Endorsement

Um campo de sonhos, desejos e charlatanismos

Fernando Baggio
Blog do Baggio
21 min readSep 7, 2020

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Há alguns anos resolvi escrever um artigo sobre um tema que sempre está em voga nas rodas de músicos, sobretudo de estudantes, aspirantes profissionais, ou no início de suas carreiras: endorsement. O texto original foi publicado no site O Baterista.com. Agora resolvi repostar o texto no meu blog e dei aqui uma atualizada. O tema tem sido novamente discutido depois que um representante de uma marca de peles no Brasil se envolveu em novas polêmicas, sendo acusado de misogenia e machismo. E usou o perfil oficial da marca no Brasil para atacar seus inimigos pessoais.

Essa questão mexeu comigo porque eu já foi dessa marca (que adoro), e sai justamente por uma briga com esse mesmo sujeito. Sei bem como ele age, a forma agressiva e super impositiva e imperativa que ele trata tudo e todos ao seu redor. Um sejeito autoritário que usa sua carreira que foi construída através de contratos com grandes marcas mas que nunca teve lá grande expressividade artística, de fato. Uma pessoa que ressente justamente da sua falta de expressividade e usa essa frustração contra músicos iniciantes ou que estão em busca de patrocínios.

Quando eu sai dessa marca brigando com o sujeito, escrevi esse texto movido pelos tantos absurdos que vi ele cometendo. Agora posto aqui o texto na íntegra por ainda achar válido esclarecer algumas coisas sobre esse modelo de parceria.

Segue o texto:

Resolvi falar de um assunto que passa pela cabeça de muitos, se não de todos os músicos: endorser! Muita gente me pergunta como faz para ter um. Muita gente me questiona como é, se eu ganho equipamentos, se eu recebo dinheiro, e por aí vai. Já vou adiantar que esse não é um assunto agradável. E tentarei colocar minha visão e minha experiência sobre ele, embora eu tenha consultado advogados e diretores de marcas no Brasil para escrever esse texto.

Quero começar esclarecendo o que significa a palavra endorser. Vem do inglês para “endosso” (endorse), que significa apoiar, avalizar, ou algo como “alguém assinando em baixo do seu produto, dando valor agregado a ele”. Mas endorser é o endossante, ou seja, aquele que endossa, no caso o músico que dá valor à empresa (marca, importadora, fabricante, etc.). E endorsee significa endossado. Só aí já reside a primeira confusão. Você se torna endorser de uma marca, e ela passa a ser sua endorsee. Resumindo:

  • Endorse: endosso.
  • Endorser: músico que endossa a marca.

- Endorsee: a marca que está sendo endossada pelo músico.

  • Endorsement: endossamento, ato de endossar.

Falando com o meu editor André Carvalho, que tem formação em Propaganda e Marketing, ele jogou luz sobre o conceito. Contou-me ele que a propaganda perdeu força com sua massificação a partir da década de 70, onde todas as marcas começaram a dizer ser sempre a “melhor marca”. Daí passou a ser importante a figura do endorser, que nada mais é aquele cara que diz: “eu uso essa marca porque para mim é a melhor”. A partir do perfil do endorser a marca então atingi um fatia de mercado específica e de uma forma diferente da propaganda feita pela própria empresa.

Pronto, tudo ficou mais claro ainda. Essa busca hoje é tão grande que faz parecer que você, baterista, ou músico, é que é endossado por alguma marca e não o contrário, como deve ser de fato. Hoje esse conceito está sofrendo uma inversão. Muito por causa da busca desesperado de um músico para se ter um apoio. As empresas recebem diariamente pedidos e mais pedidos de músicos para poder usar suas marcas. E muitas marcas se aproveitam disso. Quando na verdade é uma troca onde você usa a marca que, por sua vez, usa sua imagem atrelado a essa marca para fazer propaganda.

