MASTERING STABLECOINS

Block3 Research
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17 min readJul 8, 2022

O QUE SÃO, COMO FUNCIONAM E QUAIS RISCOS ELAS OFERECEM

1) Introdução

As stablecoins são ativos digitais criados nas blockchains para reproduzir o preço de moedas fiduciárias como o dólar através de mecanismos de estabilização — a maior parte delas é emitida por instituições privadas. Inicialmente, foram criadas para serem um instrumento para traders saírem das posições mais voláteis como o Bitcoin sem ter a necessidade de converter os recursos para moedas fiduciárias, evitando assim implicações tributárias e regulatórias em muitos países.

Apesar do foco inicial em trading, a maioria dos emissores de stablecoins possuem hoje planos de entrar em outros segmentos como remessas, pagamentos, depósitos bancários e liquidações. Os principais benefícios desses ativos em relação as moedas fiduciárias são o aumento da velocidade das transferências, que podem ser realizadas globalmente 24hrs por dia, redução de custos e participação no ecossistema de finanças descentralizadas (“Defi”). Os principais desafios envolvem a incerteza regulatória, dado que ainda não temos uma regulação bem definida, riscos relacionados às contrapartes centralizadas responsáveis pela emissão das moedas e a estabilidade do sistema como um todo, principalmente no caso das empresas descentralizadas.

Existem basicamente três tipos de stablecoins: (1) colateralizadas por moeda fiduciária, (2) super colateralizadas por criptomoedas e (3) não colateralizadas / algorítmicas — cada uma possui suas vantagens e riscos. As colateralizadas por moeda fiduciária como USDT e USDC são as mais estáveis e que ganharam mais tração até o momento, no entanto apresentam riscos de contraparte e regulatórios. Nos casos (2) e (3) esses riscos são mitigados por serem descentralizadas, no entanto os riscos de instabilidade são maiores. Na seção seguinte iremos abordar algumas das principais stablecoins existentes no mercado e detalhar as características de cada uma delas.

2) Principais Stablecoins do Mercado

USDT (Tether)

Criada em 2014 pela iFinex, companhia registrada em Hong Kong e que também é dona da corretora BitFinex, o Tether foi a primeira stablecoin colateralizada por moeda fiduciária do mercado. O objetivo inicial era facilitar a movimentação financeira entre contas em diferentes locais, mas acabou servindo também como uma forma das corretoras de criptoativos terem acesso a liquidez, uma vez que a maioria delas não tinham interesse em utilizar moedas fiduciárias diretamente para evitar a regulação. Atualmente é utilizada principalmente para trading, como colateral em posições de derivativos e para sair de posições de trade por exemplo.

O business model da empresa é receber juros em cima dos ativos que estão investidos nos bancos — além de dólar, também podem ter títulos do tesouro e outros ativos de baixo risco como colateral, desde que mantenham no mínimo 100% do valor emitido em reservas. O valor do USDT se mantém próximo ao USD devido a confiança dos investidores de que a empresa possui de fato as reservas para lastrear as emissões — para garantir isso, os investidores podem optar por trocar o USDT por USD no par 1:1, o que abre a possibilidade de arbitragens caso a moeda perca seu PEG (paridade contra a moeda em referência).

Historicamente, o Tether era pouco transparente em relação às suas reservas, o que gerava alguma desconfiança dos investidores. Isso motivou a contratação de um auditor independente (Friedman LLP) em 2017 para atestar que a companhia possuía o volume suficiente em reservas. Atualmente, no site da Tether é possível ter acesso ao volume de USDT emitido e o total de reservas (ver tabela abaixo) reportados em relatórios trimestrais de auditores independentes.

Reservas de USDT: https://tether.to/en/transparency/#reports

Importante notar que uma parte das reservas está alocada em ativos com risco de crédito corporativo como Corporate Bonds e Commercial Paper (“CPs”) — de acordo com a Tether, eles estão zerando gradualmente o montante em “CPs” e migrando para títulos do tesouro.

O Tether é considerado uma stablecoin semi regulada — eles possuem uma área de KYC/AML que faz o onboarding de novos clientes e como são registrados na FinCen (“Financial Crimes Enforcement Network” — agência dos EUA de combate à lavagem de dinheiro) precisam reportar atividades suspeitas. Na prática, possuem poucos clientes (ex: corretoras) que fazem a distribuição da moeda para os clientes finais. Em 2018 deixaram de emitir stablecoins nos EUA devido ao aperto regulatório.

