Binance vs FTX

“Game of Thrones” — Crypto Edition

Block3 Research
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6 min readNov 10, 2022

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Nos últimos dias vivenciamos episódios históricos no mercado de criptomoedas, que deixariam até os mais aficionados pela série “Game of Thrones” de cabelo em pé. A ganância e a disputa pelo poder entre os dois principais expoentes da indústria tiveram um desfecho surpreendente, com a insolvência de uma das maiores corretoras do mercado e potencial aquisição pelo seu maior concorrente. Para entender o que aconteceu e os principais desdobramentos disso é preciso voltar um pouco no tempo e conhecer a história dos dois personagens desse roteiro.

Sam Bankman-Fried (“SBF”) é um bilionário americano com fortuna estimada em U$ 25 bilhões pela Forbes. Ex-aluno do MIT, começou a construir seu império em 2017 quando criou a Alameda Research, uma companhia de trading quantitativo e venture capital de criptomoedas. Em 2018 Sam criou a FTX, que se tornou uma das principais corretoras de cripto do mundo com valuation estimado em U$ 32 bilhões.

Changpeng Zhao (“CZ”) nasceu na China e é considerado um dos homens mais ricos do mundo, com fortuna estimada em U$ 100 bilhões. CZ iniciou sua carreira na Bloomberg em 2001, mas tudo mudou em 2013 quando teve o primeiro contato com o bitcoin e decidiu mergulhar nessa indústria. Em 2017 fundou a Binance, que se tornou a maior corretora de cripto do mundo.

A origem do desentendimento entre ambos não vem de hoje. Em 2019, ao perceber o potencial de crescimento da FTX, a Binance decidiu investir na empresa, o que se mostrou um grande acerto — nos anos que se seguiram a FTX cresceu de forma exponencial, oferecendo uma interface para o usuário muito superior aos seus concorrentes. Cresceu tanto que passou a se tornar uma ameaça para a própria Binance, que optou por se desfazer do investimento em 2021, recebendo como parte do pagamento bilhões de dólares em tokens FTT (tokens emitidos pela FTX).

Nos últimos anos, SBF passou a ser cada vez mais influente na indústria, e seu foco era explorar a principal fraqueza de seu concorrente — CZ nasceu na China e existem rumores de envolvimento chinês na Binance. Sam percebeu que para continuar crescendo nos Estados Unidos, mercado em que a Binance tinha dificuldades de penetrar, precisaria conquistar os reguladores americanos, e com isso se tornou o segundo maior doador da campanha eleitoral de Joe Biden em 2020 e na campanha democrata nas eleições de 2022. Com isso, SBF passou a frequentar o congresso americano e a defender regulações que não seriam benéficas para a indústria cripto, prejudicando o crescimento das aplicações de finanças descentralizadas — isso incomodou bastante CZ. No entanto, os ânimos ficaram realmente exaltados nas últimas semanas após um tuite de Sam:

Na semana passada a CoinDesk, um dos maiores portais de notícias do mercado, publicou uma história que afirmava que grande parte dos U$ 14,6 bilhões em ativos no balanço da Alameda (trading fund da FTX) eram na verdade o token FTT, que lastreavam $ 8bi em passivos. CZ, que levou os comentários de SBF para o lado pessoal, resolveu contra atacar e tuitou que a Binance iria vender os tokens FTT que possuíam em balanço.

Imediatamente Caroline Ellison, CEO da Alameda, tuitou que estariam dispostos a comprar a posição da Binance por U$ 22 por token — esse foi o trigger para que investidores começassem a especular sobre uma possível insolvência da FTX e da Alameda caso o preço caísse abaixo desses patamares e iniciou-se então uma corrida bancária contra a FTX e a abertura de muitas posições shorts em FTT. No dia 07/11 a noite, o FTT perdeu o patamar dos U$ 22 e na manhã do dia seguinte a FTX parou de processar os saques dos clientes.

A crise de liquidez iniciada por desavenças no twitter foi ganhando dramaticidade à medida que o tempo passava e a FTX não se pronunciava, até que, para a incredulidade de todos, a Binance anunciou que iria comprar a FTX, sujeita a análise de due dilligence.

