Blog do Sui — A Arte da Política

Vanessa Hauser
Blog do Sui
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6 min readMay 24, 2020

Se as desigualdades de classe têm aumentado de forma considerável com que ideais e meios elas serão superadas? Ou, então, todas as teorias — inclusive o liberalismo — que afirmaram a liberdade e a igualdade como constitutivas da condição humana estão equivocadas?

Por Suimar Bressan

A política é um fazer humano que envolve relações de poder. Ela é um momento de superação e síntese das demais relações de poder existentes na sociedade, manifestando-se, assim, como o poder soberano (último ou supremo). Deste lugar, a política incide (ou organiza) todas as ações humanas. De modo que o desinteresse pela política, fato bastante comum nos dias atuais, é uma forma de alienação humana, pois significa abrir mão do poder de decidir sobre o viver em todas as suas dimensões.

Photo by Cristina Gottardi on Unsplash

A política nasce dos diferentes conflitos humanos quando estes extrapolam, historicamente, a instituição familiar. Embora seja anterior a pólis grega, é neste espaço de conflitos e disputas que a política se desenvolve, tendo por referência às perguntas feitas pelos grandes pensadores gregos: quem e como governa? As perguntas pressupõem a necessidade de um governo, que constitui uma relação social nova, entre governantes e governados. O governo — que na modernidade passamos a denominar de Estado — é a materialização da política ou do poder político.

A política pode ser definida pela função que desempenha — direção/comando; pelos fins que persegue — bem comum, dominação; pelos meios que utiliza para realizar seus fins — discurso, lei e o uso da força. Considerando todos esses aspectos o único que é exclusivo da política é o uso legítimo da força. Portanto, é correto afirmar que a política se fundamenta na força, mesmo que este uso não seja explícito. Este é o sentido do conceito de Estado: instituição que detém o monopólio legítimo da violência.

Os aspectos acima referidos podem ser consideradas consensuais; no entanto, quando se colocam em discussão os fins da política, as divergências afloram. Assim, desenvolvem-se as diferentes teoria políticas; essa diversidade advém do conceito adotado sobre o homem e os conflitos humanos. Por exemplo: para os contratualistas Hobbes e Locke, os conflitos têm origem nas disputas pela vida ou pela propriedade, que indivíduos livres e iguais desenvolvem na sua condição natural; para Marx, os conflitos humanos originam-se das classes sociais, pelo fato de que um grupo de homens se apropria do trabalho do outro.

O que explica melhor o fenômeno político? A concepção aristotélica e sociológica do homem como um “animal político” ou o individualismo das teorias contratualistas? Para a primeira, o homem é, por natureza, um ser social, e a reprodução da vida se faz possível somente em sociedade. Então, se a sociedade existe sempre, a política é a busca pela sociedade justa. Na visão contratualista cada indivíduo é, na sua condição natural, livre, igual e autossuficiente, devendo a si mesmo a reprodução da vida. Mas porque os homens, sendo livres e iguais no estado de natureza, precisam estabelecer um poder civil? É pela presença da dialética da negação: os direitos naturais podem transformar-se no seu contrário.

Na formulação de uma teoria política não existe neutralidade: a tese depende sempre do ponto de vista do observador. É possível construir teorias a partir do “mundo das ideias”, da “verdade efetiva das coisas” ou, ainda, considerar a tensão dialética entre o ser e o dever ser. Mas se a política é uma ação que se refere a fins, então a busca por um resultado é um processo permanente. O que se busca? A “ordem e o progresso”; a “conservação da propriedade”, a “liberdade e a igualdade”, “a justiça social”?

