O trabalho do futuro e o futuro do seu trabalho.

Manuela Allo
Blend_Juicing Ideas
8 min readDec 16, 2015

(ou "Como as relações de trabalho estão se transformando e para onde elas estão caminhando.")

A cena é clássica e se repete dia após dia: madrugada no escritório entre compromissos desmarcados e e-mails de follow-up. Até que, cansado de jantar pizza na frente do computador mais vezes por semana do que o seu colesterol te permite, você decide sair da empresa e seguir em busca do seu caminho. Uma vez fora do mercado, começa a ver outras pessoas ao seu redor fazendo o mesmo movimento.

Nesse momento você entende que há uma revolução em curso, questionando a relação entre trabalho e os nossos valores mais íntimos. E que já é chegada a hora desses dois pontos se re-conectarem.

Créditos: http://skibb.it

Das máquinas a vapor aos iMac 27", pouca coisa mudou.

A jornada de trabalho de 40h/semanais que ainda praticamos é fruto da Revolução Industrial. E, se pouca coisa mudou no caso do modelo de trabalho, o mesmo não pode ser dito em relação ao mundo em geral. A estrutura das cidades, a forma como nos locomovemos e as dinâmicas familiares, por exemplo, se alteraram sensivelmente no decorrer destes dois séculos que nos separam do início da industrialização.

Um dos impactos mais notórios dessa discrepância pode ser observado no cotidiano da maioria das grandes cidades. Com todos os trabalhadores de uma cidade batendo ponto nos mesmos horários, os congestionamentos da hora do rush se tornam inevitáveis. As horas perdidas nos deslocamentos casa-trabalho-casa são furtadas do famoso "tempo livre", afetando o lazer, o descanso e as relações afetivas. Por sua vez, cada vez mais cansados e desmotivados, os profissionais tornam-se menos produtivos. Mas esse círculo vicioso pode ser interrompido com uma simples e, ao mesmo tempo, profunda interrogação:

Essa é a única maneira de se relacionar com o trabalho?

A cada dia a resposta se faz mais evidente: não.

Para entender esse movimento, é preciso olhar para o futuro.

Sim, para o futuro e não mais para o passado.

Num mundo em que a velocidade das mudanças cresce em ritmo exponencial, alterando as estruturas mais básicas da nossa sociedade, construir uma carreira já não tem para nós o mesmo sentido que tinha para gerações anteriores, como a de nossos pais. Ao mesmo tempo, conceitos como “estabilidade”, por exemplo, são ressignificados diante de tamanha volatilidade. John Chambers, ex-CEO da Cisco, aposta que 40% das empresas não existirão na próxima década.

O que, então, é ser estável nesse mundo em constante mudança?

A tecnologia está aí para nos provar que outras relações de trabalho não são apenas possíveis como necessárias. Segundo Thomas Frey, um dos maiores nomes da Futurologia, até 2030, 2 bilhões de empregos terão desaparecido. Mas isso não significa, necessariamente, um mundo com 2 bilhões a mais de desempregados. Pelo contrário, novas oportunidades de trabalho, sequer imaginadas nos dias atuais, surgirão como resposta às demandas que ainda serão criadas. Graeme Codrington, futurista da TomorrowToday Global fez suas previsões para a FastCompany e o próprio Thomas Frey dá os seus palpites no vídeo abaixo.

E quanto ao presente?

De acordo com pesquisa da ISMA Brasil, 72% das pessoas estão insatisfeitas com o trabalho. E, convenhamos, não é nem preciso dados e números para comprovar essa realidade — basta olhar para os lados. Com tantas pessoas descontentes com seus atuais empregos, não dá para esperar o futuro para que novos caminhos sejam postos em prática.

A tecnologia, desde já, proporciona alternativas viáveis: a internet possibilitou a desterritorialização do trabalho, mudando a lógica da necessidade de se deslocar fisicamente para exercer uma atividade. De acordo com o McKinsey Global Institute, cerca de 160 milhões de empregos (o que corresponde a, aproximadamente, 11% do total de 1.46 bilhões de empregos do mundo) podem ser exercidos remotamente. Isso proporcionou com que os trabalhos de freelancer crescessem 50% nos últimos anos, criando até uma nova categoria de trabalhadores: os nômades digitais.

Essa mudança, aparentemente física, tem um impacto profundo nas estruturas hierárquicas ao qual estamos acostumados. Equipes multidisciplinares com profissionais autônomos se configuram, muitas das vezes, em estruturas horizontais, onde a colaboração toma o lugar da autoridade como a cola que une as partes.

Além disso, a autonomia profissional também se traduz em maior independência da vida pessoal. Sem a obrigação de bater ponto em horários estipulados por uma ordem superior, o profissional autônomo consegue estabelecer seus próprios horários de trabalho, criando um planejamento com foco em maior produtividade e equilíbrio entre os deveres do seu job description, suas relações sociais e suas necessidades pessoais.

Agora, se você não acha uma proposta de emprego que atenda as suas necessidades profissionais e pessoais, por que não criá-la? Ser protagonista de seu próprio destino é uma ideia que já conquistou 3 em cada 10 brasileiros entre 18 e 64 anos, apesar de todos os percalços burocráticos que aparecem pelo caminho. O empreendedorismo é muito mais do que a chance de ficar milionário ou de não precisar dar satisfações a um chefe mala. É a oportunidade de traduzir em uma empresa seu propósito, seus valores, suas ambições pessoais e dedicar o seu esforço a um empreendimento que você pode chamar de seu.