Esclarecido isso, a partir de agora vou tratar pelos termos corretos e em inglês, ok? Outra diferença: endorsement e patrocínio são coisas diferentes. Mas são comumente confundidas. Patrocínio é o ato de apoiar financeiramente um projeto ou uma carreira. Para ser um patrocinado pela empresa ou pela marca você deverá estar recebendo dinheiro. O endorsement é uma troca (ou deveria ser) entre “marcas”, a do instrumento com a sua. Agora vou dissertar um pouco sobre o conceito, suas variações e suas distorções.

O conceito é uma troca simples: a empresa fornece seu produto e o músico o divulga através do seu trabalho. Simples assim! Sendo assim, a marca tem que ver em você uma pessoa potencialmente interessante para usar seus produtos. Mas o que isso, “potencialmente interessante”, quer dizer exatamente? A resposta deve ir pelo caminho da análise da marca da empresa e da sua marca. Quando digo “sua marca”, quero dizer o que você enquanto músico representa para outras pessoas. Quem são essas pessoas? Qual o seu poder de formar opinião a ponto de alguém querer usar os mesmos produtos que você usa? De que forma você pode ajudar a marca a expor seus produtos? Não adianta ir pelo caminho do “eu toco melhor que o tal endorser deles!”. Você não sabe os porquês desses dois firmaram parceira, em primeiro lugar. Depois, não existe essa ideia de melhor ou pior do ponto de vista técnico e musical para uma marca. Existe o perfil que atende uma faixa de mercado. Ou seja, não caia nessa, é feio, desrespeitoso e anti ético.

Analisando por essa ótica (a do perfil do endorser), vamos ver o que poderia despertar o interesse de uma empresa em um músico (um baterista pode se enquadrar em mais de um perfil):

Artista: se você tem ou faz parte de banda famosa. Uma banda que tenha bastante penetração na mídia, que esteja no line up de grandes festivais ou tem uma agenda muito cheia. Uma banda que tenha um bom público fiel. Você interessa para algumas empresas, sem dúvidas. Mas mesmo assim, algumas marcas não tem esse perfil.

Sideman: isso quer dizer que você acompanha artistas. No caso de você tocar com artistas que tenham as características apontadas acima, você vai despertar interesse em algumas empresas (a maioria). Mas se você toca com um artista desconhecido, nem que ele seja bom, ou seja uma promessa, esqueça. A empresa dificilmente vai fechar um bom acordo com você.

Músico Instrumental: aqui o buraco é mais embaixo. Para você ter destaque nessa categoria, precisa tocar com os principais nomes desse meio, ter gravado discos, participar do circuito de shows (Sescs, festivais de jazz, etc.). Ou seja, ser reconhecido pelo meio profissional como um músico de destaque nesse gênero (e não por você mesmo). Mesmo com tudo isso, tem poucas empresas que tem um olhar específico sobre esse tipo de profissional. A maioria das empresas não têm uma política boa ou definida para esses músicos. Mas algumas (e ótimas) têm!

Músico de estúdio: aqui no Brasil não tem tantos que sejam praticamente só músicos de estúdio, aquele profissional que praticamente só se dedica a gravações. A maioria dos grandes músicos de estúdio do Brasil tocam com artistas também. Mas vamos lá. Esse segmento desperta interesse em algumas marcas desde que esse músico saiba divulgar seu trabalho. Porque ficar fechado em um estúdio com um instrumento não chega a ser exatamente uma divulgação. Por outro lado, geralmente esses profissionais gravam com grandes artistas, que tem uma vendagem fantástica. Isso interessa! Você só tem que saber como divulgar isso fora das paredes do estúdio. Porque todo mundo quer saber que bateria foi aquela usada naquela música incrível! Gravação é uma forma definitiva de demonstrar o potencial que o equipamento tem. Esses músicos, inclusive, costumam ter apoio de empresas que a maioria dos outros músicos não tem, como microfones, por exemplo.

Outro ponto forte para esse profissional no contexto da modernidade é justamente explorar suas gravações em exibições em lives e redes sociais. Hoje em dia isso aumenta muito a visibilidade desse tipo de trabalho.

