O GOVERNO BOLSONARO AGONIZA!

Suimar Bressan
Blog do Sui
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5 min readApr 28, 2020

Compreender a conjuntura política é uma tarefa complexa. As forças políticas que compõem um cenário determinado estão em constante movimento. Muitas vezes uma tendência que parece inevitável é superada por um acontecimento novo, inusitado. Além disso, sempre há o desejo do analista que pode atropelar os fatos. Feita a advertência vamos a tese: o governo Bolsonaro agoniza.

No jogo de xadrez configuram-se situações em que um adversário coloca o outro em xeques sucessivos de tal modo que o xeque mate se torna inevitável, uma questão de tempo. O governo Bolsonaro pode ser comparado ao enxadrista em xeque. O crescente isolamento político, interno e externo, a que está submetido evidencia uma clara tendência à total ingovernabilidade. Este isolamento político é cotidianamente reforçado pelas suas próprias iniciativas políticas, que se fundamentam numa lógica amigo-inimigo. Nesse caso, a manutenção do poder impõe a resolução do conflito político pela eliminação do outro através da violência, simbólica ou física. O bolsonarismo cria e se alimenta da cultura do ódio.

Jair Bolsonaro pode permanecer na presidência da República por algum tempo, mas o seu governo caminha para o colapso total. Trata-se de um governo doente, em fase terminal. Em síntese, ele perdeu a capacidade para se recriar ou se reinventar. Constitui uma característica do governo Bolsonaro a dificuldade em estabelecer um relacionamento republicano com as instituições políticas. Esse relacionamento, que vive um momento de ruptura, é sempre mais fácil de ser restabelecido. Porém, quando se observa que um governo perde o apoio popular coloca-se em questão a legitimidade do mandato. Como ensinam os grandes pensadores da ciência política: a melhor fortaleza do governante é o apoio do povo. Este apoio, quando perdido, é sempre muito difícil de recuperar.

O acontecimento que propiciou a aceleração do processo de ingovernabilidade é a atuação dele próprio no combate ao coronavírus. Tem agido de forma irresponsável, desautorizando as ações articuladas pelo ministério da saúde com os governadores e os prefeitos. Em nome da manutenção dos empregos faz um discurso que afronta todas as recomendações dos órgãos de saúde nacionais e internacionais. Essa postura se fundamenta numa falsa dicotomia entre a preservação da vida e dos empregos. A opinião pública respondeu a essa postura da seguinte forma: 50% desaprovam a atuação e 64% não confiam na capacidade de Bolsonaro em gerenciar a crise do coronavírus (Instituto Travessia/Valor Econômico).
Também se observa a falta de iniciativa do governo em propor políticas de enfrentamento à crise econômica gerada pela pandemia do coronavírus. É possível entender essa paralisia pela lógica ultra liberal que tem sustentado as propostas econômicas do governo Bolsonaro. Sob esta ótica, a solução não está na ação do Estado, mas na retomada imediata das atividades empresariais. Mortes vão ocorrer, mas isto é um processo normal, diz o presidente. Este é o sentido da campanha publicitária “o Brasil não pode parar”, cuja veiculação foi impedida por decisão judicial. Há apoios localizados a esta conclamação, mas a maioria da população percebe-a como total descaso com a vida das pessoas.

O governo Bolsonaro é prisioneiro do seu extremismo ideológico, que o incapacita para formular as propostas, reivindicadas pela sociedade, para enfrentar o processo de desorganização das atividades econômicas. Aliás, nos últimos dias, evidenciou-se um fenômeno interessante: o discurso liberal, centrado no ajuste das contas públicas, desapareceu dos noticiários. De repente, os economistas das consultorias e os analistas da grande mídia passaram a defender, com uma convicção keynesiana, a intervenção do Estado. Enfim, a pandemia do coronavírus produziu uma virada intelectual e política inimaginável: a volta do keynesianismo. Na verdade, não se trata de um abandono do liberalismo; é apenas uma estratégia para a salvação dos negócios dos endinheirados. É muito importante esse consenso sobre a gestão da crise da economia, mas é inadiável a inclusão do problema das desigualdades na agenda pós crise do coronavírus.

