerar uma nova marca, seja ela uma marca independente, marca endossada ou submarca?
Essas três perguntas deixam claras todas as fragilidades na estratégia do Facebook.
O Facebook vai fortalecer Instagram e Whatsapp?
Tudo leva a crer que não. Segundo pesquisas de 2018, mais da metade dos americanos não reconheciam qualquer conexão entre os aplicativos e o Facebook. O que é considerado um asset, porque outras pesquisas citadas pela Forbes afirmam que, ao descobrirem quem é o dono de Instagram e Whatsapp, as percepções positivas das pessoas diminuem.
Além disso, não é preciso olhar muito de perto para essas três marcas para perceber que conforme o Facebook (plataforma) perde em relevância — seja porque os adolescentes fugiram de lá quando seus pais chegaram, ou por movimentos como #DeleteFacebook — , Instagram e Whatsapp ganham.
Ganham em usuários e também em dinheiro de anunciantes. O que no fim do dia, é dinheiro para o Facebook. Mas parece que isso não é o suficiente.
Os aplicativos vão fortalecer o Facebook?
Existe essa possibilidade. É remota, mas existe. E é por causa desse ponto que eu passei a primeira metade desse texto explicando teoria de arquitetura de marcas.
Porque vale entendermos que, em estratégias de endosso, geralmente se busca atrelar a credibilidade da marca-mãe à novas iniciativas, ou produtos que precisam de uma força no mercado. Mas a julgar pela crise de credibilidade do Facebook, a estratégia aqui só pode ser a oposta.
Espera-se que o alto índice de “likability” de Instagram e Whatsapp seja transferido, pelo menos em parte, para o Facebook. O efeito desejado é o de “nossa, esse produto que eu adoro é dessa empresa — acho que eu posso gostar dela também”.
O que tudo bem, se a empresa em questão não fosse o Facebook.
Afinal, há um motivo convincente para mudar a estratégia de arquitetura?
Há quem diga que não. A principal história que está circulando é de que esse movimento é baseado na frustração de Mark Zuckerberg com o fato de que a empresa que ele fundou não recebe crédito suficiente pela popularidade do Instagram e do Whatsapp.
O que faz sentido se olharmos para a timeline de ambos os aplicativos dentro da empresa, que chegaram com promessas de independência, e foram vendo seus produtos serem cada vez mais sugados pelo Facebook a ponto de todos os seus fundadores terem abandonado o barco.
Mas existe outra questão permeando esse movimento, que é a estratégia do Facebook para os próximos tempos — “The Future is Private”. E junto com ela, as plataformas da empresa serão cada vez mais integradas.
Contatos, plataformas de chat, transferências, grupos.. a tendência é que tudo fique cada vez mais híbrido entre todos os aplicativos, e que circulemos entre um e outro com cada vez menos barreiras.
Talvez, nessa visão de futuro, realmente não faça sentido termos três marcas e três produtos diferentes.
Talvez, esse passo para longe da independência entre as marcas seja apenas o primeiro, rumo a um futuro em que não teremos três aplicativos — mas uma só plataforma de serviços.
From Facebook.
Observações
- Arquitetura de marcas é um assunto complexo, e o mesmo exemplo pode incitar diferentes interpretações. Assim, se você ficou com alguma dúvida, deixe um comentário que eu posso esclarecer :)
- Ainda sobre as diferentes interpretações, o Google nessa hora pode ser nosso inimigo. Muitas pessoas consideram “endossadas” o que aqui eu considerei “submarcas”, e no Google Imagens você certamente irá encontrar até arquiteturas monolíticas com o nome de “Casa de Marcas”. Eu tentei aproximar ao máximo a minha leitura à grande referência em metodologia, David Aaker.
- Se você quiser se aprofundar no assunto, recomendo “A Estratégia de Portfolio de Marcas”, e também “Aaker on Branding”, deste autor.
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