A experiência do transporte urbano.

Táxi, Uber e o que o self-driving car tem a ver com isso

Pedro Henrique Hecht
Try Consultoria

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Durante anos os taxistas se acomodaram em seu universo, não se preocuparam com a concorrência — afinal, o governo garante que não haja concorrência! Claro, você pode até dizer que há muitos taxistas e isso já é concorrência suficiente, mas realmente é?

Ser carioca, para mim, representa nascer em uma cidade onde não se pode confiar em taxistas: você nunca sabe se ele vai enrolar você e fazer um caminho mais longo, mesmo você conhecendo a cidade; nunca sabe se o taxímetro vai estar adulterado e por isso sua corrida vai sair mais cara. O taxista ainda pode não fazer a corrida completa, te deixando no meio do caminho sem aviso prévio, se assim ele desejar.

Quando os primeiros aplicativos de taxi surgiram, boa parte dos problemas foram resolvidos — afinal, agora você sabe quem é o taxista antes de entrar no veículo e, melhor, sabe a sua reputação. Ao avaliar o serviço prestado outros passageiros sabem qual carro devem evitar. O aplicativo informa exatamente onde a corrida começou, onde foi o término, o valor que foi pago… ou seja, sabe tudo que aconteceu na corrida.

As cooperativas de taxi choraram, espernearam, ao verem seu lucro indo embora pelo smartphone do taxista. Agora qualquer um poderia pedir um táxi sem depender de um atendente e de um número limitado de veículos — sem ter que ouvir “Senhor, no momento não temos taxis disponíveis, deseja aguardar?”. Era a lei da oferta e da procura sendo posta em prática pelos criadores dos aplicativos.

O grande problema dos taxistas e das cooperativas é que, assim como a maioria das pessoas, eles querem ter um lucro fácil sem parar para pensar em como podem oferecer o mesmo serviço de uma forma melhor e não sair perdendo com os aplicativos que oferecem serviços similares — Uber para os taxistas e aplicativos de táxi em geral para as cooperativas . Eles não conseguiram pensar na única coisa que poderia diferenciar um táxi de outro táxi: A experiência!

Minha avó sempre teve um “motorista particular” — pelo menos era assim que ela chamava o taxista que sempre vinha buscá-la. Em todos os anos que precisou de um táxi, não consigo me lembrar de uma única vez que o motorista não fosse o mesmo. Ela fazia isso antes de termos a internet. O Uber nem pensava em existir. O motivo pelo qual ela fazia isso era a experiência que tinha ao andar com esse motorista.

O carro era um Santana, um táxi comum e sem muito conforto, mas a maneira como ele tratava a minha avó fez com que ela nunca cogitasse outro motorista. Ela era buscada com hora marcada, recebia atenção, ria, e toda a família podia desfrutar dessa cordialidade. O taxista se preocupava com o bem estar de minha avó, lembrava e ligava no seu aniversário.

Hoje moro em São Paulo, larguei a cidade “maravilhosa” pelo caos da “terra da garoa”. Durante o mês de fevereiro, devido à participação em um projeto de pesquisa, andei mais de táxi do que de bicicleta e ônibus juntos. Não lembro o número exato, mas acredito que tenham sido mais de 40 corridas e, se eu pudesse escolher, nunca mais andaria de táxi.

A grande diferença entre motoristas de táxi e motoristas cadastrados no Uber é a sensibilidade: a maioria dos motoristas sabe perceber quando o passageiro quer conversar, quando estão com a cabeça em outro lugar, quando não gostam de falar e quando precisam de alguém para escutar o que eles tem para dizer.

O motorista de táxi, por outro lado, quer conversar a todo custo — ainda que respondamos suas perguntas com frases monossilábicas. Não se preocupam com o passageiro, não perguntam se queremos outra estação de rádio e alguns recebem pedidos como uma ofensa: se o som está alto, assim se mantém até que, aos berros, o passageiro solicite que diminua o volume. Eles não se preocupam se está quente ou frio e se não pedirmos para ligar o ar condicionado, melhor ainda: economia na gasolina!

Às vezes parece que estão fazendo um favor para o passageiro e esquecem que o serviço é pago, às vezes muito bem pago. No Rio era comum haver recusa de motoristas dependendo da distância ou bairro de destino e a fiscalização era negligente quanto a isso.

A falta de proatividade por parte dos taxistas fica evidente quando a maioria não se preocupa em utilizar aplicativos que mostram a melhor rota, e alguns acreditam que essa obrigação é do passageiro. Uma vez escutei do motorista “…mas você não tem, Waze aí? Coloca, então!” — A última coisa que quero ao andar de táxi é ficar de babá de motorista fiscalizando cada curva que ele faz, apenas quero chegar ao destino da maneira mais rápida e despreocupada possível.

O valor mais caro do Uber se deve ao conforto e ao serviço bem prestado, pelo menos na minha opinião.Quem não gosta de ser bem tratado, ainda mais quando o normal é ser tratado com descaso?

Quando você entra no carro e o motorista pergunta se está tudo da maneira como você gostaria e se quer continuar ouvindo a música que esta tocando no seu Spotify, isso definitivamente muda a sua experiência.

A importância dos taxistas vs. carros que dirigem sozinhos

A matéria do Brainstorm 9 — ‘Face to Faceless’, a importância dos taxistas vs. carros que dirigem sozinhos, mostra um pouco da reação humana quando tiramos o motorista da equação da experiência do táxi, e olha que estamos falando de um processo futuro que ainda deve demorar um pouco para começar a existir.

Logo após o governo inglês ter investido £100 milhões no desenvolvimento de carros que dirigem sozinhos, o Hailo — um dos principais apps de táxi no Reino Unido e em outras cidades da Europa — tomou partido e lançou uma campanha em que retratos de taxistas londrinos são projetados em edifícios da cidade.

É fácil imaginar táxis sem motorista, com a garantia que você irá chegar ao destino de forma rápida e segura, sem a “malandragem” dos motoristas. A segurança será inerente ao serviço, já que não há uma interação humana e os erros são suprimidos, as chances de assalto ou estupro pelo motorista será de 0%.

Vendo seu uso diminuir drasticamente em cidades como São Francisco e Nova York, por exemplo, os táxis passaram a se preocupar ainda mais com seus serviços.

A entrada de aplicativos como o Uber muda o jogo. Quando você cria concorrência para um mercado onde ela não existia, o usuário é quem sai ganhando. A eminência da concorrência aumentar com táxis sem motoristas é animadora, pois os que restarem terão que oferecer um serviço muito melhor para competir.

Cada vez mais prestadores de serviços vão ter que descobrir como encantar as pessoas e assim garantir que elas utilizem o serviço oferecido. A tendência é termos cada vez mais robôs eficientes — alguns já conseguem diminuir o desperdício de bebida em 15% ao fazer drinks, mas talvez isso não seja o suficiente para substituir a interação humana: somos muito mais complexos que isso.

Quando diante de uma novidade que interfira diretamente num serviço prestado, como Uber e Airbnb, as pessoas poderiam parar de tentar lutar contra isso e tentar entender o que a novidade faz de diferente e como é possível oferecer algo superior. Assim, talvez nesse momento tivéssemos cada vez mais experiências melhores e inovadoras.

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