Apesar das controvérsias, o USDT tem crescido de forma exponencial nos últimos anos, conforme mostra o gráfico abaixo, saindo de USD 10 bilhões em jun/2020 para mais de USD 80 bilhões em 2022 e é hoje a maior stablecoin do mercado, com um volume de negociação diário superior a USD 50bi (é o ativo com maior volume negociado do ecossistema de ativos digitais). Além disso, é a principal moeda de troca para negociar outros criptoativos.

Gráfico do USDT: preço e volume em circulação

A maior parte dos USDTs em circulação estão na rede Ethereum, TRON e Omni — além disso, estão presentes também na Solana, Algorand, EOS, OMG e Bitcoin Cash. A emissão de Tether em novas redes pode ocorrer mediante demanda.

USDC

O USDC (stablecoin lastreada em moeda fiduciária) foi criado em 2018 pela Circle como uma alternativa mais regulada em relação ao Tether. Com foco em transparência, também foi criada a Centre, entidade independente responsável pela governança do USDC, que teve a adesão da Coinbase como co-fundadora. Atualmente o USDC é a segunda principal stablecoin do mercado e opera com um modelo de negócios semelhante ao da Tether — as receitas são provenientes das aplicações financeiras dos recursos em reserva.

Diferentemente do Tether, que é mais utilizado para trading, o USDC é usado com mais frequência para a realização de pequenas transações — algumas companhias Asiáticas por exemplo já utilizam essa stablecoin para realizar pagamentos para parceiros comerciais chineses. A Centre planeja trabalhar com bancos comerciais para que os usuários possam depositar stablecoins diretamente em suas contas correntes no futuro.

O USDC opera dentro das leis americanas de transmissão de dinheiro — a Circle e a Coinbase são regulados e registrados como Money Service Business no FinCen. A Centre divulga mensalmente um atestado fornecido pela Grant Thornton LLP confirmando a existência das reservas necessárias para lastrear no mínimo 100% das stablecoins em circulação — essas reservas estão atualmente em dólar e títulos públicos americanos de curta duração e são atualizadas semanalmente (ver tabela abaixo). Assim como no caso do Tether, é possível solicitar a conversão do USDC por USD na paridade 1:1.

Reservas de USDC: https://www.circle.com/en/usdc#transparency

Atualmente disponível nas redes Ethereum, Avalanche, Algorand, Flow, Solana, Hedera, Stellar e Tron, a USDC vem crescendo de forma exponencial nos últimos anos e possui uma capitalização de mercado de USD 55 bilhões — interessante notar que após o crash da stablecoin da Terra Luna em maio desse ano houve uma migração de recursos do USDT para a USDC, que possui uma percepção de risco menor pelo mercado por ser regulada por órgãos americanos e possuir uma alocação de reservas mais líquida.

Gráfico do USDC: preço e volume em circulação

BUSD (Paxos)

O BUSD é uma stablecoin lastreada por moeda fiduciária criada pela Binance em 2019, utilizando o whitelabel/tecnologia da Paxos, primeira companhia aprovada e regulada pela NYDFS (New York State Department of Financial Services — um dos reguladores de Wall Street) para oferecer produtos e serviços criptos. Assim como suas concorrentes, as receitas da Paxos são provenientes das aplicações dos recursos em reserva, que são mantidos em caixa e títulos do tesouro americano.

A Paxos permite a compra direta e resgate de BUSD por USD na paridade 1:1 em sua própria plataforma, que mantém a custódia dos fundos. Mensalmente é divulgado um relatório da Withum atestando a existência de reservas suficientes para cobrir ao menos 100% das stablecoins em circulação.

Reservas de BUSD — Junho 2021
https://paxos.com/monthly-reserves-holding-reports/ — Junho 2022

Na esteira do crescimento de suas concorrentes, a BUSD também teve uma expansão considerável nos últimos anos e é atualmente a terceira principal stablecoin do mercado, com uma capitalização de mercado de USD 18bilhões. Atualmente ela está disponível nas blockchains da Ethereum e Binance Smart Chain.