Educadores: infelizmente, como em tudo no Brasil, o educador não é valorizado. Aqui as importadoras tem uma visão extremamente limitada sobre esse profissional. Para terem uma idéia, nos EUA, Europa e Japão algumas marcas têm políticas específicas para esse músico. A Yamaha e a Vic Firth tem planos claros para eles. Está nas suas páginas na web. No Brasil, essas políticas, nem as dessas empresas, passam perto de serem uma realidade. O que falta é a empresa enxergar o tamanho da influência que um professor tem para seu aluno no momento da escolha de seus instrumentos. Além desse músico ser o responsável pela formação musical de muita gente, o que por si só já deveria despertar o interesse das empresas. Mas há exceções. Eu dei aulas em uma grande escola, o Conservatório Souza Lima, e consegui apoios para as minhas salas onde dava aulas. Costurei acordos entre marcas de bateria, pratos e peles para usar nas minhas aulas. Mas não foi nada simples.

Palestrantes: são músicos que fazem muitas clinicas e workshops por todos os lugares. Isso geralmente interessa a uma marca. Especialmente os modelos atuais em que esses workshops são feitos por bateristas virtuosos. Também aproveitam o evento para promoverem diretamente essas marcas.

Infelizmente, esse é um terreno fértil para uma imensa quantidade de músicos que não construíram uma carreira musical com ninguém. Ou seja, gente que não produziu nada muito expressivo mas que desenvolveu certas habilidades de falar em público e pronto. Embora, claro, haja muitos importantes músicos que façam clínicas excelentes.

Enfim, esses são perfis que podem gerar interesse em empresas. E para todos esses há variações diversas. Mas lembre que trata-se de comércio. O que quer dizer que o diretor de marketing da empresa não está interessado na sua qualidade mas no resultado dela. Ou seja, não adianta você ser incrível se não souber como usar isso. Você deve ser, antes de tudo, um formador de opinião, independente da área que você atua. Deve gerar interesse em um grande número de pessoas para poder significar alguma coisa para uma marca.

Cruel? É sim, mas isso é mercado, e não arte! E por esse motivo que esse assunto incomoda tantos amigos músicos. Como outros tantos assuntos de “business”. Essa coisa de auto-divulgação é na maioria das vezes um tanto quanto desagradável. E em grande parte desnecessária também. Muitos músicos, no anseio de mostrar seu trabalho, acabam exagerando na auto-promoção. Gastam dias e dias marcando as pessoas em vídeos ou links sobre seus trabalhos. Por favor, não faça isso sem que tenham o mínimo de intimidade com quem está marcando ou, se possível, peça antes. Sem falar que a divulgação via redes sociais não é exatamente o que vai levar você a ter um endorsement. As empresas esperam que seu trabalho esteja em todo tipo de mídia, e não só no seu próprio perfil. É muito pouco, insuficiente. A menos que você seja realmente um tipo atual de profissional que termina com “er”, tipo instagramer, Youtuber, Facebooker, etc. E isso significa ter muitos seguidores, muito engajamento, ser muito comentado, etc.

Empresas

Agora quero falar um pouco das empresas. Elas estão divididas em fabricantes nacionais, importadoras e multinacionais que tem escritório no Brasil (são importadoras das marcas, mas respondem pela distribuição direta dessas marcas apenas) e lojas.

Há empresas e empresas e cada uma tem sua própria política ou visão sobre o assunto. Para começar, é bom explicar que quem cuida dessa parte é o diretor de marketing da empresa (muitas vezes esse cara é um músico, as vezes um profissional de marketing, as vezes as duas coisas, as vezes nenhuma delas). Esse é o cara responsável por saber a estratégia de marketing da empresa (ou da marca que ele cuida dentro da empresa), e assim ver se seu perfil interessa ao planejamento dele. Há empresas em que esse profissional é a porta de entrada, mas depois dele você ainda passa pelo crivo de uma diretoria para, finalmente, assinar um contrato. Há empresas em que apenas o aval desse profissional é o bastante. E há empresas em que é o dono, ou CEO, quem decide diretamente. Tudo depende da estrutura organizacional da empresa. O ideal é que você entenda um pouco como a empresa pensa. Procure ler sobre ela, ver quem são seus endorsers, ver se há em seu site uma política de endorsement. Mas tente chegar preparado, com uma visão clara do que é a empresa e o porquê você pode ser interessante para ela.

