Um modelo de valuation para Lido DAO

Guilherme Pimenta, CFA
Block3 Research
Published in
12 min readJan 5, 2023

*Relatório de Out/2022

1) Introdução

A Lido foi criada em dezembro de 2020 após o lançamento da Beacon Chain (rede de validação PoS que faz parte do roadmap do Ethereum) para ser uma solução de stake líquido sem custódia e endereçar os seguintes problemas: (1) alto valor mínimo para fazer stake na rede Ethereum (32ETH); (2) falta de liquidez pois os recursos ficam travados para saque até a liberação pós Merge (expectativa entre 6–12 meses) e (3) necessidade de expertise técnica para realizar o stake.

O projeto levantou em 2021 U$ 143 milhões em funding de alguns dos principais VCs do mercado como a16z, Alameda Research, Coinbase Ventures e Paradigm e conta com uma equipe de cerca de 75 pessoas liderada pelos co-fundadores Vasiliy Shapovalov, Konstantin Lomashuk e Kasper Rasmussen. A equipe é assessorada por nomes importantes da indústria como Hasu (Paradigm), Stani Kulechov (Aave) e Kain Warwick (Synthetix).

Atualmente é o maior validador da rede Ethereum e conta com cerca de U$ 6,9 bilhões em TVL (Total Value Locked) e um market share de 90% no segmento de liquid staking, sendo quase um monopólio em um mercado que acreditamos ser “winner takes it all”. O projeto também suporta as redes Solana, Polygon, Polkadot e Kusama. O token da Lido é o LDO, lançado em dezembro de 2020 e que atualmente possui a função de governança.

Acreditamos que a Lido está muito bem-posicionada no segmento de stake líquido, que deve crescer bastante nos próximos anos principalmente na rede Ethereum, decorrente do aumento da penetração de ETH em stake da rede que hoje corresponde a apenas 12% do total. Além disso, o projeto possui um modelo de negócios sólido e com forte geração de caixa, que deve ser positivamente impactado pelo “Merge” da rede Ethereum. Em termos de valuation acreditamos ser um dos ativos mais atrativos do universo cripto.

Frontpage: Lido.fi

2) Modelo de Negócios

O modelo de negócios da Lido envolve basicamente três agentes: (1) investidores; (2) nodes validadores e (3) a Lido, que atua como intermediadora no processo. Em nosso exemplo vamos utilizar o caso do ETH:

1. Os investidores de ETH são responsáveis por depositar os recursos em uma pool de staking oferecida pela Lido e em contrapartida recebem stETH, um token sintético que representa um direito sobre a pool de staking — cada stETH pode ser convertido por ETH na razão 1:1, e tem sua quantidade incrementada na carteira, à medida que os juros referentes ao stake (deduzidas as taxas) são acumulados ao longo do tempo.

2. Os validadores aprovados pela Lido utilizam os recursos da pool para fazer o stake na rede Ethereum, em troca de um fee de 5% em relação à receita total.

3. A Lido recebe outros 5% como taxa de intermediação por oferecer o serviço e fazer a ponte entre as partes. A figura abaixo resume bem o fluxo operacional.

Os recursos dos investidores são delegados para os validadores através de contratos inteligentes oferecidos pela Lido, conforme fluxo apresentado abaixo. É importante destacar que esses recursos não estão sob posse da Lido nem dos validadores — estes só podem utilizar os mesmos para fazer o stake, não sendo possível sacá-los para outros fins. Somente os detentores de stETH podem realizar o saque dos ativos, portando o stake da Lido não envolve custódia como as corretoras centralizadas (ex: Coinbase).

Fonte: Lido DAO

Os validadores da Lido são responsáveis pela pré-seleção de novos validadores, através de um extenso processo de diligência que envolve diversos fatores como reputação, performance passada, segurança entre outros. Posteriormente, os nodes selecionados são submetidos à votação pela DAO. A Lido conta hoje com 30 validadores, que socializam as receitas e eventuais penalizações (slashing), portanto o alinhamento de interesses entre eles é forte.