Gráfico do BUSD: preço e volume em circulação

DAI (MakerDao)

A MakerDao é um protocolo iniciado em 2015 com o objetivo de criar uma stablecoin (DAI) super colateralizada por criptomoedas. O DAI possui um peg de 1:1 com o dólar e é hoje a quarta maior stablecoin do mercado. Sua principal vantagem em relação às demais é o fato de ser descentralizada, reduzindo assim o risco das contrapartes centralizadas, que podem por exemplo se recusar a fazer resgates por algum problema regulatório ou não ter os fundos necessários para isso.

Para emitir um DAI o investidor deve depositar criptomoedas como colateral no protocolo, seguindo a razão de colaterização necessária. Ex: Se o colateral necessário for de 150% para o ETH, e for depositado U$ 150 em ETH, será possível receber 100 DAI (equivalente a U$ 100). Para encerrar a posição e resgatar o ETH depositado, basta devolver os 100 DAI somados com uma taxa de juros (fee de estabilização). Se a moeda depositada como colateral desvalorizar (ETH, neste exemplo) e a razão de colaterização ficar abaixo da mínima exigida, a posição é liquidada automaticamente. Todas as operações são feitas de forma automática através de contratos inteligentes.

É importante notar que a MakerDao funciona na prática como se fosse um banco — além de oferecer crédito, oferece também a possibilidade de os investidores aplicarem seus DAIs em troca de uma rentabilidade proveniente dos fees de estabilização pagos pelos tomadores de DAI. O valor do DAI é mantido estável em relação ao dólar através de um mecanismo que altera as taxas de juros para incentivar um aumento ou redução na demanda por DAI — se o DAI estiver abaixo de U$ 1,00 por exemplo, é realizado um aumento na taxa de juros para incentivar o fechamento de posições em aberto (reduzir o número de DAI em circulação) e aumentar a demanda por aplicações em DAI que agora estão mais atrativas, até que o preço se estabilize.

A MakerDAO funciona como uma “DAO” (Organização Autônoma Descentralizada) e os detentores do token MKR podem influenciar em algumas decisões do protocolo como as taxas de estabilização, a razão de colaterização e as moedas aceitas como colateral — atualmente, as mais utilizadas são o USDC, ETH e BTC.

Uma das críticas ao DAI é o fato de depender de estruturas das quais se propõe a solucionar: mais de 50% de suas reservas estão concentradas em USDC. Enquanto o Bitcoin não atingir um nível de adoção global que reduza sua volatilidade, a DAI continuará dependendo das estruturas centralizadoras atuais.

No gráfico abaixo (atualizado em tempo real) podemos observar o montante total em colateral segregado por moeda e a razão de colaterização total que hoje está em 133%.

Reservas DAI: https://daistats.com/#/

O DAI vem crescendo bastante nos últimos anos, saindo de um marketcap inferior a U$ 100 milhões em 2020 para mais de U$ 6 bilhões hoje, e atualmente está disponível na blockchain da Ethereum.

Gráfico do DAI: preço e volume em circulação

UST (Terra USD)

A blockchain Terra foi criada em 2018 com a missão de cumprir o que o Bitcoin originalmente buscava: ser um sistema de pagamentos eletrônico de pessoa para pessoa. Para isso, criaram stablecoins com valor pareado em 1:1 com as moedas fiduciárias tradicionais como USD e EUR, oferecendo uma estabilidade que o Bitcoin não tinha e taxas menores do que a maior parte das empresas de processamento de pagamentos — o resultado disso inicialmente foi um sucesso, com grande adesão de plataformas de e-commerce na Coreia do Sul.

Diferentemente da Tether e da Circle, a Terra não utiliza reservas em moeda fiduciária para manter o peg — ao invés disso, fazem uso de um sistema algorítmico. Os principais ativos desse ecossistema são o UST, stablecoin vinculada ao dólar, e a LUNA, token de governança que também é utilizado para pagamento das taxas de transação da blockchain e validação das mesmas através do Proof of Stake (“PoS”) .

Para entender como a UST mantém o peg, vale relembrar como funciona um Banco Central — este aumenta ou reduz o volume de moedas em circulação na economia através da venda ou compra de títulos no mercado, conforme exemplos abaixo:

1 — Para reduzir a quantidade de moedas em circulação, BC emite dívidas para vender ao mercado, e recebe dinheiro em troca, logo menos moedas estarão em poder do público.

2 — Para aumentar a quantidade de moedas em circulação, BC compra títulos do mercado, injetando dinheiro na economia.