Há empresas que trabalham com um número pequeno de endorsers, e outras com um número enorme. Há empresas que promovem eventos para divulgar a marca, esses eventos contam com a presença de endorsees fazendo workshops, palestras ou tocando. Há empresas que não fazem nenhum tipo de evento. Há empresas que ajudam o endorser a realizar eventos que ele próprio produz. Outras não. Há empresas que fazem propagandas em sites e revistas especializadas e às vezes nessas propagandas aparecem alguns endorsers. Outras não fazem, ou fazem pouco. Há empresas que acompanham de perto seus parceiros e outras não sabem nem se ele ainda está vivo. Há empresas que mudam de estratégia constantemente. Tem importadoras multi-marcas, onde cada marca tem uma estratégia diferente de marketing, o que faz com que uma só empresa tenha muitas variantes. Tem de tudo.

No geral, algumas empresas estão bastante confusas com esse assunto também. O que faz qualquer um pensar que pode ser endorser de qualquer marca. Há um grande, enorme, número de músicos que são endorsers de marcas. Isso não tem se mostrado uma coisa positiva. Há uma clara falta de foco das empresas em como e com quem divulgar as suas marcas. Assim, nem a empresa é bem divulgada e nem o músico é atendido por ela. Tem empresa que vê seu endorser quase como um vendedor da marca. Um endorser não tem função de vendedor do produto que usa. Ele é responsável por vendas através apenas do uso do seu nome pela propaganda do produto. Mas responsabilizar um endorser pelo aumento de vendas da empresa é ter uma visão distorcida do que é ser um endorser. A empresa tem vendedores para vender, departamento de marketing para fazer sua estratégia de divulgação da marca, e endorsers para serem usados dentro desse planejamento. Se a empresa não faz isso corretamente a culpa não é sua.

O Endroser é um “garoto propaganda” da marca. Mas veja, isso não é como um garoto propaganda que é apenas contratado para fazer uma campanha da empresa. Não é isso! A Gisele Bündchen faz propaganda para a Victória Secret, mas ela é não endorser da marca! Eu nem mesmo sei se ela usa a marca diariamente. Fazemos propaganda da marca dentro do nosso trabalho, em shows, gravações, aulas, mas não devemos sair de casa para exclusivamente fazer uma propagada da marca sem receber por isso. A menos que isso reze no seu contrato. Há muitas empresas que exploram isso. Faz seus endorsers fazerem workshop de graça, ou as vezes o músico até paga para isso com os custos. Já soube de músicos que pagaram fotógrafos para fazer suas fotos para a marca! Também sei de caso que o músico “financiou” um vídeo corporativo sem receber nada em troca, apenas para mostrar serviço. Há empresas que não permitem isso, jamais. Mas na maioria das vezes elas no mínimo ficam quietas com tais atitudes. Essa parte é bem delicada, porque a empresa espera que você divulgue a marca dela. Mas precisa deixar bem claro para ambos lados de que forma isso será feito. Quais são os deveres e obrigações de lado a lado. Sem isso poderá ser perigoso. Sem ter uma relação previamente estabelecida e esclarecida, ou você ou a empresa podem se sentir prejudicados em algum momento. E vale dizer que não é porquê você é endorser de uma marca que ela está obrigada a colocar você na propaganda dela onde quer que seja.