Mas por quê eu abriria mão de um emprego "estável"?

As motivações para que novas relações de trabalho sejam postas em prática são inúmeras e muito pessoais. Passam por questões econômicas, sociais, individuais — ou um mix delas. Mas duas parecem se destacar:

A busca pela tão procurada qualidade de vida

Estamos vivendo a época da desglamourização do workaholic. Se os princípios em alta entre a geração dos yuppies eram a ambição, o ego, a competição e o consumismo, pelos quais eles trabalhavam exaustiva e orgulhosamente; hoje em dia testemunhamos a decadência destes valores e a substituição por seus antônimos: colaboração, inclusão e consumo consciente.

Créditos: O lobo de Wall Street

Com isso, a exaltação das horas extras, como símbolo de dedicação e esforço pessoal, cai por terra e deixa espaço para a valorização da qualidade de vida, do tempo dedicado à família, ao lazer e ao descanso. Estar sempre abarrotado de trabalho deixa de ser um status profissional para significar falta de prioridades e até de organização. O sonho de ser o presidente de uma multinacional, trabalhando 12h por dia, 7 dias na semana, com uma úlcera causada por stress ou prestes a ter um enfarto, dá lugar a vontade de participar mais da vida de seus filhos, praticar algum esporte que te torne mais saudável ou se dedicar ao seu hobby favorito.

Se para a geração anterior "time is money"; a geração de agora já entendeu que "money is not time", e de nada adianta um contracheque gordo no fim do mês se nenhum dinheiro do mundo é capaz de comprar mais tempo para que você se dedique ao que é essencial.

A necessidade de alinhamento entre valores pessoais e profissionais

Finalmente, estamos nos tornando consumidores mais conscientes de nosso papel, entendendo que somos personagens ativas da cadeia de consumo e, portanto, tão responsáveis pelos impactos ambientais e sociais causados pelo consumismo desenfreado quanto as empresas e o mercado em si. Afinal, somos nós quem fazemos essa engrenagem girar.

A compreensão do nosso papel pessoal enquanto consumidor de bens gera também a consciência do nosso papel profissional enquanto colaborador dessa mesma produção de bens. A filósofa Hannah Arendt, em sua análise do julgamento de Adolf Eichmann, observa que aquele que os judeus temiam como um dos nazistas mais cruéis, em sua própria concepção, era apenas um funcionário público da SS agindo conforme a lei vigente na Alemanha naquele período, obediente e cumpridor das metas que lhe foram impostas. Faltava a Eichmann uma consciência crítica sobre o seu trabalho que, no caso, era o de coordenar a logística de envio dos judeus para os campos de extermínio. A reflexão filosófica sobre o zelo burocrático de Eichmann resultou na sua teoria sobre a Banalidade do Mal.

Passamos pelos menos 8 horas diárias exercendo a nossa identidade profissional, será que estamos investindo o nosso tempo, o nosso esforço e a nossa saúde em projetos que efetivamente acreditamos?

A partir dessa análise crítica, começamos a questionar nossos empregos e o impacto de nossas atitudes profissionais, por mais burocráticos que eles pareçam ser. O desalinhamento entre nossos valores pessoais e profissionais tem levado a mudanças de perspectiva em relação a importância do trabalho e qual colaboração queremos dar para a sociedade de uma forma geral.

Então, quer dizer que esse é o caminho?

Não (necessariamente).

O objetivo aqui não é levantar a bandeira do trabalho freela ou do empreendedorismo como soluções perfeitas e aplicáveis a todos, até porque seria ingênuo e leviano ignorar os pontos "contra" dessas duas formas de trabalho. Mas é inegável a importância de quebrar a hegemonia do emprego CLT como a única opção válida no mercado de trabalho.

As diferentes alternativas de trabalho são, em última instância, manifestações da sociedade de que o emprego carteira assinada tal qual conhecemos hoje está se esgotando por conta da falta de diálogo com as mudanças sociais que estão ocorrendo do lado de fora das portas de fábricas, empresas e escritórios.

Essas novas possibilidades surgem para que se amplie o leque de opções e para que possamos fazer as escolhas mais interessantes e adequadas às nossas necessidades, mesmo que estas sejam pontuais. E, principalmente, uma oportunidade de sacolejar diretorias e RHs de empresas diante do chamado para que se adequem a um novo mindset e renovem suas estruturas, evoluindo junto da sociedade e não alheia a ela.

Algumas empresas já estão aproveitando esse momento para olharem mais profundamente para si mesmas, entendendo que este é o tempo propício para testar o novo e fazer diferente. Cerca de 36% das empresas brasileiras já adotam o home office como uma possibilidade para seus funcionários. O Zappos adotou a holocracia (sistema que abre mão da hierarquia e dos títulos) e dá seu depoimento sobre como está sendo a transição para esse novo modelo de governança totalmente horizontal. A Uniqlo está testando um novo modelo onde os funcionários podem optar por trabalhar apenas 4 dias na semana. Se todas essas mudanças darão certo, ainda não sabemos, mas por ora o que vale é a quebra de paradigma e a busca por se construir novas possibilidades.

Ao mesmo tempo, esse novo cenário também serve de aviso a todos nós sobre a urgência em se manter atento e atualizado às mutações que o mercado está vivendo. Começar de novo, testar possibilidades, ser reinventar a todo momento. Neste contexto instável e de desafios cada vez mais inimagináveis, progredirá quem melhor souber se adaptar às constantes metamorfoses e evoluir com elas, sejam empresas ou profissionais.

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