A Terra utilizava um mecanismo similar de emissão e queima de moedas e arbitragem para estabilização da UST.

Nesse ecossistema, os usuários podiam sempre trocar tokens LUNA por UST (e vice-versa) por um preço fixo de U$ 1,00, independente do preço de mercado — dessa forma, se o preço do UST for maior que U$ 1,00 (ex. U$1,01), os detentores de LUNA poderiam queimar/trocar U$ 1,00 em LUNA por 1 UST (aumentando a quantidade de UST em circulação) e vendê-lo a mercado, se aproveitando assim de uma oportunidade de arbitragem (lucro de U$ 0,01) — esse processo se repetia até que o peg fosse retomado.

No sistema tradicional os bancos e investidores institucionais têm um papel importante, pois são eles quem dão liquidez nos leilões de compra e venda de títulos do Banco Central. No ecossistema cripto, esses agentes são os arbitradores — eles atuam rapidamente quando existem disparidades no preço de UST para obter lucros provenientes de arbitragens junto ao “banco central” da Terra.

Ascensão

Os desenvolvedores da Terra compartilhavam a visão de que deveriam oferecer três pilares financeiros para acelerar a curva de adoção do UST: pagamento, investimento e poupança. A intenção era aumentar a estabilidade da stablecoin através da introdução de uma alavanca de demanda contracíclica.

A principal aplicação criada para oferecer serviços de investimento e poupança foi o Anchor, onde era possível depositar UST e receber rendimentos em troca. Além disso, o saldo depositado poderia ser utilizado como garantia para se tomar empréstimos colateralizados.

Em sua concepção original, o Anchor deveria servir para estimular a demanda por UST quando necessário, criando mais um mecanismo para estabilizar a moeda. Analogamente, deveria funcionar como um Banco Central aumentando/reduzindo a taxa Selic para estimular ou desestimular a demanda por moeda. Dessa forma, as taxas do Anchor deveriam ser variáveis pela dinâmica econômica da Terra.

No entanto, o mecanismo foi mal utilizado. Para estimular o crescimento da blockchain e adoção do UST, o Anchor subsidiou os rendimentos pagando taxas fixas de até 20% ao ano sobre o UST e chegou a ter um volume de U$ 14 bilhões depositados. Este modelo não era sustentável, pois as receitas geradas pelo empréstimos não eram suficientes para cobrir os custos dos depósitos, se fazendo necessário aportes financeiros recorrentes pela empresa desenvolvedora da Terra.

Dashboard do Anchor em 09/04/22 — Taxas de depósito: 19,46% e Taxas de empréstimo: 12,4%

As taxas elevadas causaram uma procura excessiva por UST no mercado, tanto de pessoas buscando aplicar suas economias em uma taxa atrativa, quanto fundos de investimento buscando rentabilizar seu caixa. Porém, lembre-se que para comprar 1 UST é necessário queimar U$ 1,00 de LUNA junto ao “banco central” da Terra. Este movimento gerou uma apreciação da LUNA, pois os investidores precisavam desta criptomoeda para emitir UST e aplicar no Anchor, gerando um ciclo de valorização excessivo e artificial.

No seu auge, chegaram a ser emitidos aproximadamente U$ 19 bilhões de UST e a capitalização de mercado de LUNA atingiu U$ 40 bilhões (Itaú é o maior banco do Brasil e possui aproximadamente o mesmo valor).

Espiral da morte

A blockchain da Terra estava em seu auge quando especialistas começaram a alertar que os rendimentos pagos pelos depósitos de UST no Anchor não eram sustentáveis. A conclusão era de que as reservas do Anchor que subsidiavam as elevadas taxas em algum momento iriam se esgotar, e uma eventual redução das mesmas poderiam gerar uma pressão de venda de UST e desestabilização do PEG de 1:1.

Para se esquivar das críticas, os desenvolvedores implantaram uma meta de estabelecer uma reserva de emergência de U$ 10 bilhões, majoritariamente em Bitcoin, para criar um lastro extra no sistema. Esta reserva chegou a atingir aproximadamente U$ 4 bilhões e serviria para absorver o fluxo de venda de UST em cenários extremos.

Como a Terra falhou?