O músico

Agora vamos falar de você! Por quê você quer ter um endorsement? Acha que isso lhe trará quais benefícios exatamente? Vários dos devaneios que tem por aí começaram por causa da busca sem medidas por um apoio por parte dos músicos. Em geral há alguns pontos que levam músicos a procurar uma empresa para tecer uma parceria:

Ego: sim, esse nunca deveria ser o foco, mas é na maioria das vezes. E é aqui que mora quase todo o perigo. O músico quer ter seu nome vinculado a uma marca por ego! Para poder dizer que tem. Uma espécie de “aval” para provar que é bom o suficiente para ser endossado por alguém. Isso faz um músico aceitar qualquer instrumento, sob qualquer condição imposta a ele. Ou seja, ele usa um instrumento de baixíssima qualidade, promove a marca com dinheiro do próprio bolso, paga caro pelo instrumento ruim, tudo para dizer que tem um endorsement. Você pode negar, mas isso é verdade.

Também tem o ego da empresa. Não raro uma empresa ser endorsee de alguém só para dizer que esse cara está no seu “time”, mas esse músico não se encaixa em nada na estratégia da empresa. O que acontece é que os dois lados ficam descontentes, principalmente o músico.

Preços dos instrumentos: no Brasil se paga tão caro para se ter um instrumento que muitos vêem o endorsement como a única maneira de adquiri-lo. Esse caminho é amplamente equivocado. Claro que o endorser vai conseguir pagar menos pelo instrumento, ou até tê-lo de graça (é raro, mas já falo nisso). Só que isso nada tem a ver com políticas de endorsement, e cedo ou tarde a relação irá por água a baixo. Acho uma tristeza o que pagamos em equipamento aqui no Brasil. O custo Brasil é altíssimo para todos. Isso faz com que muitos músicos corram atrás de empresas para conseguir ter os instrumentos. Mas esse crime não compensa na maioria das vezes. A menos que ele venha acompanhado de outros pontos fundamentais que façam com que o preço seja um benefício, e não a causa do seu contrato!

Para a empresa não é diferente. O mercado é duro, muita concorrência e com os preços praticados as vendas pingam. O câmbio altíssimo piora muito as coisas. Mesmo com a enxurrada de baterias chinesas baratas que têm aí. Daí o que fazem algumas empresas? Arrumam nesses músicos o “mercado de endorsers”. Sim, representam uma ótima venda para as empresas. Mesmo com os descontos concedidos para os endorsers o lucro ainda é muito alto. Importadoras pagam muito barato nesses produtos dos “Tigres Asiáticos”.

Instrumentos que você ama: procurei descrever dessa forma para você entender o que isso significa e entender a real causa de ter um endorsement: você ama, acredita, usa esse equipamento. O único motivo que deveria mover um músico a querer ter seu nome associado a uma marca deveria ser esse. Você ama e acredita na marca. Sabe que ela fará uma enorme diferença na sua “voz”. Será uma ferramenta muito importante para o seu som. A partir desse ponto tudo acontecerá naturalmente. Porque se isso for verdade, seu som deverá ser “a cara” da marca e, portanto, corresponder naturalmente aos anseios dessa empresa.

Isso serve para as empresas também. Deveria ser o único motivo de uma empresa aceitar ou buscar alguém para o seu “time de endorsers”. Uma empresa que associa o seu nome ao de um músico e sabe o que vai ter em troca simplesmente porquê sabe o que aquele músico é e o que ele representa para aquele setor. Pronto!

Pense assim: se você usar com exclusividade essa marca, expor e divulgar ela por onde quer que você vá, ela tem que representar você de forma artística integral. Há anos eu procurei uma empresa e pratos que eu realmente amava seus produtos. Já tinha planos de usa-los há muito tempo, mas eles não chegavam no Brasil. Quando soube que viria para o Brasil, preparei um material e entreguei na mão do CEO dessa empresa e apenas disse: “eu adoro seu produto verdadeiramente. Esse sou eu (entreguei o material), e adoraria ter uma parceria com você. Analise meu material e veja se me encaixo.” Apenas isso. Uma semana depois ele entrou em contato comigo e disse que eu tinha o perfil, e entrei para o grupo (bastante seleto) de endorsers da marca.