O século XX foi palco de um grande embate entre liberalismo (ou a liberal democracia) e socialismo. As revoluções socialistas conferiram concretude à teoria que afirmava ser possível superar as desigualdades de classe e construir uma sociedade em que “o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”. O confronto entre modelos de sociedade se aprofundou e o bloco socialista não resistiu às suas contradições internas. A dissolução da União Soviética fragilizou a política socialista, contudo não a destruiu. Se as desigualdades de classe têm aumentado de forma considerável com que ideais e meios elas serão superadas? Ou, então, todas as teorias — inclusive o liberalismo — que afirmaram a liberdade e a igualdade como constitutivas da condição humana estão equivocadas?

A questão é bastante séria se se considerar que mesmo a política social democrata está em crise. Vale lembrar que no pós guerra articulou-se uma alternativa intermediária, principalmente na Europa, designada como Estado do Bem Estar Social. Esta forma de democracia social, surgida das vitórias eleitorais dos partidos de esquerda, começou a ser destruída pelo novo liberalismo que ascendeu ao poder político nos principais países europeus. Claro que os conflitos sociais se agravaram. O neoliberalismo não consegue dar respostas consistentes às coletividades como um todo. Como ele beneficia um número cada vez menor de pessoas articula-se uma ideologia de justificação da desigualdade: a meritocracia. Ou seja, é justo “dar a cada um segundo seu trabalho”, mesmo que o trabalho seja cada vez mais escasso.

O mundo vive um momento de profunda transformação. O capitalismo industrial está sendo superado por uma forma de capitalismo financeirizado, em que a geração de riqueza não passa, necessariamente, pelo investimento no processo produtivo e na constituição de postos de trabalho. Instaurou-se uma nova lógica em que se usa o dinheiro para gerar mais dinheiro, sem a participação efetiva no processo de produção. Não se trata de afirmar que o dinheiro se autonomizou do processo de produção, mas sim estabeleceu sobre ele um controle absoluto. Esse novo processo de acumulação capitalista é produtor e produto da quarta revolução industrial e da globalização das relações sociais.

Esse novo capitalismo aparenta ter eliminado a relação entre capital e trabalho como fundamento da acumulação da riqueza, característica do capitalismo industrial. Na verdade, o que ocorreu foi a apenas a transferência do comando da acumulação da fábrica para as instituições financeiras. A eliminação e a precarização dos empregos passa a ser uma condição para a acumulação e a valorização do capital. Mais importante do que a produção em si é a valorização das ações das empresas, das moedas e dos títulos governamentais, comprados e vendidos diariamente nas bolsas de valores.

Nesta estrutura societária substitui-se o conceito de trabalhador pelo de empreendedor, mesmo que este seja um simples entregador de pizzas. Percebe-se que na sociedade capitalista não se compreende a política sem relacioná-la com a economia. Esta questão foi profundamente desenvolvida pela dialética hegeliana — a sociedade política como superação da sociedade civil — e marxiana — a sociedade política como dominação do capital sobre o trabalho assalariado. Uma leitura atenta desses dois grandes pensadores permite identificar os grandes conflitos da modernidade e suas formas de superação.

Todos estes são elementos que permitem demonstrar o valor da política e a necessidade de reflexão sobre ela enquanto instrumento para a organização das relações sociais. Por isso, o espaço deste blog serve à discussão dos conflitos humanos sob a perspectiva da política e, nele, todas as análises apresentadas tem compromisso com a emancipação do homem. Seu objetivo é estimular a reflexão sobre a importância da luta individual e coletiva para levar ao limite a liberdade, a igualdade e a solidariedade entre os homens. Nesta tarefa, dar-se-á preferência para a publicação de artigos, ensaios, resenhas críticas, inclusive sobre filmes e vídeos. O cinema tem se constituído num espaço de grande expressão social, no qual a arte e vida se confundem. Não é por acaso que hoje filmes, séries e novelas ocupam um lugar destacado na veiculação de ideias que reforçam ou criticam a ordem social dominante.

Deste modo, convidamos todos e todas a acompanhar as publicações, interagindo criticamente com as mesmas. Boa leitura!!!

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Vanessa Hauser
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Brazilian journalist living in Barcelona. Rebuilding a life style and trying to come back to writing as a real passion.