O modelo de staking líquido da Lido é muito importante pois oferece liquidez para os investidores — no caso do ETH por exemplo os investidores só poderão ter acesso de volta a seus recursos em stake cerca de 6 a 12 meses após o Merge — com o stETH eles conseguem manter a liquidez e negociar o ativo sintético nas corretoras. Além disso, a Lido possui integração com plataformas de finanças descentralizadas como a Aave, o que abre o leque para operações de alavancagem. Uma operação que é realizada com frequência é o deposito de stETH como colateral na Aave para tomar empréstimo em ETH e depositá-lo na pool de stake da Lido, alavancando os retornos do stake e do ativo. O excesso de alavancagem nessa estratégia foi um dos motivos que fez a Three Arrows Capital e a Celsius quebrarem recentemente.

Fonte: Messari

Para que toda essa engrenagem funcione é fundamental que o token sintético stETH tenha uma boa liquidez e seja negociado próximo do par 1:1. Para que isso ocorra, a Lido DAO subsidia as pools de liquidez de stETH / ETH nas corretoras descentralizadas como a Curve, oferecendo incentivos para os provedores de liquidez através de tokens LDO — atualmente são cerca de 4 milhões de tokens LDO por mês, sendo 2,6 milhões somente na rede Ethereum. O principal risco para os provedores de liquidez é que no futuro os tokens stETH não possam ser trocados por ETH na rede da Ethereum, por atrasos na implementação do Merge. No gráfico abaixo podemos observar que a relação entre stETH e ETH têm se mantido relativamente estável ao longo do tempo.

3) Posicionamento de Mercado

A Lido possui atualmente o segundo maior TVL (“Total Value Locked”) do mercado, com cerca de U$ 6,9 bilhões e atrás somente da MakerDAO. Quase a totalidade desses recursos estão alocados em stake na rede Ethereum, com apenas 2% na rede Solana que vem em segundo lugar.

A Lido também é a líder no mercado total (incluindo as corretoras centralizadas) de staking de Ethereum, com 30% de market share, seguida pela Coinbase com 14% e Kraken com 8%. A Coinbase, principal concorrente, oferece um produto de stake líquido semelhante ao da Lido com seu token sintético cbETH, porém cobra 25% de fee e oferece um retorno bem inferior (3.28% vs 5%).

4) Tese de Investimentos

Conforme explicado, a Lido é remunerada através de um fee de 5% sobre o retorno proveniente do stake, portanto sua receita é função de três variáveis: (1) volume de ETH em stake; (2) taxa de remuneração do stake e (3) preço do ETH.

Com a implementação do Merge em setembro, esperamos um aumento considerável no volume de ETH em stake devido a descompressão de risco gerada pelo evento com uma maior previsibilidade em relação à liberação dos tokens em stake. Atualmente o percentual de ETH em stake é de apenas 12%, muito inferior à média das outras redes, conforme mostra o gráfico abaixo.

Após o evento, a taxa de remuneração do stake deve aumentar consideravelmente, subindo de 3.9% pré-Merge para algo em torno de 5%, o que contribui para aumentar o fee recebido pela Lido e para tornar o stake mais atrativo para os investidores. Além disso, o Merge também é muito positivo para o preço do ETH, pois irá reduzir em cerca de 90% sua emissão (podendo tornar a rede deflacionária), além de tornar o ativo mais atraente para investidores institucionais por se assemelhar mais a um ativo mobiliário que distribui fluxo de caixa (ex: uma ação que distribui dividendos) e por ser mais ESG.

As principais despesas são referente a pessoal e incentivos de liquidez. Em relação as despesas com pessoal, a Lido aprova um orçamento anual (ver abaixo) com o detalhamento de cada linha, incluindo número de funcionários e atribuições de cada área. Atualmente o orçamento comporta uma despesa anual de U$ 16 milhões e U$ 7 milhões em incentivos pagos em LDO.

Fonte: LIDO Dao

Portanto, esperamos um aumento significativo na receita e redução de custos após o Merge, com uma melhoria considerável nos resultados de Lido nos próximos anos.

