O Demolidor, série da Netflix sobre um Justiceiro Cego.

Pagar às cegas

Ariane Avezani
Try Consultoria
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3 min readJun 10, 2015

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E aí, você pagaria suas contas sem ver o valor?

Eu não e nem você. Tenho certeza.
Mas existem mais de 500 mil pessoas no Brasil que sempre passam o cartão de crédito ou débito e inserem senhas sem ver o valor. Não, não são os desavisados de plantão, e sim os deficientes visuais (os totalmente cegos) ao efetuar uma simples compra em uma loja de roupas ou lanchonete. Aliás, quantas vezes na semana você não faz uma compra no débito ou credito? Já imaginou nunca enxergar o valor e sempre confiar no vendedor? Situação difícil.

IBGE de 2010, no Brasil, mais de 6,5 milhões de pessoas têm alguma deficiência visual. Desse total: 528.624 pessoas são incapazes de enxergar (cegos); 6.056.654 pessoas possuem grande dificuldade permanente de enxergar (baixa visão ou visão subnormal); Fundação Dorina Nowill

Aconteceu ao meu lado, um deficiente visual em uma loja da gigante rede de fast food, queria simplesmente comprar um lanche. Todo o processo da escolha ao pagamento foi feito com um funcionário ao lado.

Observei a escolha do lanche, um processo sem autonomia, no qual o atendente do caixa leu todo o cardápio e ingredientes (nada de cardápios em formato de áudio ou braile, obrigatórios em SP) com pouca privacidade, porém concluído com sucesso. Depois veio o pagamento, que realmente me chamou atenção. Sim, feito totalmente às cegas, com direito a inserir a senha 2 vezes (claro, que deu discussão). Se o valor na maquininha era R$21,00 ou R$2.100, 00, se foi passado uma ou duas vezes por engano, nem eu e nem você saberemos. Tampouco o dono do cartão;

Menina, desconfiada segurando notas de dinheiro.

Acessibilidade é tema antigo que esbarro desde os tempos acadêmicos, ainda hoje figura recorrente em blogs e posts por aí, mas muito pouco popular no dia a dia das ruas.

Muito se escreve através de artigos e TCCs e pouco se populariza nos produtos e serviços.

A melhor definição de acessibilidade que li é “dar autonomia para a pessoa com deficiência, seja intelectual, visual, física, ou auditiva, a fazer o máximo que puder com independência.” — Wesley Gamaliel. Quando esta autonomia inexiste, fica-se a mercê da boa vontade alheia.

Não, este não é um texto que quer discutir o quanto o governo se preocupa ou deixa de investir em acessibilidade (pois daria um outro post), o que me chama atenção é sobre o quanto a inciativa privada ignora 6,5 milhões de pessoas, não adaptando seus produtos e serviços para este público.

Gato folheando um livro.

Ainda considerando os meios de pagamento, fui pesquisar sobre as tais máquinas de crédito e débito, e se havia algum recurso que resolvesse este impasse. Resultado da pesquisa, diversos artigos acadêmicos e uma proposta conceito do designer Kwon Ki Nam da Yank design. Que eu achei um pouco complexa e nada barata de se popularizar. Um outro ponto de que discordo é o deficiente ter que se adaptar ao produto ou serviço, e não a empresa prover.

Na minha cabeça simplesmente ter uma saída de áudio na maquineta e através de um fone de ouvido saberia o quanto esta sendo pago, padronização dos teclados com relevo, refletiria em maior autonomia. Mas pode ser simplista demais…

Fica o tema aberto a reflexão e o necessidade de expansão do olhar, principalmente dos designers e gestores de produtos.

Infográfico Exclusão, Segregação, Integração e Inclusão — Página de Andres La Blunda Fontana

PS: Gifs com legendas, em prol da acessibilidade do post.

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Ariane Avezani
Try Consultoria

UX researcher and strategist who loves to understand and help solve human problems.