Senhores da Escassez

Fernando Baggio
Blog do Baggio
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4 min readMar 24, 2020

A idéia moderna de economia, sobretudo no capitalismo, é baseada na falta. É a essência da competição, da tal oferta e procura, mas também da meritocracia. É a falta, a falta mesmo, a miséria, a fome, a falta de moradia, de água e esgoto tratado, que move o poder. O capitalismo trabalha em cima do medo e constrói o poder hegemônico.

A simples idéia de moeda é uma idéia de posse, portanto, trata-se de quem tem e quem não tem. Quem pode ter, quem não consegue ter, quem tem que lutar, quem ganha e quem perde. É incrível como a humanidade é movida por essas idéias há séculos mais do que por qualquer outra idéia. Até o amor é construído na idéia de posse. Primeiro na posse pela posse, casamento arranjado para manter ou aumentar bens. Depois na posse da pessoa, construído nos alicerces machistas.

A igreja, as monarquias, ainda antes do capitalismo e das democracias, já sabiam que era a posse que dava a eles poder. A posse e a falta. Para a igreja era a posse do poder divino, exclusivo dos “homens de Deus” que poderia dar um pouco desse Reino de Deus aos homens de bem se eles, claro, fizessem tudo que lhes era ordenado. Para o Rei, era a posse material. Tinham tudo, absolutamente tudo, conquistado com força e “bravura”, sobre um povo resignado e obediente. Se assim se mantivessem e pagassem seus tributos, o bondoso Rei lhes daria segurança e paz (talvez isso hoje fosse chamado de milícia).

Já após o surgimento do capitalismo, seguido pelas revoluções, a posse e a falta são simbolizadas sobretudo pelo dinheiro. O dinheiro traz bens materiais, traz casamentos, traz estudo, traz paz e segurança. A falta do dinheiro traz a morte, não sem antes agonizar.
Foi assim que aprendemos a lutar pelo dinheiro. Sem pensar, só lutar. Vencer na vida.

Desde então, há séculos, morremos lutando. Porque é no medo, construído pelos mais diversos exemplos da falta, que lutamos sem parar, sem pensar, nem por um segundo. Mas pensar em quê?

O dinheiro é uma invenção. Gente, presta atenção. O dinheiro é uma invenção. Não está na natureza, não foi criado por Deus (ou sei lá o quê). INVENÇÃO!

Um papel que é impresso por um país. Isso é o dinheiro.

Nas regras do chamado mercado, imprimir dinheiro significa fazer o mesmo perder valor. Vejam bem, meus amigos, esse músico aqui que vos fala, que não merece nenhum crédito do que está lhes dizendo, tem aqui um barulho imenso na cabeça. Se imprimir dinheiro significa fazer com que seu valor diminua no mercado, aumenta o sentido, aliás, comprova a idéia de que o valor do dinheiro é justamente a falta. A falta que gera mortes, miséria, desespero, fome, pais de família tirando suas vidas e, algumas vezes, tirando a vida de toda família para não permitir que essa passe fome.

No capitalismo o dinheiro só serve se estiver concentrado nas mãos de pouquíssimos. São os ‘raros’, os ‘escolhidos’, ou melhor, os ‘vencedores’. São aqueles que pagam salários, que constróem fábricas, que criam sistemas, que elegem (e tiram) presidentes e primeiros ministros, que tem sob eles todos os cidadãos do mundo. Os donos do dinheiro são os donos da falta, da miséria, da desgraça humana.

São eles que investem 1,7 trilhões de dólares em armamentos (em 2016), mas não investiram nem 1% disso em saúde, educação, muito menos em distribuição de renda. A invenção humana para perpetuar o poder. A raça humana é socialmente uma raça que se perpetuou dominando através do medo e da força (Harari vai explicar tudo isso melhor que eu).

O que me deixa perplexo ao constatar isso é ver o quanto somos seres idiotas e desprezíveis. A vida humana, aquela que depende de água, comida e abrigo, sobretudo, mas também de saúde e civilidade, acaba que tem tudo isso dominado nas mãos do “dinheiro” — agora em aspas por ser a imagem semiótica do poder da dominação, dos donos das vidas, dos senhores da miséria e da morte.

Irônico é que nesse momento o dinheiro não tem sido suficiente para salvar o próprio “dinheiro”. As mortes chegaram também para os senhores da morte. Embora ela tenha chegado em maior número para os que tem menos, como sempre. Se o mundo realmente irá mudar depois disso, não sei, nem creio que realmente irá. Olhe sua caixa de spam e veja como chegam tentativas de fraudes todos os dias, cujo o alvo principal são os mais velhos, esses com quem agora “estamos preocupados”. O dinheiro faz isso. A falta faz isso.

Me perdoem, mas somos uma raça medíocre que crê em absurdos absolutos e nunca, nunca questionamos o óbvio. Há excessões, claro, mas no geral, somos um bando de idiotas, porque sendo nós seres que pensam, diferente de outros seres, que merda é essa em que estamos pensando?

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Fernando Baggio
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Sou músico, educador, estudante de mestrado em Artes da Música e amante e filósofo amador. Adoro escrever sobre política, futebol e coisas que o inspiram.