Acreditamos também que o stake descentralizado oferece importantes vantagens em relação ao centralizado realizado por corretoras como a Coinbase, são elas:

1. não custodial, o que elimina o risco de perda dos recursos caso a corretora quebre;

2. integração com aplicativos de finanças descentralizadas como a Aave e a Curve, permitindo retornos adicionais e operações de alavancagem;

3. mais escalável pois a validação é distribuída em diferentes validadores independentes, enquanto no modelo centralizado o market share fica limitado a 20–30% da rede por questões de segurança. Por esses fatores, acreditamos que o modelo de staking descentralizado é superior ao centralizado e deve continuar crescendo nos próximos anos. A Lido está muito bem posicionada para seguir dominando esse segmento em um possível cenário de “winner takes all” — conforme explicamos, nesse setor a escala é muito importante pelo fator liquidez e efeitos de rede gerados pelas integrações com outras dApps.

5) Valuation

A título de simplificação, em nosso modelo vamos considerar que o resultado do mês de agosto/22 (pré-Merge) será extrapolado para 12 meses para chegarmos no resultado consolidado de 2022 e compará-lo com nossas projeções para 2023 em diante (pós Merge). Além disso, iremos considerar somente o ETH no modelo, dado que representa mais de 97% da base em stake.

Assumimos que o percentual de Ethereum em stake subirá de 10% para 40% ao longo dos próximos anos e a Lido irá manter seu market share atual de mercado — os dois principais catalisadores aqui serão o Merge que irá descomprimir o risco do stake e a efetiva liberação dos ativos em stake prevista para 6 a 12 meses após o evento — observando a média de staking das outras redes (em 60%) essa projeção é conservadora. Vamos considerar também que a taxa de remuneração do stake subirá de 3.9% para 5% após o evento, devido a inclusão dos fees de prioridade e do MEV na remuneração final e assumiremos um preço de U$ 2.400 para o ETH em 2023.

Em relação às despesas consideraremos o último orçamento aprovado pela DAO de U$ 16,8 milhões para pessoal e U$ 10,5 milhões em incentivos para a equipe (pagos em LDO) corrigidos em 10% para 2023. No caso dos incentivos à liquidez (“liquidity mining”) consideraremos apenas os custos com as pools de Ethereum, uma vez que estamos modelando apenas o stake de ETH — é razoável imaginar que a Lido irá encerrar os incentivos às demais redes caso essas continuem a ser deficitárias (representam menos de 3% da receita hoje). Dessa forma, usaremos o custo orçado para o mês de agosto de 2,7 milhões de LDOs e extrapolaremos esse valor para chegar ao custo total em 2022. De 2023 em diante consideramos que esse custo irá a zero com a implementação do Merge e posterior liberação para saque dos ativos em stake. Com isso, chegamos aos seguintes resultados:

Ao observar o resultado projetado para 2022 percebe-se que a Lido é deficitária pré-Merge, com um prejuízo estimado de U$ 13,6 milhões para sua operação de Ethereum. Para 2023 (pós Merge) estimamos que a empresa passará a apresentar lucro líquido de U$ 75 milhões e em um cenário mais otimista com o ETH a USD 8.100 (coluna de 2026) esperamos um lucro superior a U$ 300 milhões.

Para calcular o índice preço-lucro (“PE”) consideramos um preço de U$ 1,50 para a LDO e retiramos do total supply de 1.000.000 LDOs (fully diluted) a quantidade de tokens em tesouraria de 146.468.674 LDOs — esse ajuste se faz necessário pois os tokens em tesouraria funcionam como se fossem ações não emitidas por uma empresa e, portanto, não devem ser contabilizados na quantidade total de tokens em circulação. Com isso, chegamos a um PE de 17x para 2023, múltiplo que consideramos bastante descontado por se tratar de uma empresa de tecnologia com forte potencial de crescimento e diversas opcionalidades como o aumento de penetração em redes como Solana e/ou outras que venham a surgir no futuro e ainda não estão precificadas no modelo. A título de comparação, o PE da Tesla têm negociado próximo de 100x nos últimos anos e PE da Nasdaq está acima de 20x.

Na tabela abaixo calculamos o PE baseado em diferentes cenários de preço e percentual de ETH em stake. Em um cenário otimista em que 80% do ETH esteja em stake e seu preço seja de USD 8.100 enxergamos a Lido negociando a apenas 2x lucro.

A Lido conta atualmente com U$ 59 milhões e 146 milhões de LDO (equivalente hoje a cerca de U$ 220 milhões) em tesouraria, uma posição de caixa bastante confortável para atravessar os próximos anos caso o bear market permaneça. Além disso, conforme explicamos, esperamos uma forte inflexão operacional na empresa após o Merge, que a tornaria superavitária em seu resultado.

