A verdade como adequação no De Veritate de Tomás de Aquino

Rafael Bartoletti
Blog do Bart
Published in
5 min readMay 21, 2018

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A definição de verdade em Tomás de Aquino parece ser bem simples à primeira vista. Define-a o Aquinate da seguinte maneira: Veritas est adaequatio intellectus et rei, a verdade é a adequação entre o intelecto e as coisas. Para entendê-la, porém, muitos supostos precisam ser explicitados e levado em conta. Aqui, devemos tocar em áreas simples, porém profundas, da pesquisa filosófica: a metafísica, a ontologia, a psicologia e a gnosiologia.

Movemo-nos aqui no seio da tradição aristotélica que Tomás recebe fundamentalmente na apreciação deste tema.

O primeiro suposto fundamental que deve ser explicitado, que pode parecer à primeira vista até um pouco engraçado, mas que faz-se mister sobretudo após o moderno idealismo, é no sentido de que há um mundo.

O mundo, a realidade é, e é independente de qualquer ato gnosiológico de qualquer tipo. Não há necessidade de que algo ou alguém presente no mundo o conheça o para que ele seja. O estado de coisas existente é independente do ato de conhecimento.

E como é o mundo? O mundo é um certo estado de coisas, onde há coisas concretas, sejam elas materiais ou imateriais

As coisas concretas são ou substâncias espirituais, onde há apenas forma pura, mas não matéria, ou substâncias compostas de matéria e forma. Sendo o homem um ente do segundo tipo, o conhecimento humano realiza-se mais perfeitamente sobre as coisas compostas, de maneira que conhece as formas puras apenas por comparação às compostas.

Este mundo é ele mesmo ordenado, e esta ordem estabelecesse quanto à ordem formal dos entes e às suas causas finais.

As formas de cada ente estão neles concretamente, não há substâncias universais separadas, mas em cada ente há todo o conteúdo categorial, genérico, específico e individual.

O homem, dentre as coisas compostas, é o único, porém, capaz de conhecer o eidos. Segundo Aristóteles, no primeiro livro da Metafísica, todo homem tende naturalmente ao eidenai, ao conhecimento das essências. Esta é justamente a diferença específica do homem: o homem é o único ser do mundo material que possui, além da potência cognoscitiva sensitiva, a potência cognoscitiva intelectiva. Esta é a razão de ser do homem: conhecer a essência dos entes.

Como se dá este conhecimento?

O conhecer, para Tomás, e grosso modo toda a tradição aristotélica, é um receber, ser afetado, padecer.

Não é por acaso que Aristóteles diz em seu Peri Hermeneias:

Há os sons pronunciados que são símbolos das afecções na alma, e as coisas que se escrevem que são símbolos dos sons pronunciados. E, para comparar, nem a escrita é a mesma para todos, nem os sons pronunciados são os mesmos, embora sejam as afecções da alma — das quais esses são os sinais primeiros — idênticas para todos, e também são precisamente idênticos os objetos de que essas afecções são imagens. (ARISTÓTELES, 2013, p. 3)

O conhecer é, assim, um ser afetado pela realidade. O homem, no processo de conhecimento, deixa-se afetar pelo mundo que há ao seu redor, no qual ele está inserido. Por exemplo, o conhecer o vermelho desta cadeira não é nada além de deixar o vermelho concreto que é acidentalmente nesta substância de cadeira afetar a potência sensitiva através do órgão corpóreo olho, de maneira que o olho recebe o vermelho que está fora dele.

É possível, então, voltar-nos agora para aquela definição de Tomás e entendê-la melhor uma vez que estes supostos foram explicitados, quais sejam:

  1. Há um mundo;
  2. O mundo é ordenado e esta ordem consiste na ordem de essência que estão realmente nas coisas concretas;
  3. O homem é capaz de recebê-las e conhecê-las
  4. Conhecer é deixar-se afetar.

Vejamos a definição novamente: a verdade é a adequação do intelecto e das coisas.

O que é intelecto? Esta palavra em latim, intellectus, possuía diversos significados na época do Santo Tomás, no século XIII. Não haviam ainda sido forjadas as palavras intelligens, intelligentia, etc. Na época de Tomás, a palavra intellectus poderia significar: o processo de conhecimento intelectual, o ato de conhecimento intelectual presente na psyké após o processo e o conteúdo objetivo deste ato de conhecimento.

Essa distinção é fundamental. Tomás não usa esta palavra na definição nem como o processo, nem como o ato de conhecimento. Ora, sendo tanto o processo de conhecimento, como o ato de conhecimento coisas concretas naturais, como poderiam eles adequarem-se à essência das coisas? Se fosse assim, a nossa mente transformar-se-ia em uma árvore cada vez que conhecemos uma árvore, uma vez que a coisa concreta é afetada não apenas formalmente, mas também materialmente.

Tomás usa a expressão intellectus no sentido de conteúdo do ato de conhecimento. E isso nos faz concluir que há uma recepção meramente formal da coisa.

De fato, na primeira questão do De Veritate, Tomás fundamenta-se na expressão aristotélica de que o ser pode ser dito de muitas maneiras. Uma maneira de ser é o ser-verdadeiro. E que consiste o ser-verdadeiro? O ser-verdadeiro consiste exatamente na tese de que a coisa conhecida é no sujeito que a conhece formalmente. O conhecimento verdadeiro consiste no ser da coisa no ato de conhecimento do intelecto.

Um conhecimento verdadeiro difere do falso não pelo ato psíquico, são ambos atos da psyké e essencialmente semelhantes, mas no conteúdo visado por este ato, isto é, a verdade consiste, na maneira expressa por Aristotéles, em pensar ser o que é ou pensar não ser o que não é, e a falsidade consiste em pensar ser o que não é, ou pensar não ser o que é.

Assim, diz Tomás que a medida para dizer se algo é ou não verdade é a realidade. O intelecto humano não é mensurador das coisas concretas, mas é pelas coisas mensurado. O homem não constrói a verdade, não há produção da verdade, mas, para que um juízo seja verdadeiro é necessário medi-lo pela concretude da própria realidade.

Justifica-se, pois, o axioma lógico aristotélico chamado de Princípio da Contradição encontrado na Metafísica, Livro Gama, 6, 1011b13–14, da seguinte maneira: “O mais seguro de todos os princípios básicos é que asserções contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras”.

Não é possível que simultaneamente as proposições “esta cadeira é vermelha” e “esta cadeira é azul” sejam verdadeiras. Ou a cadeira é vermelha, ou é azul. Não há como a coisa ser e não-ser simultaneamente sob o mesmo aspecto, justamente , como diz o outro princípio, chamado princípio da identidade.

Assim, dois juízos contrários, acerca de qualquer coisa, são ou ambos falsos, ou um verdadeiro e o outro falso. Ambos os juízos jamais podem ser verdadeiros simultaneamente.

Assim compreendido, a definição de Tomás para Verade, adequação do intelecto e das coisas, possui grande e profunda influência nas filosofias daqueles que contemporaneamente combatem o psicologismo, o relativismo, etc., como Bolzzano, Frege e Husserl, mas isso é assunto para outra exposição.

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