Da Reforma Monástica às Cruzadas.

Rafael Bartoletti
Blog do Bart
Published in
5 min readApr 4, 2017

O papel dos monges na virada do Primeiro Milênio.

Segundo VAUCHEZ, Andre. Espiritualidade da Idade Média. Tradução: Lucy Magalhães. Rio da Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

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A sociedade feudal que se desenvolveu após o período carolíngio era dividida basicamente em três classes sociais: Oratores, Bellatores e Laboratores, ou seja, aqueles que rezam, que batalham e que trabalham, sendo as duas últimas classes pertencentes aos leigos (Bellatores — Nobres; Laboratores — Camponeses).

Cada classe é responsável por uma das atividades consideradas necessárias para o bem-estar social, de forma que uma não poderia sobreviver sem a outra. Os Oratores, porém, são considerados superiores. É de sua responsabilidade o louvor a Deus, a intercessão e a súplica. Com efeito, são responsáveis por garantirem o repouso das almas, a paz aos vivos, a fecundidade das terras e as vitórias nas batalhas.

Dentre os Oratores há ainda outra divisão: a ordem o clero diocesano e a ordem monástica, única forma de vida religiosa existente até então.

No período pós-império, o clero secular ou diocesano, caiu em grande decadência, acompanhando toda a sociedade. Entre o chamado alto-clero estavam aqueles que vinham da nobreza. Esses tinham certa cultura, mas, ainda que houvesse em alguns boa-intenção no cuidado pastoral e na vida moral, gastavam boa parte de seu tempo com o cuidado das posses materiais e dos interesses pessoais, de suas famílias ou dioceses.

Entre o baixo-clero a situação era pior ainda: Advinham das classes mais baixas da sociedade e compartilhavam da decadência moral e intelectual de seus contemporâneos. Lembremo-nos que ainda não existia a instituição dos seminários, criados em Trento, e a obrigação dos estudos filosóficos e teológicos para a ordenação. Os sacerdotes de então eram muitas vezes laxos, intemperantes, gulosos, bêbados, avarentos, luxoriosos, etc. Além disso, estavam totalmente isolados em suas paróquias, à mercê dos senhores locais.

O quadro geral da Igreja era assustador. Vauchez chega a afirmar o quase certo esfacelamento da Santa Igreja.

Na ordem monástica, porém, as influencias devastadoras da decadência social foram menores. Grandes abadias conseguiram proteger seus monges, dando-lhes instrução intelectual e moral. Dessas abadias é que virá a reforma, primeiro dos mosteiros e depois de toda a Igreja.

Com efeito, a espiritualidade monástica passa a ter grande influência, sobretudo no que diz respeito a uma espiritualidade escatológica. O homem medieval no começo do segundo milênio espera ansiosamente a Parusia e o Juízo Final. Toda a sua vida está em função disso. Essa espiritualidade pressupõe um desprezo pelo mundo e o esforço da vida ascética. Dentro dos mosteiros ela será pautada pela discretio monástica, que, na visão de São Bento, é a mãe de todas as virtudes. No laicato, porém, deu origem a diversas heresias que pregavam penitências exageradas e a não validade dos sacramentos ministrados por padres impuros. Certos grupos heréticos chegaram a afirmar a não-necessidade de certos sacramentos, em claro detrimento do poder da graça em razão do ascetismo pessoal.

A espiritualidade monástica escatológica levou a uma dupla reação.

Em primeiro lugar, expandiu-se o ardor missionário. Se o final dos tempos está tão próximo, é necessário converter o maior número possível de povos à religião cristã para garantir-lhes a salvação. Nesse movimento, por exemplo, encontra-se a missão de conversão dos povos eslavos.

Outro efeito dessa espiritualidade foi a Reforma Monástica. Nascido dentro dos claustros, o movimento de purificação das instituições eclesiásticas tinha por espiritualidade entregar à Deus uma Igreja imaculada.

Num primeiro momento, a reforma se deu na instituição monástica. Houve, em diversos lugares, tentativas de maior observância da Santa Regra, movidas por grande ardor. Na França, por exemplo, além de Cluny, houve a fundação das abadias de Le Bec e Fecamp. Na Itália, os Camaldulenses e os Valombrosanos são dois grandes exemplos.

A reforma monástica culminará na grande reforma gregoriana, levada a cabo por São Gregório VII, ele mesmo monge de um mosteiro atingido pela reforma de Cluny.

A reforma de São Gregório VII tinha por principal objetivo combater a simonia, o concubinato dos padres e a independência da Igreja em relação ao Imperador.

Após os anos 1.000 e 1.033, anos em que a se esperava quase como certa a Parusia, houve um arrefecimento da ansiedade pelo final dos tempos. A espiritualidade escatológica, porém, continuava presente. Com efeito, houve uma mudança de perspectiva: ao invés de esperar o Julgamento Final para ingressar na Jerusalém Celeste, passou-se a desejar o Reino de Deus hic et nunc, aqui e agora.

A Igreja não mais se contentava com a conversão da alma individual, mas de todos os aspectos da vida.

No campo da teologia, foi desenvolvido o tema da Realeza de Cristo, o que hoje, em alguns manuais, chama-se de Reinado Social de Cristo. Surgia assim a Sancta Res Publica Cristiana ou, na linguagem atual, a Cristandade.

Essa mudança refletia outra, espiritual, muito forte: passou-se da contemplação para a ação. Não bastaria rezar pelo mundo para salvá-lo, era necessário cristianizar todos os aspectos da vida civil, inclusive de governo. O Imperador, os reis, os senhores feudais, todos os governantes, estariam, a partir de então, submetidos a um poder maior: o papal.

No diagnóstico de Vauchez, a instituição monástica sairá desvalorizada a longo prazo deste processo.

Num primeiro momento, a Igreja se coloca contra a Aristocracia. Santo Odo, abade de Cluny, fará uma dura reprimenda aos aristocratas, corruptos e não-caridosos.

Com o tempo haverá uma reconciliação. Sobretudo com o desenvolvimento da teologia da Guerra Justa. A guerra, principal atividade da aristocracia, será vista como forma de penitência se for feita pelo bem da Igreja e expansão do cristianismo.

Isso é atestado liturgicamente pela gradual inserção nos rituais das bênçãos de espadas e investiduras de cavaleiros.

Estão postos aí os elementos para o advento da espiritualidade das Cruzadas: Espírito Missionário, Reinado Social de Cristo e Guerra Santa.

Esse movimento levou, também, a uma valorização do laicato, que estava à margem da Igreja. Se a guerra passa a ser, também, Opus Dei, não eram os monges a executá-lo, como se dá no Ofício Divino, mas, sobretudo, é Officium ex ordem laicorum.

Nasce, assim, a baixa idade média.

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