Independente se foi um ataque coordenado para explorar o mecanismo ou se foi um teste de stress no qual o sistema falhou, isso não importa. Blockchain não é desenvolvida para rodar em boa fé, é um ambiente adversarial. Se o design tem falhas, ela pode colapsar cedo ou tarde.

A espiral da morte se iniciou quando um grande vendedor de UST sugou boa parte da liquidez de uma corretora, desestabilizando o preço. Neste momento, arbitradores oferecem liquidez para o vendedor sair da posição, porém o volume de venda foi maior que a capacidade de absorção do arbitrador. Com o preço abaixo de U$ 1,00, rumores começaram a se espalhar e investidores chegaram a resgatar U$ 2 bilhões do Anchor em poucas horas, levando o preço ao patamar de U$ 0,987–0,995 por UST. Neste momento se iniciou uma corrida bancária e o fluxo todo se direcionou para se desfazer de UST.

Os desenvolvedores da Terra, percebendo que seus mecanismos automáticos não estavam dando vazão e não conseguiam estabilizar os preços, começaram a utilizar suas reservas emergenciais de Bitcoin para absorver a pressão de venda, porém seus esforços foram em vão. Em poucas horas as reservas se esgotaram e causaram um pânico ainda maior, pois derrubaram o preço de Bitcoin no mercado e investidores começaram a temer o risco de contágio para outras criptomoedas.

Resumo: (1) O mecanismo de estabilização da Terra falhou;(2) LUNA começou a se desvalorizar;(3) a Terra utilizou suas reservas de BTC para absorver a pressão vendedora, o que gerou pressão sob o preço do BTC; (4) posições de BTC utilizadas como colateral de empréstimos começaram a ser liquidadas, impactando o preço de BTC ainda mais e o pânico geral no mercado é instalado.

Este foi um momento crucial, pois a partir dele nada mais se pode fazer em relação ao ecossistema Terra Luna.

O valor de mercado de LUNA que dava saída para os detentores de UST caiu pela metade e nesse momento existiam mais UST emitidos do que LUNA para trocá-los. O mecanismo da Terra, que era programado para continuar dando saída para os detentores de UST, então começou a emitir novos tokens LUNA desenfreadamente para cobrir os resgates, gerando um processo hiperinflacionário e desvalorizando ainda mais o valor de LUNA — este ciclo é a espiral da morte.

Segue abaixo representação gráfica de passo-a-passo do processo de colapso:

Preço UST se desestabiliza no dia 9 de maio:

Gráfico preço do UST, Período: 5 a 15 de maio de 2022

Preço de LUNA cai pela metade no dia 9 de maio, derrubando seu valor de mercado:

Gráfico preço do token Luna, Período: 5 a 15 de maio de 2022

Com a queda do valor de mercado de LUNA abaixo do total de USTs em circulação, o mecanismo tem a necessidade de emitir novos tokens LUNA de forma inflacionária. Esta ação aumenta ainda mais sua desvalorização e causa uma espiral da morte.

Valor de Mercado LUNA x USTs emitidos:

Gráfico: Valor de Mercado LUNA x USTs emitidos, Período: 5 a 15 de maio de 2022

Emissão desenfreada de token LUNA para cobrir resgates de UST. O número de tokens LUNA em circulação foi de 350 milhões para 6,5 trilhões em 4 dias:

Quantidade de tokens Luna em circulação (Gráfico em base log), Período: 5 a 15 de maio de 2022

Estabilidade

Um dos pontos mais importantes para uma stablecoin é sua estabilidade — quanto menor a oscilação em relação ao PEG melhor. Para as stablecoins 100% colateralizadas por moedas fiduciárias o PEG só é perdido quando existe uma quebra de confiança por parte dos investidores de que o emissor tem condições de honrar com os resgates — caso contrário, se houver uma discrepância momentânea no preço, os arbitradores entram em ação para levar o mesmo de volta a estabilidade. No caso das stablecoins colateralizadas por criptomoedas o risco é um pouco maior para os arbitradores e, portanto, é um pouco mais difícil atingir a estabilidade.

Para avaliar a estabilidade das quatro stablecoins abordadas anteriormente analisaremos o price action delas durante o mês de fevereiro de 2020, quando os mercados globais passaram por um período de stress significativo e houve grandes realizações no mercado de criptomoedas.