Está claro que o presidente Bolsonaro não tem mais o comando do país. Ele comanda e age simplesmente como uma facção. A sua base social e política estilhaçou-se. Vale lembrar que a eleição de Bolsonaro foi sustentada por uma ampla frente política que englobou todas as forças conservadoras do país. Contudo, a ação cotidiana de Bolsonaro destruiu essa frente política. Ele não fez nenhum esforço para construir uma base aliada no Congresso. Ao contrário, estimulou a organização de manifestações populares visando o fechamento do Congresso e do STF. Outro ponto importante: ele destruiu o seu próprio partido, fragilizando a participação nas eleições municipais. Instituições não interessam ao bolsonarismo; elas sempre são expressão do mal, da corrupção.

Bolsonaro foi abandonado pela direita liberal e sua representação parlamentar, pela grande mídia, pelos principais governadores aliados, pelas presidências da Câmara e do Senado e por uma parte importante da base social conservadora. Resta a ele a apenas o apoio de uma parcela fanatizada da população, manipulada diariamente pelas fake news produzidas pelo “gabinete do ódio”, disparadas por um exército de robôs. Nem mesmo os militares, que ocupam espaços importantes do governo, parecem estar satisfeitos com o desempenho do presidente, que ajudaram a eleger. É improvável que o presidente Bolsonaro seja capaz de modificar a sua forma de agir no sentido de reconstruir a base política conservadora que o elegeu, em razão da sua opção fundamentalista: ele e os seus seguidores representam o bem, os outros o mal.

Enfim, estamos entrando numa situação de crise política profunda, que será potencializada pela recessão econômica. O crescimento do PIB será negativo em 2020. Embora o histórico da vida política de Bolsonaro autorize a pensar numa solução autoritária, parece não haver condições sociais e institucionais para essa alternativa. Além disso, Bolsonaro não tem as qualidades necessárias para ser um “princípe” vitorioso. Por exemplo, falha numa questão fundamental: evitar ser odiado pelo povo. Também cabe considerar que a postura fundamentalista o incapacita de “modificar-se de acordo com o que lhe ditam a direção dos ventos e o variar das circunstâncias”. E as “boas armas”? As milícias não preenchem este requisito e há vários indicativos de que as Forças Armadas não defendem uma solução militar como forma de resolver o impasse político atual.

É claro que para o governo acabar efetivamente é preciso retirar o presidente do cargo. Este é sempre o dilema do presidencialismo. São três as possibilidades: a renúncia, o impeachment ou a deposição mediante um ato de força. Obviamente o impeachment é a alternativa mais adequada numa situação de pleno funcionamento das instituições democráticas, o que não se verifica neste momento na sociedade brasileira. Na verdade, todas as possibilidades podem ser acionadas para a saída do presidente. Em cada situação é a conveniência política, ou a relação custo benefício da ação, que determina a escolha da estratégia mais adequada para desencadear o processo de conquista do poder político.

Uma saída razoável seria a articulação de um governo de transição, englobando todas as forças políticas. A dificuldade para a formação de um governo desse tipo está no relativo distanciamento existente entre a direita liberal e as diversas forças de esquerda. O trauma provocado pela deposição da presidente Dilma Rousseff ainda está muito vivo. No entanto, cabe ressaltar que o aprofundamento de toda a crise política tende a produzir a unidade das forças de oposição. Um governo de transição teria três tarefas fundamentais: enfrentar a pandemia do coronavírus, implementar políticas públicas para superação da recessão econômica e criar as condições para que a disputa eleitoral de 2022 seja um momento de retomada da legalidade democrática.

SUIMAR BRESSAN
IJUÍ — 31 DE MARÇO — 2020
#DITADURA NUNCA MAIS!

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Professor de ciência política na Unijuí (RS, Brasil).