Se você quer realmente um endorsement, veja se esse é o momento para você. Use a auto-crítica e analise se você é uma boa marca para a empresa. Prepare uma estratégia para chegar corretamente nessa empresa. Prepare seu material (release, site, CDs, vídeos, etc.), e estude a empresa. Tire informações dela com colegas que sejam endorsers nelas. Deve chegar mostrando onde pode ser interessante para ela. E se receber um não, reflita, pense os porquês de não ter dado certo. E não corra desesperado para a próxima porta aberta que tenha um instrumento qualquer. Isso vai te levar a muitas decepções.

Outra coisa, é muito feio ver quando um músico quer ser um endorser apenas para alimentar o ego dele. O cara fica parecendo um piloto de Fórmula 1, cheio de marcas. A maioria de qualidade duvidosa. Pior é quando sabemos que o cara nem endorser da marca é, mas põe adesivos no seu bumbo como se fosse. Tem histórias de músicos (?!?) que ofereceram a empresas um pseudo-endorser, ou seja, compraram o instrumento em loja e pediram para a empresa apenas o colocar como endorser no site da marca! Por favor, você não tem idéia do quanto isso é ruim para todos! E, para piorar, sempre todos ficam sabendo dessas histórias.

Tem também os que nessa busca abordam músicos que são endrosers de marcas e perguntam: “como você conseguiu?”. Amigo, se você não for íntimo dessa pessoa, não faça esse tipo de pergunta. Ela soa desrespeitosa, até. Meu amigo Ivan Busic me disse que dá vontade de responder: “comece a tocar em 1980, grave muitos discos, CDs, DVDs, tenha uma carreira de 21 anos com a mesma banda, e aí vai lá”. E como disse o próprio Ivan: “você acha que será capaz de ajudar a vender um par de baquetas para essa empresa? Se sim, marque uma reunião”. É por aí! Claro que tem os amigos, alunos, que perguntam isso, mas aí é diferente, são pessoas mais próximas que perguntam ou porque querem saber o contato dessa empresa, ou porque não sabem nada sobre isso e são curiosos. Tudo bem para vocês! Agora, para você que se acha o injustiçado por não ter endorsement algum, cuidado com esse tipo de abordagem. Sempre parece inveja.

Tipos de contratos

Consultei um grande amigo, que é um grande músico e um grande advogado também, o Dr. Marcel Nadal, sobre contratos de endorsement. Perguntei se havia alguma lei específica para isso. Vejam o que ele disse: “O contrato de ‘endorsement’, ou seja, aquele em que um profissional é remunerado ou não, para apresentar e divulgar um determinado produto, muito embora não previsto em lei específica, é perfeitamente admitido no Brasil e pode ser estabelecido desde que cumpridos os requisitos da validade contratual, a saber: (i) capacidade das partes; (ii) objeto lícito; e (iii) legitimidade para assinar e firmar a obrigação de endorser”.

Ou seja, o acordo é estabelecido por dois lados. Devendo ser claro para ambos, e firmado. Por isso há uma grande variedade de acordos por aí. Eles vão, em geral, por pesos e medidas diferentes. Depende demais da empresa que você está negociando, do peso que você realmente tem para essa empresa (a visão dela sobre você, e o que você representa para ela no mercado) e, por fim, do seu poder de negociação com essa empresa (em geral isso significa você poder apresentar para a empresa um pouco mais sobre você, e assim mostrar que pode ser interessante para ela).

Se você está esperando ganhar aquela bateria dos seus sonhos em um contrato, esqueça. O contrato em que você ganha instrumentos é cada vez mais raro. Principalmente baterias, mas também pratos. Em geral, você ganha um desconto sobre o preço de tabela da empresa. Às vezes o músico ganha alguma coisa e tem desconto no resto. Em casos de baquetas e peles, por exemplo, a maioria das vezes o contrato é feito por cotas. O músico tem cotas desses equipamentos, que podem vir trimestral ou semestralmente, e se passar disso ele tem um desconto sobre o preço de tabela da empresa. Para você ser um músico que realmente ganha tudo sem custos, provavelmente terá que oferecer em troca algo equivalente para a empresa (é aqui que você pode perceber que seu vídeo no Facebook não vai resolver muito). Ou seja, uma superexposição na mídia. Como tem, por exemplo, os bateristas das grandes bandas e grandes artistas. Os caras estão o tempo todo na TV, nas revistas, enfim, em todo lugar. Eles expõem a marca constantemente, e algumas vezes, são músicos que atuam fazendo clínicas, workshops, tem projetos paralelos, gravam bastante, dão aulas. Esse são os músicos que ganham instrumentos. E também não ganham tanto assim. Muitas vezes eles acabam comprando também, porque atingiram a cota da empresa.