Os gráficos abaixo mostram o comportamento do USDT, USDC e BUSD durante esse período — importante lembrar que os três são 100% colateralizados por moeda fiduciária. É possível notar que todas tiveram comportamento muito parecido, com oscilações entre -2% e +6% em relação ao PEG nos dias de maior stress, mas rapidamente recuperaram a estabilidade.

Gráfico do preço de USDT (Tether), Período: Janeiro a Maio de 2020
Gráfico do preço de USDC, Período: Janeiro a Maio de 2020
Gráfico do preço de BUSD, Período: Janeiro a Maio de 2020

No caso da DAI, que é colateralizada por criptomoedas, a oscilação foi um pouco maior, variando entre -4% e +10% nos dias de maior stress. No dia 12 de março de 2020 o preço do ETH caiu repentinamente de U$ 200 para U$ 83, o que fez a MakerDao ficar sub-colateralizada — quando isso acontece, o protocolo vende MKR automaticamente no mercado para recompor as reservas. Percebe-se que rapidamente a DAI recuperou seu PEG e o sistema funcionou perfeitamente.

Gráfico do preço de DAI, Período: Janeiro a Maio de 2020

Conclusão

Ao longo do artigo foram apresentadas as vantagens e desvantagens de cada uma das stablecoins — dentre as lastreadas em moeda fiduciária, que possuem maior estabilidade, a USDC e a BUSD se destacam por serem mais reguladas nos EUA em relação à USDT (Tether), que em contrapartida possui maior liquidez para trading. No caso do DAI a principal vantagem é sua descentralização e transparência, mitigando assim o risco de contrapartes centralizadas não honrarem com resgates devido a eventuais problemas regulatórios ou de insolvência.

Estas características são importantes para analisarmos a reação do mercado que sucedeu após o colapso de Terra Luna, no qual os reguladores e agentes do ecossistema cripto voltaram suas atenções para as stablecoins.

O montante total de stablecoins que saíram de circulação foi U$ 38 bilhões (-21% do total), sendo U$ 18 bilhões somente UST. Nos gráficos abaixo podemos observar os impactos desse evento no market cap e market share das principais stablecoins do mercado — vamos analisar caso a caso:

Market Cap:

Gráfico comparativo do Marketcap das principais Stablecoins (U$ bilhões)

Market Share:

Gráfico comparativo do Market Share das principais Stablecoins (%)

USDT (Tether): Foi a maior atingida negativamente, desde o evento já perdeu U$ 18 bilhões (-20%) de volume em circulação, devido a desconfianças sobre suas reservas e menor avanço regulatório. Por outro lado, o grande volume de saques em um espaço curto de tempo demonstrou sua capacidade de absorver uma “corrida bancária” que poucos bancos sobreviveriam.

USDC: Aumentou o volume em circulação em aproximadamente U$ 4 bilhões (+9%), absorvendo uma parcela do volume retirado de USDT e aumentando seu market share.

BUSD: Teve pouca variação, pois sua demanda está muito vinculada ao ecossistema de trading e blockchain da Binance.

DAI: É mais afetada em momentos de queda do mercado de cripto, pois parte de suas reservas estão em Bitcoin e Ethereum. O mercado teme que eventos extremos, como Terra Luna, possam causar um movimento de liquidações em massa de posições colateralizadas por BTC e ETH, ao ponto de colapsar o mercado com um todo. Porém, os resultados do extremo teste de estresse que ocorreu comprova a eficiência e resiliência de mecanismos descentralizados e transparentes. Ao contrário de plataformas centralizadas, o mercado pode acompanhar as principais métricas de colateralização e barreiras de liquidação em tempo real, reduzindo a assimetria de informação dos agentes de mercado e evitando um cenário de pânico irracional com uma onda de saques.

Apesar dessas stablecoins já terem passado por inúmeras situações de estresse nos últimos anos e terem se mostrado seguras, é importante ressaltar o risco sistêmico caso haja algum problema com USDC e USDT, que juntas representam mais de 70% da oferta de stablecoins travadas em contratos inteligentes / “Defi” (ver gráfico abaixo) — isso poderia gerar um efeito de liquidação em cascata muito pior do que foi Terra Luna, que representava em torno de 20% desse montante e causou a liquidação de diversos players relevantes do mercado.

Gráfico de Stablecoins travadas em Smart Contracts (%)

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Disclaimer: Este conteúdo possui caráter estritamente educacional e não constitui recomendação de compra ou venda de ativos.

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