6) Governança

A Lido DAO, uma organização autônoma descentralizada (“DAO”), é a responsável por governar a Lido Finance. Os detentores de LDO são os únicos elegíveis para votar nas propostas da DAO, com peso proporcional à quantidade de tokens detidos por cada um. Todas as propostas devem ser submetidas ao fórum de research da Lido para feedback da comunidade, onde geralmente são discutidas por 7 dias. Se a proposta for bem recebida ela avança para a próxima etapa.

As pautas de rotina como alocação de fundos para incentivos de liquidez (mensal) são votadas no Easy Track, um mecanismo desenvolvido para considerar somente os votos de objeção a algum tema — dessa forma, a não ser que mais de 0,5% dos stakeholders faça objeção, a pauta é aprovada automaticamente. Caso contrário, deixa de tramitar pelo Easy Track. O objetivo desse sistema é tornar a gestão operacional do projeto mais fluída.

Os temas mais estratégicos como alterações de fees e atualizações no protocolo são votados em duas etapas. A primeira delas acontece via Snapshot, em que são concedidos sete dias úteis e pelo menos 5% da base total de tokens deve aprovar. Superada essa etapa, uma nova votação é realizada no sistema Aragon, e a pauta é aprovada após 72 horas caso mais de 50% dos votantes à aprove.

Um dos pontos de atenção é a distribuição inicial de tokens (gráfico abaixo) em que 71% ficaram sob controle do time responsável pelo projeto (desenvolvedores, fundadores e tesouraria), que na prática possui poder suficiente para aprovar o que quiser, tornando as votações uma mera formalidade. A expectativa é que esse poder diminua ao longo dos próximos anos à medida em que os tokens são distribuídos para a comunidade através de incentivos de liquidez ou mesmo de venda direta.

Aproximadamente 86% dos tokens ficam fully vested até o final de 2022, e os 14% restantes estão sob controle da tesouraria (que já vendeu 22% de sua posição inicial).

7) Riscos

Os principais riscos envolvendo a tese são:

(1) Regulação: uma legislação desfavorável pode impedir que eventuais lucros sejam distribuídos para os detentores de tokens no futuro.

(2) Concorrência: surgimento de novos projetos mais bem capitalizados e/ou melhores e consequente perda de market share; dificuldade de penetração em novas redes.

(3) Concentração: o excesso de concentração de market share (acima de 30%) pode ser considerado um risco para a rede e com isso reduzir seu potencial de crescimento.

(4) Equipe: perda de membros chave da equipe.

(5) Hacker: eventuais ataques aos contratos inteligentes.

(6) Governança: má gestão e tomada de decisões que não estão alinhadas com os interesses dos detentores de LDO.

8) Conclusão

Acreditamos que o mercado de stake têm um potencial de crescimento muito grande nos próximos anos devido principalmente a dois fatores: (1) proporciona uma economia significativa de energia em um momento em que o mercado está cada vez mais preocupado com questões ambientais / ESG e (2) os ativos passam a gerar renda para os investidores, se assemelhando a ações que pagam dividendos ou bonds, o que os tornam muito mais atrativos para os investidores institucionais. Recentemente o banco JP Morgan estimou que essa indústria poderia chegar a U$ 40 bilhões até 2026, e entendemos que a Lido é o player mais bem posicionado para se beneficiar desse crescimento pelos seguintes motivos:

· Líder de mercado em um segmento onde tamanho é muito relevante

· Funciona de forma descentralizada, o que oferece uma série de vantagens em relação ao stake centralizado

· Modelo de negócios sólido e com forte geração de caixa projetada para os próximos anos

· Bem capitalizada e com excelentes parceiros / investidores por trás

· É multichain, portanto pode se beneficiar independente das blockchains que sejam as vencedoras no futuro

Os principais pontos de atenção em relação ao case são a questão regulatória e de governança, que devem ser acompanhadas de perto.

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Disclaimer: Este conteúdo possui caráter estritamente educacional e não constitui recomendação de compra ou venda de ativos.

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Guilherme Pimenta, CFA
Block3 Research

Portfolio Manager (Block3 Ativos Digitais); Co-founder of Block3 Research