Essa é a visão de muitas empresas hoje em dia. Não posso dizer que concordo com elas. Particularmente, eu acho que diferentes perfis de endorsers tem funções complementares para uma estratégia de marketing de uma empresa. E continuo acreditando que a figura do professor ainda é o que traz a opinião mais influente na hora do cara escolher sua batera. Depois dele, quando o baterista já tem anos tocando, aí acho que o que mais influência em sua compra são baterista de altíssimo nível técnico e musical, com sólidas carreiras “baterísticas”. E por fim, o baterista que toca na tal banda de superexposição de mídia! Mas esse é só o meu pensamento baseado na observação de também anos de estrada.

Tem empresas que dão instrumentos, promovem workshops e fazem propaganda em revista. Eu, infelizmente, nunca me interessei por nenhuma e, verdade seja dita, nenhuma nunca se interessou por mim. Mas isso deu-se mais por uma questão de perfil de um e de outro, apenas. Mas elas existem, sim. Geralmente são nacionais (fabricantes), e com as importadoras isso é bem mais raro, especialmente das grandes marcas. E muito, muito raramente uma empresa dá dinheiro para um músico, como um salário. A menos que ele trabalhe para a empresa como um consultor ou algo do tipo.

Há ainda as pequenas empresas e marcas. Atualmente estou morando em Portugal. Decidi usar uma marca daqui, a Groove Drum Co., uma marca que consiste em um luthier que produz tudo (ou quase tudo). Ele é fantástico e é o melhor instrumento que já toquei. Sua atenção e cuidado comigo são incomparáveis com qualquer outra relação que já tive. Ele me convidou e fiquei muito feliz. Detalhe, ele foi muito claro quanto ao valor. Ele me disse: “Fernando, não posso dar um instrumento. Qualquer coisa que eu dou significa tirar comida da minha mesa. Mas posso lhe fazer o melhor preço possível. E não precisa ser exclusivo da minha marca. Agradeço de fizer alguma publicidade dela, claro”.

Mais honesto impossível! Eu faço questão de ter essa bateria. Faço questão de pagar o preço justo e faço questão de fazer propaganda dele. É uma relação justa e aberta.

Assinar um contrato com um empresa exige cuidados, como em qualquer outro contrato. Muitas vezes a empresa não põe a cota que você tem direito. Muitas vezes a empresa diz que você vai ter X% de desconto, mas nunca te mostra a tabela para saber se o preço é real! Muitas vezes você assina achando que vai ter a bateria top deles e quando vai fechar o acordo o que sobra para você é aquela famosa “linha de entrada”. Outra coisa que não funciona bem é o famoso “vamos começar assim, depois a gente vê”. Não caia nessa. Tem empresas que formam mercado consumidor constituído por endorsers. Você pode estar virando um cliente, e não um endoser. Na verdade é até pior do que ser um simples cliente, você se torna preso por um contrato e fica anos obrigado a comprar tudo deles. É uma espécie de cartão de fidelidade compulsória. Para uma marca é ótimo, mas para um baterista nem tanto.