No dia 9/11 a Binance anunciou a desistência do deal, após apurar em um due dilligence inicial que o rombo na FTX era muito grande e houve mal uso do dinheiro dos clientes, com provável investigação pelas autoridades americanas. Algumas perguntas ainda seguem sem respostas.

Como uma exchange bem sucedida como a FTX chegou nessa situação?

Os problemas da FTX são possivelmente reflexos da derrocada do ecossistema Terra Luna em maio deste ano, em que evaporou U$40 bilhões da blockchain Terra e gerou liquidação em cascata de diversos ativos e players de mercado. Um mês após este evento a Three Arrows Capital (“3AC”), até então um dos maiores hedge funds de crypto, entrou em falência devido às chamadas de margem que sofreu após o colapso dos preços de seus ativos utilizados como colateral em empréstimos. Os principais credores do 3AC eram Crypto Banks (Celsius, Voyager), que sofreram uma onda de saques e também se tornaram insolventes, assim como diversos outros players.

Sam Bankman-Fried surgiu então como o grande herói do mercado cripto ao oferecer socorro a várias dessas instituições, evitando um contágio ainda maior no sistema. Hoje se sabe que a Alameda possuía empréstimos em aberto com algumas das instituições que foram socorridas e existem suspeitas que poderia ter ficado insolvente também caso essas empresas fossem liquidadas.

E o que a FTX têm a ver com isso? Por que ela não conseguiu honrar os saques dos clientes? O valor do token FTT não deveria afetar as reservas dos clientes da corretora. As investigações ainda estão em andamento, mas acredita-se que Sam utilizou uma parte dos recursos dos clientes para cobrir o rombo em sua outra empresa, e estima-se que o buraco no balanço da FTX seja em torno de U$ 6–8bi, grande demais até para players como a Binance absorverem.

Quais as implicações para o futuro da indústria?

Este evento ficará marcado para sempre e somente teremos clareza dos reais impactos ao longo dos próximos meses. Acreditamos que alguns dos potenciais desdobramentos são:

· A Binance sai vencedora desse episódio, pois está absorvendo a maior parte do volume que foi sacado da FTX. Possivelmente sofrerá pressão adicional de reguladores devido à sua concentração de mercado.

· O resgate de recursos de corretoras de menor escala estão aumentando e gerando novas corridas bancárias, podendo torná-las insolventes.

· Fundos de investimento com recursos travados na FTX sofrerão impairment da posição, levando a resgates dos cotistas e forçando a venda de ativos.

· Grandes VCs que possuem equity da FTX marcarão a zero o ativo, perdendo poder de fogo de investimento (ex: Sequoia e Multicoin Master Fund).

· Empresas investidas da Alameda (ex: Solana, Serum, Aptos) sofrerão grande pressão de venda, pois espera-se a liquidação forçada das posições da Alameda.

· Diversos projetos utilizavam a FTX como market maker e tinham parte de sua tesouraria na corretora (ex: Aurory) — possivelmente veremos alguns deles quebrarem.

· Empresas credoras da Alameda poderão se tornar insolventes.

· Exchanges descentralizadas passam a ganhar mais força no mercado (ex: DYDX, GMX).

· Investidores de varejo perderão boa parte de seu patrimônio.

· Redução drástica de liquidez do mercado.

· Reguladores apertarão o escrutínio sobre todo o ecossistema.

O ambiente de curto prazo certamente será bastante desafiador, mas acreditamos que a indústria sairá mais forte de tudo isso — a tecnologia e suas aplicações vieram para ficar, e grandes players institucionais já reconheceram seu valor e estão investindo pesado no setor. A revolução tecnológica está apenas no começo e episódios como os desse ano fazem parte do amadurecimento de uma indústria ainda muito incipiente — os players mais bem preparados irão sobreviver e liderar o desenvolvimento futuro do ecossistema. Podemos tirar duas grandes lições disso tudo: (1) é muito importante que a regulação avance no setor — esse pode inclusive ser um dos grandes catalisadores de um próximo bull market e (2) a tese de descentralização fica cada vez mais forte.

Disclaimer: Esse conteúdo possui caráter estritamente educacional e não constitui recomendação de compra ou venda de ativos.

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