Publicidade: muito além do papel de vender.

Manuela Allo
Blend_Juicing Ideas
3 min readNov 17, 2015

Brasil, 2015.

Nas ruas, mulheres se unem para reinvindicar o direito sobre seus corpos e seus destinos.

Nas mídias sociais, milhares de relatos sobre assédios morais e sexuais sofridos por mulheres, em sua maioria ainda durante a infância, são trazidos à tona, levantando uma relevante discussão sobre o tema.

Nas escolas, estudantes e professores debatem a questão da violência contra a mulher, motivados pelo tema da redação do Enem deste ano.

Enquanto isso, na TV, ainda temos marcas que utilizam a figura feminina de forma estereotipada, hipersexualizada e/ou passiva nos scripts de comerciais de produtos de limpeza, bebidas, carros e outros.

Tomo como exemplo a abordagem da questão de gênero pela publicidade para ilustrar como as condutas ainda estão engessadas e pautadas em discursos vazios e com muito pouco esforço dentro do que caberia ao pensamento publicitário. Muito já se falou dos exemplos acima, que são bem corriqueiros e até mesmo banais, mas ainda assim fundamentais pra mostrar o quão evidente é a dissonância entre as mudanças sociais que estão ocorrendo no mundo e o discurso publicitário atual.

Créditos: http://rorymidhani.com

A publicidade vende o quê mesmo?

O discurso é um produto de dupla via: ao mesmo tempo em que é moldado a partir de conceitos sociais e orientações culturais, políticas e econômicas, ele também tem um papel fundamental de manutenção ou transformação de estruturas sociais, atuando na formação do sujeito e suas identidades.

Créditos: Pinterest

O discurso publicitário se apropria de atributos sociais, emocionais e sensoriais para estabelecer o senso de pertencimento por meio de sua comunicação e o senso de individualização por meio do consumo.

Em última instância, não se vende um produto, mas sim uma ideia, um conjunto de valores morais, que repercutem profundamente no tecido social e nas interações que nele acontecem.

Ok. E como a publicidade pode ajudar a mudar algo?

Reduzir a publicidade apenas a uma ferramenta comercial é negligenciar a sua potencialidade como construtora de identidades e de valores que afetam as nossas interações enquanto seres sociais.

A publicidade é uma ferramenta social.

Portanto, precisamos utilizar o seu potencial na construção de discursos subjetivos e a sua capacidade de massificação de conceitos a favor de discussões positivas e na subversão de conceitos que produzem uma interação social de exclusão, ao invés de perpetuá-los cegamente, tendo como objetivo único o consumo de seus produtos.

Na prática, isso significa romper com dogmas sustentados pela indústria publicitária desde os tempos de Mad Men.

Ir na contramão de conceitos conservadores que não dialogam mais com as mudanças culturais que vemos no horizonte e que, mais do que deixar a comunicação com cheiro de naftalina, tem como consequência a manutenção de comportamentos sociais retrógrados, excludentes, misóginos e preconceituosos.

Observar a sociedade para a qual ela comunica, entender suas nuances, suas reivindicações e suas novas configurações são movimentos vitais para a construção de um diálogo entre empresas e sociedade que seja relevante e benéfico para todos.

A indústria criativa está em completa transformação: valores ultrapassados estão sendo contestados e substituídos por outros mais inclusivos e significativos. Com a publicidade, o caminho não será o inverso. A pergunta que irá separar o joio do trigo daqui pra frente é:

"Qual é o propósito que te move ou que move sua marca/produto/projeto?"

E não se trata de usar esses novos valores de forma oportunista, em um "social washing" que dá para ser farejado a quilômetros de distância. Se o objetivo é apenas parecer politicamente correto e o discurso não é fruto de um propósito real e nem se traduz em atitudes, mais cedo ou mais tarde tudo irá ruir.

É necessário criar um território onde o diálogo e as experiências gerem um legado de discussão e reconfiguração das interações sociais em direção aos avanços que já estão acontecendo e que precisam ser potencializados.

A publicidade não pode e não deve estar alheia às revoluções que estamos testemunhando e vivenciando.

Seu papel social é o mesmo que temos todos, enquanto indivíduos e organizações: o de promover reflexões, repensar e reciclar atitudes e, acima de tudo, valorizar o propósito.

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