Tem os que ficam criticando, falando dos contratos fora do país, dizendo que “se fosse lá não seria assim”, que “nos EUA tudo é diferente”, etc. É até verdade, mas lá tem muita bobagem também. Lá também tem empresas são endossadas por qualquer um. Tem empresas com diferentes contratos para diferentes músicos. Mas o que se pode ver é que, em países como EUA, muitos da Europa e no Japão, é tudo mais claro. As políticas de marketing dessas empresas são expostas nos sites delas. Isso tudo é verdade. Agora, dizer que “lá fora” ninguém paga, é mentira. Paga sim. Vejam esse vídeo (infelizmente sem legenda) muito divertido sobre como ter um endorsement:

https://youtu.be/nBOFbTYNQcE

Considerações Finais

Para finalizar, essa busca incessante por um apoio acaba desequilibrando todo o mercado. Algumas empresas exploram esse tipo de músico e isso acaba diminuindo o espaço de quem realmente tem qualidade para negociar um bom contrato. Muito embora haja muitas empresas sérias que tratam do assunto com muito critério. E outras que “dão” endorsement para qualquer um. As vezes marcas grandes, inclusive. Nesse caso, o que se vê é um verdadeira mar de endorsers que você olha e só reconhece três ou quatro no bolo! Essas empresas trabalham mal para a maioria dos seus endorsers e se você for reclamar, joga na sua cara que você é pequeno e tem o que merece, ou talvez mais do que mereça. Um absurdo, mas é verdade.

Não gaste seu tempo perseguindo isso. Use-o para estudar, se formar, fortalecer seu lado musical e artístico. Se você chegar na porta de uma empresa antes da hora, pode gastar sua ficha à toa. Isso é desperdício. Ou, pior, assinar um contrato que não é bom para ninguém. Isso se torna uma enorme frustração depois. Mereça um endorsee. O melhor caminho é quando você é procurado pela empresa. Isso quer dizer que você tem o que eles querem. Mas quando isso acontecer, cuidado, não deixe seu ego agir e exigir muito mais do que você realmente merece.

No meu caso, já tive boas e más experiências com empresas. E isso me fez entender bem as coisas. Sou um músico que não toca atualmente com nenhum artista que tenha uma superexposição na mídia (embora todos tenham muita qualidade). Sou um músico de música instrumental, com um grupo que tem 10 anos e três CDs gravados, e que toca com muitos grandes músicos dessa área. Professor de uma grande escola. Gravo CDs esporadicamente, toco em peças de teatro, escrevo para sites e revistas. Tenho mais de 20 anos de profissão. Sou pesquisador e autor de livro. Pronto! Esse sou eu, na realidade. Qualquer marca que se aproxime de mim deverá saber o que em mim ela pode aproveitar. E só para deixar claro, eu nem acho pouco o que represento, humildemente falando, mas não sou o baterista da Ivete Sangalo. Já tive propostas de muitas marcas com as quais nunca me identifiquei, agradeci e recusei. Já busquei apoio em marcas que gosto, e recebi recusas de algumas. Também sem problemas, ou não se interessaram, ou não tiveram como me incluir no grupo. Honestidade é importante. Já me decepcionei com marcas em que já trabalhei, o que me fez entender muitas coisas e olhar bem onde eu piso!

Atualmente tenho dois endorsers: pratos Bosphorus e bateria Groove (prato turco e bateria portuguesa). Meus dois contratos são internacionais e sou amplamente compreendido e respeitado pelas duas marcas. Não exijo delas nada mais que mereça, e elas a mesma coisa de mim, não pedem nada além do que posso dar. Eles trabalham para que eu tenha o melhor nos meus trabalhos, para que assim todos possam ver e ouvir a qualidade dessas marcas. Não fazem anúncios em revistas, não tem estandes na Expomusic, não fazem grandes eventos o tempo todo (fazem alguns muito bons, mas esporádicos). Mas são equipamentos que amo, de verdade! São minha voz, e sou grato por tê-los. Trabalho para eles fazendo meu trabalho, e isso é o bastante! Para mim isso faz sentido. O resto não é válido, não faz parte! E para você, faz?

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Fernando Baggio
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Sou músico, educador, estudante de mestrado em Artes da Música e amante e filósofo amador. Adoro escrever sobre política, futebol e coisas que o inspiram.