Marcia Simões
Blog do Fator
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3 min readSep 2, 2020

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Essa é uma história sobre afetividade, vocação e acolhimento.

Na verdade, eu estava pensando sobre o cansaço primeiro. O “normal” parece muito distante dessa nossa realidade estranha em que até Agosto passou rápido demais. Não me leve a mal, pessoalmente está tudo muito bem. Mas o mundo, literalmente, não sou só eu. É impossível ver tudo o que o mundo está passando e ficarmos impassíveis. A gente sente...

E eu tenho ouvido muito sobre o cansaço também. Meus amigos estão estão cansados, meus alunos estão cansados. A pandemia nos trouxe situações muito diferentes das que estávamos acostumados. A gente quer – e precisa – falar sobre isso. Mas as vezes as palavras não saem e pesam em nós. E nos cansa. Chega a um ponto em que a gente nao quer nem saber mais, de tão saturados que estamos.

E até agora você pode estar pensando: é essa a história de afetividade, amor e acolhimento?

É.

É isso que eu procuro sempre ser para os meus alunos. Eu procuro receber e acolher, sem barreiras, sem preconceitos, sem julgamentos. Eu quero que a sala de aula seja esse campo neutro, bom pra florescer, se descobrir e aprender. E nesses tempos malucos, mesmo sendo uma sala de aula virtual, eu me esforço para nunca perder essa direção.

Porém, senti que essa semana tinha começado mais difícil e eu estava vasculhando a realidade para encontrar alguma coisa boa, pra dar aquele levante, um ânimo. Para rirmos um pouco juntos… Sei lá, acho que eu precisava mais do que eles.

Segunda-feira. Primeira aula do dia. Tudo organizado: café, água, slides e todos os outros materiais que eu preciso para as aulas. Liga o computador e o celular. Entra na sala. Automático assim, como essa descrição. A gente já se acostumou com a nova dinâmica.

O que a gente nunca sabe é quando um clique está nos separando daquilo que vai mudar nosso percurso.

Segunda-feira. Primeira aula do dia. E assim que entrei na sala eu pude ver, depois de tantos meses, todos aqueles rostinhos.

Entrar na sala de aula online e ver todos os meus alunos com as suas câmeras liberadas apenas para que eu os visse foi inesperado e surpreendente como eles acharam que seria. Mas vê-los de novo, mesmo que pela tela do computador, foi um transbordar de tudo: da saudade, do cansaço, da esperança, do trabalho, da recompensa, da memória.

Ali, olhando para eles, eu aprendi que nem sempre é o professor quem acolhe. Aprendi, mais uma vez, a verdade e grandeza das relações que existem entre os professores e seus os alunos.

Nós já estamos a mais tempo em aulas online do que estivemos em aulas presenciais em 2020. Se alguém me contasse isso no início do ano, eu jamais acreditaria. Aquelas duas semanas iniciais se transformaram em mais de 5 meses. É normal que depois de todas as mudanças a gente esteja mais cansado.

Apesar disso, o que nos mantém no caminho são as pessoas que o percorrem com a gente. São as câmeras ligadas no 9º ano. As brincadeiras e proximidade com o 7º e o 8º. O carinho do 6º ano, a clareza e maturidade do Ensino Médio e a partilha com o pré-vestibular. O que nos mantem seguindo é você, professor e aluno, que entendem o que esse meu relato significa, já que vivem isso também. Seguir, apesar do cansaço, é um exercício de empatia.

Provavelmente, se você é membro de um corpo escolar, você pode ter passado exatamente pela mesma situação que eu contei. Soube que foi um viral no app vizinho. E que alívio podermos falar sobre algo positivo viralizando.

Por isso e tantos outros motivos eu digo: não tinha outro lugar para mim senão na escola. Ai de mim se, neste ano, eu não tivesse meus alunos, se não tivesse a troca com os outros professores.

Ai de mim se, em algum momento da jornada, eu fosse levada para longe da sala de aula. Não me importa se eu viro a maçaneta para entrar nela ou se entro por um clique. Eu conheço meu lugar.

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Marcia Simões
Blog do Fator

Gosto tanto da escola que escolhi não sair mais dela. Professora de química que divide o tempo com o amor pela ciência,família, amigos, reality shows e dogs.